Por que a melhora dos índices econômicos não é percebida pelos brasileiros
Alexandre Novais Garcia
Do UOL, em São Paulo (SP)
11/09/2024 05h30
Desemprego no menor nível da série histórica, crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima da expectativa e inflação no limite da meta ainda não refletem positivamente na vida dos brasileiros. Apesar dos indicadores sinalizarem para o ambiente positivo, a percepção de melhora alcança apenas um quarto da população, conforme o último levantamento do Instituto Datafolha, divulgado em agosto.
O que aconteceu
Economia brasileira cresce acima das expectativas. O PIB nacional avançou 1,4% no segundo semestre, ante os três primeiros meses deste ano. A maior variação na base de comparação desde o último trimestre de 2020 (+3,7%) foi impulsionado pelos desempenhos positivos da indústria (+1,8%) e do setor de serviços (+1%). Na comparação com igual período do ano passado, o crescimento alcançou os 3,3%.
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Desemprego aparece no menor patamar da história. Também divulgada pelo IBGE, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostra que 6,8% da população buscou sem sucesso por um emprego no trimestre finalizado em julho. O percentual é o mais baixo para o período de toda a série histórica do levantamento, realizado desde 2012.
Melhora econômica não é notada pela população. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha em agosto, 42% da população vê piora da situação econômica nos últimos meses e apenas um quarto (26%) avalia que o ambiente foi melhor. Outros 29% citam estabilidade da percepção.
Questionamento diferente traz resultado semelhante. A AtlasIntel perguntou no mês passado como a população avalia a "situação econômica do Brasil neste momento". Para quase metade dos entrevistados (47%), o cenário é "ruim". Um terço (33%) afirma que a condição é "boa" e outros 21% citam normalidade.
Avaliação diverge conforme gênero, idade e religião. A percepção negativa registrada pela AtlasIntel é maior entre as mulheres (48%, contra 44,7% dos homens), pessoas com mais de 60 anos (52,8%), aqueles com ensino fundamental completo (53,5%) e, principalmente, entre os evangélicos (68%) e eleitores que votaram pela reeleição de ex-presidente Jair Bolsonaro no primeiro turno de 2022 (86,2%).
O que explica o descontentamento
Alto custo de vida é lembrado como possível motivação. Mesmo com a inflação no intervalo da meta, Claudio Considera, coordenador de contas nacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que a atual evolução dos preços atinge essencialmente os alimentos. Segundo ele, isso faz com que os consumidores não avaliem a inflação de outros produtos.
A pessoa compra uma televisão, que é um bem durável, uma vez a cada cinco anos. A comida ela compra todos os dias.
Claudio Considera, coordenador da FGV
Dados gerais também dificultam uma percepção ampla. Considera destaca que os indicadores são calculados a partir de uma média. "Esses números refletem a melhora em média tanto do PIB, quanto da inflação e do desemprego", explica ele. "As pessoas olham o umbigo delas e, provavelmente, não sabem nem o que significa o produto que cresceu", complemente.
Ministro da Fazenda cita distorções nas redes sociais. No início de julho, Fernando Haddad citou a existência de uma prática "protofascista" da oposição para "minar a credibilidade" dos dados. "O que eu vejo na rede social é um negócio avassalador de desinformação", declarou durante participação no Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Dizem que o desemprego está aumentando, mas o desemprego é o mais baixo da série histórica. Falam que a renda está caindo, mas há 28 anos não tínhamos um incremento como o que tivemos em 2023.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda
Considera reconhece atenção com a avaliação negativa. "O governo, evidentemente, deve ficar preocupado quando vê que o julgamento dos resultados econômicos, que ele está saudando como bons, não seja percebido corretamente pelas pessoas", avalia ele. "Se alguém na rede social diz que isso não foi bom, outra pessoa pode incorporar esse tipo de informação", compreende o coordenador da FGV.
Desaceleração prevista
Previsões apontam para queda do ritmo de avanço do PIB. Assim como aconteceu no ano passado, o crescimento da economia brasileira deve perder força no segundo semestre. "A gente espera uma desaceleração da economia na segunda metade do ano", diz Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, instituição que fechou 2023 entre as cinco que mais acertaram as projeções do PIB no sistema de expectativa do Banco Central.
O crescimento tem sido em grande parte sustentado pelo aumento dos gastos públicos, que ocorrem principalmente na primeira metade do ano, e também pela boa safra que a gente tem visto nos últimos dois anos, principalmente soja, que tem maior impacto no início do ano.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank
Produção industrial abre o segundo semestre em queda. Após impulsionar o desempenho do PIB no segundo trimestre, o setor encolheu 1,4% na passagem de junho para julho. Com a queda, a indústria ainda opera 15,5% abaixo do ponto mais alto da série histórica, registrado em maio de 2011. "Isso contribui para a redução da atividade econômica como um todo, mas temos mais dois meses de resultados ainda para saber o que vai acontecer", comenta Considera.
Fenômenos sazonais vão contribuir para a desaceleração. Salles explica que o avanço da economia sustentado pelo aumento dos gastos público e o bom desempenho da safra, principalmente de soja, não tende a se repetir. "Isso explica um pouco desse crescimento desigual entre primeira e segunda metade do ano", destaca o economista ao prever um cenário parecido com o 2023, ano em que o PIB apresentou estabilidade nos últimos dois trimestres.
Mercado financeiro vê alta do PIB acima de 2,5% em 2024. As projeções recentes apresentadas pelo Boletim Focus mostram maior otimismo na última semana. "Nós vamos ter o maior PIB per capita do período recente", garante Considera ao vislumbrar uma alta acima de 2,5%.