O que falta para o Brasil reconquistar o selo de bom pagador
Alexandre Novais Garcia
Do UOL, em São Paulo (SP)
03/10/2024 05h30
A agência de classificação de risco Moody's elevou a nota de crédito soberano do Brasil de Ba2 para Ba1. A mudança deixa o país a um passo de recuperar o grau de investimento. Na S&P (Standard & Poor's) e Fitch Ratings, as outras duas principais agências internacionais de risco, o caminho é mais longo e exige duas altas até a retomada do selo de bom pagador.
O que aconteceu
Disciplina macroeconômica definirá futuro da nota de crédito nacional. A percepção até a retomada do grau de investimento considera a manutenção do crescimento econômico e o cumprimento do arcabouço fiscal. A meta perseguida pelo governo determina um esforço para aumentar as receitas e limitar as despesas que crescem acima da inflação para zerar o déficit primário a partir deste ano. A estabilidade política e as reservas internacionais também são consideradas.
Moody's tem perspectiva positiva para nota de crédito do Brasil. Ao atualizar o rating nacional, a agência de risco considera a melhora do perfil de crédito, o avanço das reformas econômicas e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima das expectativas no primeiro semestre deste ano. A análise prevê a manutenção do cenário favorável, abrindo caminho para a recuperação do grau de investimento.
Nos próximos anos, prevemos que o crescimento continuará amplo, com a demanda interna impulsionada por um mercado de trabalho relativamente forte e salários mais altos.
Agência de classificação de risco Moody's
Cumprimento do arcabouço fiscal é desafio até grau de investimento. A Moody's afirma que o desempenho fiscal e o Orçamento apresentado para 2025 "permanecem consistentes com as metas fiscais". Ainda assim, a agência reconhece que existem 'riscos persistentes" para atingir os objetivos estabelecidos "devido à rigidez estrutural dos gastos e ao aumento dos gastos obrigatórios".
Essas limitações pesam na credibilidade da política fiscal e complicam os esforços contínuos para cumprir as metas fiscais, prejudicando a eficácia da política e contribuindo para prêmios de risco relativamente altos.
Agência de classificação de risco Moody's
Haddad cobra união para manutenção do ambiente positivo. Ao comemorar a elevação da nota de crédito pela Moody's, o ministro da Fazenda pediu o comprometimento de todos. "Se esse governo compreender que vale a pena esse esforço, que esse esforço que está sendo feito produz os melhores resultados, e continuarmos sem baixar a guarda, em relação a despesas e receitas, acredito que temos a chance de terminar o mandato do presidente Lula reobtendo o grau de investimento", disse ele.
O caminho está dado. Ainda temos algumas milhas a atravessar, mas acredito que está claro o trabalho que tem que ser feito e a direção estabelecida.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda
Movimento torna o Brasil um mercado mais atrativo. Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, entende que a proximidade com o grau de investimento traz expectativas de maior fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil. "Investidores institucionais, que possuem muitas vezes restrições em investir em países com grau especulativo, podem agora começar a avaliar o mercado brasileiro com mais atenção", destaca ele.
Governo sonha com selo de bom pagador
A equipe econômica luta em busca do grau de investimento. A elevação da nota de crédito foi divulgada apenas uma semana depois do encontro do presidente Lula com as agências de risco em Nova York (EUA). "Não faz sentido o país não ter grau de investimento", esbravejou o Haddad, na ocasião.
Perspectiva é reconquistar o selo de bom pagador até 2026. O objetivo revelado por Haddad prevê a recuperação da avaliação nas principais agências de classificação de risco. Após ingressar na lista de bom pagador pela primeira vez em 2008, o Brasil perdeu o selo em 2015 por problemas com as contas públicas.
Incertezas
Melhora sinalizada pela Moody's não é unanimidade. O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC (Banco Central), considera surpreendente a reclassificação. "Não vi, a olho nu, nada que justificasse essa melhoria das expectativas econômicas brasileiras", afirma ele. "Nós não temos um quadro positivo para o Brasil que sustente uma melhoria da nota", diz Marx Gabriel, CEO da MB Consultoria. Ele cita o nível de endividamento, o atual déficit fiscal e as incertezas a respeito do arcabouço fiscal como barreiras que afastam o Brasil do grau de investimento.
O Brasil chegou a uma dívida pública de R$ 8,8 trilhões, o que corresponde a 78,5% do PIB. Isso mostra por que é difícil entender [a elevação da nota de crédito]. A política fiscal é outro critério importante analisado e nós chegamos a 1,1 trilhão de déficit, valor superior ao da pandemia.
Marx Gabriel, CEO da MB Consultoria
Caminho é mais distante nas agências S&P e Fitch. As duas casas de análise de risco ainda colocam o Brasil a dois passos de reconquistar o grau de investimento. Em ambas as agências, o rating de crédito do país é "BB", classificação que representa, assim como a nova nota da Moody's, um "grau especulativo", que sugere maior risco de inadimplência em relação ao sonhado grau de investimento.
Elevação da nota de crédito exige mudanças estruturais. "Caso o Brasil falhe em sustentar as reformas fiscais e administrativas necessárias, ou se o cenário internacional agravar, com recessões em grandes economias ou escalada de conflitos mundiais, a melhoria na nota pode ser revertida ou sofrer pressões negativas", pondera Gianluca Di Mattina, especialista em investimentos da Hike capital.