Com rebanho em expansão, criadores de ovinos querem popularizar carne
Danielle Castro
Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)
26/07/2024 04h00
O crescimento do rebanho de ovinos no Brasil está levando os produtores a cobrar do governo ações mais assertivas para popularização dos produtos do segmento dentro e fora do país. Os fazendeiros também pedem uma legislação melhor pensada, que atenda também os pequenos proprietários.
O que aconteceu
Houve um aumento do número de rebanhos no país. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), instituição pública que desenvolve tecnologias e é ligada ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), houve alta de animais tanto no Nordeste quanto no Sul, as duas principais regiões produtoras do setor.
O rebanho total da ovinocultura no Brasil cresceu 4,5% em 2022 ante 2021, segundo os mais recentes dados disponíveis. O rebanho em 2021 era de 32,4 milhões de cabeças (sendo 11,9 milhões de caprinos e 20,5 milhões de ovinos) e saltou para 33.880 milhões no ano seguinte (12,366 milhões de caprinos e 21,514 milhões de ovinos). A criação de ovinos teve uma alta individual maior, de quase 5% (4,94%) e a de caprinos cresceu 3,91% no mesmo período. Os dados de crescimento são referentes ao último censo agropecuário divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o de 2022.
Aumento da produção. O pesquisador e doutor em economia aplicada Espedito Cezário Martins, da Embrapa Caprinos e Ovinos, explica que o crescimento foi acompanhado do aumento do número de estabelecimentos agropecuários que criam ovinos como fonte de renda e não apenas para subsistência. "Os produtores estão expandindo a sua produção utilizando um nível tecnológico mais elevado, com ganho na profissionalização da atividade", diz Martins.
Para o pesquisador, a expansão do rebanho ovino brasileiro esboça uma tendência de retomada de importância econômica e de crescimento da atividade. "Esta tendência poderá ter um efeito multiplicador positivo e contribuir para o desenvolvimento de todas as atividades da ovinocultura brasileira", avalia.
Há espaço para crescer. Segundo a Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), a expansão deve ser comemorada, mas o aumento do número de animais ainda está muito aquém da necessidade.
"O atual número de 20 milhões [de animais no rebanho] era o que só o Rio Grande do Sul tinha até a década de 1980 e, por aí, já se vê o quanto a ovinocultura diminuiu ao longo dos anos", afirma o médico veterinário e produtor Edemundo Ferreira Gressler, presidente da Arco.
Novos produtos
No novo cenário da ovinocultura brasileira, a expectativa é que a lã perca espaço para carne como principal produto do setor. "Esta nova realidade traz alavancas comerciais para a ovinocultura e, ao mesmo tempo, exige profissionalização dentro das fazendas, investimentos em genética, resgate da indústria e o posicionamento das marcas de varejo", reforça Gressler.
O novo consumidor, porém, ainda precisa ser cativado. "A realidade da oferta de carne era outra. Os animais abatidos eram de idade mais avançada e o sabor não era agradável para alguns", conta Gressler.
Hoje, porém, o Brasil dispõe de mais de 30 raças ovinas, adaptadas aos mais diversos biomas, que produzem carne, lã e peles. "O leite [também] aparece como uma novidade e uma alternativa no setor de lácteos, principalmente pelos alérgicos", diz o presidente.
Desafios
Sem tradição na mesa dos brasileiros de boa parte do país, a carne ovina ainda precisa conquistar mais mercados para alavancar sua expansão. A estimativa é de que o consumo de carne ovina no Brasil não chegue a 1 quilo por pessoa ao ano.
Muitos desconhecem o produto. "Parece incrível dizer, mas boa parcela da população nunca sequer provou a carne ovina, o que comprova o trabalho sério e responsável que precisamos fazer para aumentar e qualificar o nosso público", aponta o presidente da Arco.
Necessidade de investimentos. Para fortalecer, a Embrapa também reforça que é preciso prover assistência técnica e extensão rural a um grande número de pequenos proprietários, bem como a criação de legislações que favoreçam estabelecimento de plantas de abate menores para atendimento de mercados locais e a redução da burocracia.
Mercado de lã
A produção de lãs também passou por mudanças. "As fibras naturais, como a lã, voltam a ter notória valorização principalmente as lãs mais finas como as das raças Merino Australiano e Ideal", diz Gressler. A Arco mantém, desde 2021, o Programa de Certificação para Lã. No último ano, a entidade já havia certificado cerca de 115 toneladas de lã, valorizando o produto e assegurando melhores margens aos produtores.
Gastronomia, Turismo Rural
Impacto das novas experiências. A Embrapa projeta que o consumo da carne ovina será ampliado, guiado principalmente por consumidores que buscam novas experiências gastronômicas, turismo rural e produtos com identidade regional ou territorial.
"Isso permitirá uma maior agregação de valor à carne e derivados da carne de ovinos por meio de melhorias no processamento e processos de certificação como a indicação geográfica e certificação de origem", afirma Martins.
Inovação e sustentabilidade
Na parte da pesquisa, as melhorias da ovinocultura tem acontecido nas mais diversas áreas: de biotecnologias reprodutivas e validação de vacinas até criação de biofármacos, melhoramento genético de animais e acesso a mercados e criação do Centro de Inteligência e Mercado de Caprinos e Ovinos (CIM).
Impacto ambiental positivo. Segundo a Embrapa, também inclui estudos sobre a mitigação dos gases de efeito estufa na produção de pequenos ruminantes e desenvolvimento de forrageiras adaptadas à região semiárida e sistemas integrados de produção (ILPF - Integração Lavoura-Pecuária-Floresta).
A combinação dessas propostas como uma comunicação mais ágil e automatizada nas propriedades deve assegurar vantagens que podem mudar o jogo. Os resultados são a introdução de sabores e preços diferenciados pelo tipo de criação, sustentabilidade, responsabilidade social e produção orgânica.
Indústria e perspectivas
A maior organização dos produtores em associações ou cooperativas - e uma melhor interação entre estes e a indústria - deve viabilizar a oferta de carne ovina em maior escala. São esperados também melhores preços para as carnes mais saborosas e capazes de atingir padrões internacionais e nacionais. "Será possível atender à exigência dos consumidores por porções menores (redução do tamanho das famílias) e com maior facilidade de manipulação e preparo das refeições", aponta o pesquisador.