Construtoras miram novas estratégias em meio à alta de juros no Brasil
Por Patricia Vilas Boas
SÃO PAULO (Reuters) - Com o fim da temporada de balanços se aproximando e o resultado de muitas construtoras já divulgados, surge quase como consenso entre as incorporadoras dos mais diversos padrões que a alta dos juros no Brasil é uma preocupação, com algumas adotando novas estratégias para contornar esse cenário.
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"Eu acho que o ponto de atenção fica sobre como é que vai estar o mercado para o ano que vem, tendo em vista essa taxa de juros que atrapalhou inclusive o financiamento bancário", afirmou o presidente-executivo da Eztec, Silvio Ernesto Zarzur, em teleconferência de resultados este mês.
Zarzur acrescentou que a empresa, com foco nos segmentos de média e alta rendas, trabalhará mais em sua carteira de alienação fiduciária - que apoia o financiamento de clientes direto com a construtora - em meio às previsões de um ciclo de alta na Selic restringindo o crédito ao consumidor.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa básica Selic em 0,5 ponto percentual na última reunião da autarquia, para 11,25% ao ano, com analistas apostando em novas altas em 2025. No início de 2024, esperava-se que a Selic seguisse uma tendência de queda, com a expectativa de que, a este ponto, a taxa estivesse na casa de 1 dígito.
As construtoras que são mais concentradas no segmento de menor renda, como Tenda e Direcional, aparecem parcialmente "blindadas" ao movimento da Selic, já que as principais fontes de financiamento envolvem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas no lado macroeconômico, a atenção sobre a taxa básica permanece sobre a capacidade de consumo da população.
"A preocupação é mais no cenário macro, acho que uma estabilidade é sempre o cenário ideal, mas no micro, ou seja, pensando na empresa, acho que esse segmento está muito bem protegido", afirmou o diretor financeiro da Tenda, Luiz Mauricio Garcia, à Reuters.
No lado do custo do crédito para a construtora, o diretor financeiro afirmou que a Tenda vem desalavancando seu balanço e trocando dívidas mais caras por mais baratas, o que deve ajudar a compensar o efeito da Selic.
Na Direcional, o presidente-executivo da companhia, Ricardo Gontijo, disse que está adotando uma nova estratégia para a Riva, incorporadora de média renda do grupo, diante da nova realidade do mercado. O segmento representa cerca de 35% da operação da companhia.
"O que a gente como incorporador acaba tendo que fazer é ajustar o tamanho das nossas unidades... para que a gente oferte para o mercado um produto que o nosso cliente tem capacidade de adquirir no momento." Não houve alterações nesse sentido no segmento de menor renda, segundo o executivo.
Gontijo acrescentou que o momento "inspira uma certa cautela", mas que a construtora tem trabalhado com um "conservadorismo bastante grande", mantendo baixo o endividamento.
O cenário de juros mais elevados contrasta com um mercado imobiliário aquecido, com a Caixa Econômica Federal reduzindo em 1º de novembro o teto de financiamento habitacional e adotando novas regras para moradias usadas diante da forte demanda por crédito.
Em meio às divulgações de resultados trimestrais vistos como sólidos por analistas, a Tenda elevou suas projeções para a marca homônima em 2024 e a Eztec anunciou o pagamento de 150 milhões de reais em dividendos extraordinários.
Na MRV&Co, o diretor financeiro, Ricardo Paixão, informou que, diante do impacto do movimento da Selic no custo da dívida, a empresa está com um "foco muito grande" em desalavancagem.
"A prioridade não muda, porque um juros de 11% ou de 13% já é muito alto da mesma forma quando a gente pensa em endividamento", afirmou o executivo à Reuters.
No caso do grupo, os juros altos nos Estados Unidos também acendem um alerta. Os executivos da companhia disseram em teleconferência com analistas na semana passada que a subsidiária norte-americana Resia ainda é um "desafio" dado, principalmente, o alto juro norte-americano, e que a empresa está buscando deixar a operação "mais enxuta".
Na Cyrela, executivos destacaram em teleconferência com analistas após divulgação de resultado trimestral que o cenário macro é uma preocupação para o próximo ano.
"Acho que o grande risco para 2025 é o Brasil, o risco é o fiscal, é o patamar de juros, é a economia desacelerar muito. Não acho que o setor está fácil", disse o copresidente da Cyrela, Raphael Horn.
Ainda assim, o diretor financeiro da incorporadora, Miguel Mickelberg, afirmou que a empresa discutirá no início de dezembro a possibilidade de pagar dividendo extra este ano, dada a boa performance de geração de caixa da companhia no período.
No mês, as ações de Eztec sobem cerca de 6%, enquanto MRV e Cyrela caem 8% e 5%, respectivamente, contra perda de quase 2% do Ibovespa no mesmo período. Fora do índice, Tenda tem alta mensal de 8% e Direcional recua 4%.