Demissão de servidores

Governo tem de ser como empresa privada e demitir funcionário público ineficiente, diz chefe da Marcopolo

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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A estrutura administrativa do governo federal deveria funcionar como as empresas privadas, demitindo os funcionários públicos ineficientes. O resultado de uma máquina pública "pesadíssima" são impostos altos. A opinião é do CEO da Marcopolo, James Bellini, em entrevista na série UOL Líderes.

No comando de uma das maiores fabricantes de carrocerias de ônibus do mundo, o executivo defende maior eficiência e critica o custo Brasil. Para o chefe da Marcopolo, se o governo abrir as fronteiras para os concorrentes internacionais, a indústria nacional desaparece.

No primeiro trimestre de 2020, a Marcopolo previa um forte crescimento e a contratação de mil funcionários. A pandemia fez despencar a produção —de 95 ônibus produzidos por dia para 35. A empresa também demitiu de 15% a 20% do pessoal.

Para Bellini, o sistema de mobilidade no país precisa ser repensado, com uma maior integração entre os diferentes tipos de transporte. Defende também o ônibus elétrico, a exemplo do que já é feito no Chile.

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da Marcopolo, James Bellini, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista completa em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

Funcionário público precisa ser eficiente

UOL - Como diminuir o custo Brasil sem diminuir direitos conquistados pelos trabalhadores? E como lidar com a questão tributária e administrativa?

James Bellini - Em relação à questão tributária, temos uma carga pesadíssima porque o governo tem uma estrutura administrativa pesadíssima, que precisa se pagar.

O que está faltando é a máquina governamental pensar como uma empresa, sendo mais eficiente, repensando toda a questão da estabilidade do funcionário público. Ela [a estabilidade] poder ser válida para algumas coisas, mas não vejo como razoável e racional uma pessoa que fez concurso público não poder ser demitida se não estiver fazendo um trabalho eficiente.

Tudo isso traz um peso gigantesco para a máquina pública e faz com que a carga tributária tenha que ser muito elevada, impactando em competitividade internacional.

Temos cerca de 10 mil funcionários, entre Brasil e coligadas, e pagamos um determinado salário para essas pessoas, mas elas nos custam o dobro. Há alguma coisa errada nisso. Onde está o resto do dinheiro que foi pago? Está na máquina do governo.

Este é o trabalho de fundo que deveria ser feito. Como é que nós tornamos a administração pública mais eficiente?

O senhor é a favor da manutenção dos direitos trabalhistas?

Direitos são direitos. Isso é muito difícil de mudar. Ou somos mais eficientes e competitivos ou desaparecemos. Não existe mágica. Imagine se o governo abrisse as fronteiras com todo esse custo Brasil.

A indústria nacional desapareceria porque os nossos concorrentes não têm esses custos. É preciso ter alguma solução, seja ela qual for.

Se o governo não pode mexer nisso, porque tem uma estrutura pesada que precisa manter, então ele precisa nos proteger de alguma maneira. Caso contrário, a indústria brasileira desapareceria.

Então o senhor é a favor da proteção de mercado?

Como empresário e empreendedor, não tenho medo de a indústria estrangeira vir aqui e tomar o nosso lugar porque temos muita competência, somos eficientes.

O que me preocupa é uma abertura de mercado sem considerar o nosso custo Brasil. É preciso haver uma proteção.

No que diz respeito à produtividade e à eficiência da indústria, nós nos garantimos, mas como competir com a carga impositiva que temos hoje versus o custo dos chineses, por exemplo, que é infinitamente inferior.

Como vamos conseguir manter um patamar de preços competitivos se esse custo Brasil está nos massacrando?

Quais são as assimetrias competitivas do Brasil em relação aos players internacionais?

Sinceramente não vejo grandes assimetrias. Somos muito competitivos porque temos uma mão de obra extremamente qualificada.

Um dos grandes fatores do sucesso da Marcopolo é a capacidade de produzir ônibus customizados em alta escala. Isso é muito difícil de se ver em qualquer lugar do mundo.

Conseguimos produzir 95 ônibus por dia, um diferente do outro. Quem consegue fazer isso no mundo? Ninguém.

Hoje vocês estão produzindo quantos ônibus por dia?

Em torno de 35 ônibus por dia. A queda foi muito grande.

A Marcopolo é assim

  • Fundação

    1949

  • Funcionários

    8.567 (Brasil) e 1.413 (no restante do mundo)

  • Indústrias

    3 (Brasil) e 11 (mundo)

  • Faturamento (2019)

    R$ 4,3 bilhões (Brasil)

  • Lucro bruto (2019)

    R$ 190,9 milhões (Brasil)

  • Participação do Brasil nos resultados da empresa (2019)

    52,2% (receita)

  • Fatia da empresa no mercado (2020)

    55,7% (Brasil)

  • Principais ações na pandemia

    Criação da plataforma Marcopolo BioSafe

Vendas despencam na pandemia

UOL - Qual foi o impacto da pandemia para a empresa?

