UOL - O senhor foi catador de papelão para ajudar no sustento. Quais são as suas dicas para uma carreira de sucesso?
Laércio Albuquerque - Fomos eu e meu irmão mais novo, os mais velhos também ajudavam. Meu pai tinha um bar. Vendia pão e leite de manhã e pinga à noite. Consegui depois um emprego de pegador de bolinha de tênis. Não precisava mais pegar papelão. Esses trabalhos nunca foram para ajudar meus pais em si. Eles nunca deixaram faltar nada, nem roupa, nem comida. Queríamos ajudar uns aos outros.
Eu e meus irmãos, somos quatro irmãos, quantas vezes ajudamos nossos pais no balcão. Fiz curso de datilografia e consegui fazer o colégio técnico. Virei office-boy em um banco e conseguia pagar o meu colégio. Um dia arrumei um estágio, chamei meu pai e minha mãe para contar que tinha arrumado um estágio na Duratex, uma empresa conceituada, com carteira assinada, e iria trabalhar na minha área.
Ele olhou para mim e falou: "Filho, eu não estou entendendo nada do que está falando, mas seu olho está brilhando, então vai, faz, e eu te prometo que não vai te faltar nem comida nem roupa lavada, siga o seu coração". Ao longo da jornada eu nunca imaginei chegar onde estou.
Dica número um: faça sempre muito bem feito aquilo para o que foi contratado para fazer. Seja o melhor. Faça a mais, e eu tenho certeza de que alguém vai olhar em algum momento e vai te trazer para outra posição. Eu passava madrugadas numa fábrica e, quando acabava meu trabalho, desenvolvia um monte de programinhas para ajudar. Um dia alguém olhou e me chamou para outro lugar.
O ponto número dois é a escada do sucesso: não fique pensando só no último degrau. Se tiver o pé firme em cada degrau da sua vida, vai chegar muito mais sólido ao final dessa escada. E terceiro ponto: 'quem aconselha a si mesmo tem um idiota como conselheiro'. Você não é o dono da verdade, não é o cara que sabe tudo e que não precisa de ninguém. Busque conselhos, eu sempre busquei com os mais velhos e mais experientes. Para toda decisão que vou tomando na minha vida, busco conselhos com gente da área, gente de fora da área.
Como usar a tecnologia para produzir impactos sociais relevantes?
A tecnologia deveria ser utilizada para trazer qualidade de vida ao cidadão. A mesma tecnologia que é usada por uma loja para poder identificar os clientes que estão chegando, que vitrine estão olhando, para que ponto da loja estão se deslocando, é a mesma que pode ser utilizada em uma estação de trem, de metrô ou em uma base de saúde. A tecnologia é a mesma, o foco é o mais importante.
Sou apaixonado pela educação. Nasci em uma cidadezinha no Mato Grosso do Sul chamada Batayporã, 15 mil habitantes. Meus pais não estudaram, mas eu tive oportunidade. Hoje sou presidente da maior empresa de plataforma de conectividade do mundo, mas não porque eu sou bom, mas porque tive oportunidade. O Brasil todo está repleto de talentos espalhados em todos os cantos, mas eles precisam de oportunidade.
Não é fácil levar todo mundo até uma sala de aula, mas com a tecnologia eu consigo levar educação para todo mundo. É muito difícil deslocar todo mundo para uma primeira consulta em um hospital, mas com a tecnologia eu consigo levar a primeira consulta a todo mundo. Hoje o Brasil não tem hospitais ou centros de estudos espalhados em cada canto do país, mas tem 75% da população com celular na mão. A tecnologia consegue levar educação, conteúdo, ensino, saúde.
Usada para o bem, a tecnologia deve ser só o meio, o ponto focal sempre deveria ser o ser humano.
O que o motiva para seguir em frente?
Um legado que possa ser deixado. Acredito que, ao dar oportunidade aos talentos espalhados no mundo inteiro, como eu tive, eles abraçam essa oportunidade como se fosse a única coisa da vida. E foi o que eu fiz. Adoraria, e essa é uma bandeira que carrego dentro do meu coração, poder fazer algo pela sociedade brasileira, de poder fazer algo para levar a inclusão social e poder tocar o ser humano e o cidadão brasileiro para ser um cidadão com uma qualidade de vida e com uma esperança muito maior no nosso futuro. Esse é o meu próximo passo, o desejo do coração pensando no amanhã.
Muita gente saiu do país desacreditando em sua recuperação. O que o senhor pensa sobre isso?
Sinto muito, eu não sou um deles. Quero ajudar e fazer com que meus filhos cresçam aprendendo a ajudar a transformar o nosso país. Não vou dizer que nunca vou estar fora, as condições de trabalho podem te levar para isso, mas nunca fugir do meu país. Aqui a gente fica, aqui a gente nasceu, aqui é a minha raiz, a minha planta, eu sou apaixonado pelo Brasil, sou apaixonado pela minha cidadezinha de Batayporã, no sul do Mato Grosso do Sul, onde tenho o cheiro da terra, da grama, do pasto e consigo lembrar de onde eu vim, que eu posso lembrar de como a minha mão foi tocada. Prefiro buscar a minha felicidade aqui no meu país.
Como o setor público pode se beneficiar do avanço da tecnologia?
Há dois pontos: um de planejamento e o outro prático. O primeiro é a conscientização de que tecnologia é fator de melhoria de qualidade de vida. Isto deveria ser plano de Estado, não plano de governo. Não é possível transformar a saúde, a educação e o transporte de um país do dia para noite, tendo que fazer tudo em quatro anos. É preciso um plano de governo a longo prazo e evolutivo. Este deveria ser o nosso pensamento como cidadãos, governantes e políticos.
Outro ponto mais prático, e eu, particularmente, a Cisco e a maioria do mercado privado de fornecimento de tecnologia acreditamos, são as PPPs. As parcerias público-privadas são a saída para o desenvolvimento mais ágil. Nós temos casos, aqui no Brasil mesmo, de levar iluminação inteligente para uma cidade inteira, como em Belo Horizonte.
Se o aluno consegue estar em sala de aula conectado com o mundo e com tudo o que acontece, esse aluno vai estar preparado para os desafios deste século. Mas ter orçamento para isso, para sair gastando com tecnologia, é a parte mais difícil.
As PPPs acabam sendo a saída no mundo inteiro, onde se consegue unir a necessidade do cidadão, o governo, e uma possibilidade de negócio para as empresas que querem investir.
Quando juntamos essas duas coisas, é uma forma prática de evoluir com as famosas cidades inteligentes ou cidades conectadas, como um plano de governo.
Quando conectamos a cidade, podemos conectar a saúde, o transporte, o trânsito, a educação. Não é um aplicativo que faz a diferença na vida do cidadão, mas é um planejamento desde a base, construído e desenhado com foco no cidadão de hoje e do cidadão dos próximos 50 anos.
É muito difícil planejar a longo prazo no Brasil?
Difícil é, mas não só no Brasil. Acredito que é mais difícil planejar a longo prazo por conta da revolução tecnológica do que pelo próprio país. Planejar a longo prazo significa previsões em cima do que achamos ou acreditamos. Mas o que mais afeta hoje não é nem a questão do país, mas sim da revolução tecnológica. Será que o que estou planejando e criando hoje é o que o mercado vai precisar daqui a dois, três anos? Esse é um ponto mais importante do que a realidade do país, seja qualquer país. A revolução tecnológica tem que estar muito mais a altura do que planejamos para o futuro do que o próprio país.
Mesmo com os altos e baixos da economia e da política?
Estamos bons nisso. Aprendemos a lidar com o inesperado, o imprevisível.