James Bellini - Vínhamos no primeiro trimestre de 2020, início de março, em um ritmo muito forte de vendas, de crescimento. Falávamos em contratar cerca de mil pessoas.

Veio a crise, e o baque foi muito grande. Maior ainda porque o nosso melhor negócio é o transporte rodoviário, a nossa galinha dos ovos de ouro, onde sempre tivemos nosso melhor resultado.

E esse segmento foi o que mais impactou. Tivemos uma queda média entre os nossos clientes de 85% em termos de frota parada, ou seja, apenas 15% das frotas de nossos clientes estavam em operação.

Uma pena porque teríamos, talvez, o maior resultado da história.

Quando o senhor fala de 85% de paralisação da frota é só no Brasil ou em todo o mundo?

Cada mercado teve o seu impacto, alguns mais outros menos. Na média, podemos falar em 85% porque o impacto foi muito parecido em todos os países. No México, por exemplo, tivemos um impacto de 60% do mercado total, ou seja, o mercado vendia anualmente em torno de 8.200 carrocerias de ônibus e, em 2020, não vai chegar a 4.000. E não foi diferente na maioria dos mercados onde temos atuação.

Como avalia a condução do governo brasileiro em relação à crise e à pandemia? [entrevista concedida em dezembro/2020]

O governo brasileiro agiu rápido e ajudou bastante no que diz respeito às alavancas. Permitiu deixarmos o pessoal em casa, ajudando no pagamento dos funcionários e diminuindo o impacto do custo da folha de pagamento.

Outra questão importante foi a manutenção da desoneração da folha de pagamento. Caso contrário, haveria o repasse de preços para o mercado, impactando diretamente o resultado da empresa.

Mas, mesmo assim, vocês precisaram dispensar funcionários, fechando a fábrica no Rio de Janeiro.

Foi bem difícil para nós. Postergamos esse ajuste o máximo possível. Conseguimos segurar até final de setembro, esperando uma queda da curva de infecções da covid-19 e uma retomada do mercado.

Chegou o momento em que não tinha mais como segurar. Havia uma clara noção de que o mercado não iria se recuperar na velocidade necessária para poder manter todo o nosso quadro.

Por isso, tivemos que fazer os ajustes. Foi extremamente necessário. Caso contrário, a própria sustentabilidade da empresa estaria comprometida.

Pode nos dizer de quanto foi o ajuste de pessoal?

Sim, reduzimos em torno de 15% a 20% de pessoal.

Qual a expectativa para 2021?

Para 2021, há uma expectativa de crescimento de 10% a 15% em relação a 2020. Porém, estamos prevendo um primeiro semestre muito difícil. Imaginamos que esse crescimento estará concentrado a partir do segundo semestre.

Temos a boa notícia da vacina, e talvez amenize um pouco, encurte esse prazo para o início da retomada.

Existe alguma expectativa de fechamento de alguma unidade da Marcopolo em 2021?

Não há expectativa de fechar mais nada. O fechamento do Rio de Janeiro já estava programado para acontecer, mas foi antecipado por conta de todo esse impacto da crise.

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Não é possível atravessar a cidade de bicicleta ou patinete. Se todo mundo andar de carro, ninguém se mexe. O sistema de mobilidade precisa ser repensado. É necessário haver integração entre metrô, grandes ônibus que circulam em corredores, o articulado, o biarticulado, e até mesmo, no último pedaço, uma bicicleta ou um Uber ou qualquer outro veículo menor.

James Bellini, CEO da Marcopolo

Ônibus sob demanda

UOL - Quais serão as mudanças do transporte público para os próximos anos?

James Bellini - Tudo passa por uma integração de vários modais. Não é possível atravessar a cidade de bicicleta ou patinete. Se todo mundo andar de carro, ninguém se mexe, as vias já estão sobrecarregadas.

O sistema de mobilidade precisa ser repensado. É necessário haver integração entre o metrô, grandes ônibus que circulam em corredores, o articulado, o biarticulado, e até mesmo, no último pedaço, uma bicicleta ou um Uber ou qualquer outro veículo menor.

Pela legislação vigente, as empresas de ônibus são obrigadas a circular e ter uma frequência mínima em determinados locais "X" vezes por dia. Há ônibus enormes circulando vazios. Isso é incoerente e inviabiliza o sistema de transporte.

Precisamos de transporte sobre demanda. Um ônibus menor, por exemplo, vinculado a um aplicativo que vai determinar qual a melhor rota daquele ônibus para atender à demanda daquele momento. Não é uma competição entre trem, metrô, avião. É uma integração entre todos esses modais [tipos de transporte].

Isso vai atrair o passageiro, que, por sua vez, vai remunerar o operador, que vai tratar de ter uma frota renovada, com ônibus novos, confortáveis, e isso vai trazer mais passageiros. A questão é a organização do sistema.

O ônibus elétrico é uma alternativa para melhor o sistema de transportes?

Principalmente na questão do transporte urbano. A primeira questão é a da sustentabilidade, das emissões, e da necessidade de trabalharmos com energia limpa.

Em 2020, fizemos alguns projetos importantes, lançamos o primeiro articulado elétrico em parceria com a BYD. Um projeto para São José dos Campos [SP], de 12 articulados.

O segundo aspecto da eletromobilidade, principalmente no urbano, diz respeito à viabilidade econômica do sistema. No Chile, por exemplo, há em torno de 200 ônibus elétricos em operação em um modelo de negócio diferente.

A provedora de energia elétrica entra como player no sistema e financia a compra do equipamento [ônibus]. Esse sistema acaba subsidiando o transporte e faz com que a tarifa fique mais acessível para o passageiro.

Como a Marcopolo contribui com o desenvolvimento do sistema de transportes nas cidades?

A Next [divisão de novos negócios da Marcopolo] é o nosso braço de inovação. Com ela, deixamos de ser uma simples provedora de material rodante e passamos a ajudar no desenvolvimento dos sistemas de transportes nas cidades.

Fruto do trabalho da Next, criou-se uma área que se chama Marcopolo Consulting, na qual temos consultores e especialistas em sistemas de transporte, em urbanismo, e que estão ajudando as cidades e prefeituras a repensar os seus sistemas de transporte.

Passamos a participar do início do processo e não apenas ficamos reféns de um sistema existente que está muito comprometido.

Ônibus mais seguros na pandemia

UOL - O que a pandemia mudou na forma de trabalhar?

James Bellini - Estamos trabalhando muito forte na questão da transformação digital e cultural. Fizemos um redesenho da estrutura organizacional da empresa e criamos uma área de transformação digital e estratégia.

Entendemos que essa transformação é vital para o futuro da empresa, para poder encarar esse novo normal que está surgindo, no qual a velocidade e o desenvolvimento de novas soluções, serviços e produtos precisam ser acelerados.

Nós redefinimos o tempo na Marcopolo. O que era ano virou mês, o que era mês virou semana, e o que era semana virou dia. Para criar este modelo de gestão, precisamos trabalhar muito fortemente a mudança de cultura.

Passar de uma estrutura forte, pesada, muito hierarquizada, para uma estrutura mais ágil, com equipes e times multidisciplinares, com mais autonomia, trabalhando por projetos e tendo possibilidades de acelerar todos os processos. Dando prioridade ao que realmente importa.

Costumo dizer que o desafio agora é transformar um paquiderme em um leopardo.

Como foi vender ônibus por videoconferência?

Confesso que é bastante complicado. O nosso business ainda é muito corpo a corpo, olho no olho. O home office funcionou bem para questões administrativas, porém a área comercial sofreu bastante, porque não é como vender Coca-Cola ou qualquer outro bem de consumo. O nosso produto é muito elaborado, é uma venda muito técnica.

Como será ônibus do futuro?

Nós estamos trabalhando em muitos projetos para os ônibus do futuro. Nós temos alguns lançamentos previstos para muito em breve, mas não posso adiantar nada nesse momento.

Algumas coisas como telemetria serão fundamentais. Ela trará um acompanhamento online, mostrará por onde o ônibus está passando, quantas pessoas subiram ou desceram, quanto foi o consumo, se há reparo a ser feito. Estamos avançando muito nisso.

Há também a questão da biossegurança. Em junho, lançamos uma plataforma que ajudou muito a trazer um pouco de confiança para o nosso mercado. As pessoas não queriam entrar nos ônibus por conta da aglomeração.

A plataforma trouxe uma garantia de que as pessoas podem andar de ônibus sem serem contaminadas. Essa certamente será incorporada ao ônibus do futuro, uma vez que se trata de saúde.

O que mudou na sua vida depois de ter contraído covid-19?

Eu não tive um quadro muito grave, mas foram dez dias muito difíceis, nos quais nunca sabemos o que vem a seguir porque é um vírus desconhecido.

Naquele momento, o que eu imaginava era que tudo o que eu queria era passar o dia de amanhã para chegar ao final disso e conseguir tocar a minha missão. Eu sempre me emociono quando falo nisso. A missão é muito forte, a responsabilidade é muito grande.

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