UOL - Existe uma preocupação da Xerox em "tropicalizar" os serviços?
Ricardo Karbage - Para aquilo que é hardware não, porque buscamos processos produtivos eficientes e com menor custo, e nitidamente hoje a gente encontra isso na Ásia. Mas para tudo aquilo que é serviço, software, soluções, a ideia é que tenhamos tudo tropicalizado para ter aderência no Brasil. O Brasil tem suas especificidades, questões tributárias, aplicativos para o mercado brasileiro, documentação legal, cartório. Tudo isso precisa passar por "tropicalização".
Quais são as especificidades do Brasil? Que aplicativos são mais usados aqui e lá fora?
Acho que é muito comum a complexidade dos sistemas e aplicativos que transitam processos e documentos para questões fiscais. Não só necessidade de guarda por bastante tempo. O conceito de buscar e transitar informações entre as empresas e prefeituras, em agências que validam essas transações fiscais, isso só o Brasil tem. Somos um país muito burocrata, sem dúvida.
Como o senhor explica as dificuldades no Brasil para a matriz?
Já estamos no Brasil há mais de 50 anos, então a matriz entende e conhece as especificidades do país. Temos algumas características que são difíceis de trabalhar com a matriz, como por exemplo: hoje é muito difícil para uma empresa [no Brasil] fazer um plano de três anos. É comum as empresas fazerem um plano de três anos, cinco anos, colocar investimentos, mas, com os altos e baixos da economia brasileira, talvez três anos seja muito tempo, tudo pode mudar.
Essa é a diferença que temos em relação a ambientes mais ou menos estáveis em vários países. A falta de previsibilidade é uma grande diferença.
Outra diferença é que o Brasil tem muita coisa paralela ao negócio, tanto do ponto de vista de gestão como de resultados, que são as questões trabalhistas, fiscais, a burocracia em geral. Hoje precisamos ter uma estrutura de suporte financeiro proporcionalmente maior de que outros países.
O senhor acredita que a carga fiscal do Brasil é alta?
Ela é confusa, complexa, é difícil de administrar. Precisamos de simplificação nesse processo tributário. É sempre muito complicado, são discussões enormes, e as empresas gastam muito contratando especialistas, consultorias. Deveria ser mais simples e mais automatizado, quando no final o que se objetiva com isso é a contribuição fiscal como tem que ser. Mas o caminho para se chegar até lá é muito complicado e muito custoso.
E isso acaba impactando no preço final do seu produto?
Sim, exatamente.
Qual a sua opinião a respeito da reforma trabalhista?
Para as empresas, ela simplificou uma série de coisas. Achei positiva e espero que outras reformas venham com esse intuito de criar o ambiente mais propício à geração de emprego e ajudar o país a crescer.
E para os trabalhadores?
Acho que o trabalhador precisa de um conjunto de coisas. Existem as obrigações, os benefícios, mas também existe a necessidade de geração de emprego. Sem emprego nada daquilo que está ligado a benefício pode se materializar. O que o país precisa é estimular geração de emprego, o número de desempregados é altíssimo, 12 ou 13 milhões.
Como fazemos para estimular a geração de emprego com essas dificuldades?
As reformas estão aí para isso. À medida que o governo conseguir emplacar certas reformas, acredito na volta do investimento, educação básica, saneamento, um ambiente mais propício para as pessoas crescerem. Isso estimula a economia. E as empresas têm que fazer a sua parte também. À medida que as empresas virem que o Brasil vai seguir um caminho sem volta de crescimento, em função das reformas aprovadas, o investimento volta.
E a reforma da Previdência?
Acho que todos os indicadores, os estudos, mostram que há uma necessidade dessa reforma. Ninguém consegue questionar o fato de que a expectativa de vida aumentou muito e vem aumentando, e a Previdência foi criada quando a expectativa de vida era outra. É um caminho que o Brasil precisa cumprir, não é algo que em lugar nenhum no mundo foi fácil fazer, sempre há distorções a serem corrigidas.
Quando você envolve a vida de cada um, há aquela sensação de perda, mas acredito que o processo de comunicação tem que ser muito bem feito, explorando realmente os pontos principais, e a sociedade vai entender. Vai ter um ou outro que não, mas acho que no geral vai entender, e todo mundo vai ter que dar a sua contribuição.
Como pensar principalmente na população mais pobre?
À medida que aprovamos uma reforma como a da Previdência, sobrará mais recursos para investir no social. E isso facilitará que essa camada da população passe a ter acesso a melhor saneamento, a sistema de saúde, porque teoricamente aparecem mais recursos para isso. Eu vejo assim: se há uma expectativa de vida menor para uma fatia da população é porque essa fatia tem menos acesso a serviços que as levaria a ter uma qualidade de vida melhor.
Como você vê a questão da corrupção?
Acho que foi exacerbado tudo aquilo que apareceu nos últimos tempos. Foi bom aparecer porque ações foram tomadas, mas ainda está longe de se resolver. Não é um problema só do Brasil, sabemos, mas o fato de estar sendo discutido mostra que existe um movimento de intenção para melhorar isso.
E é fundamental porque são recursos públicos, é a imagem do país. Voltamos para a questão do investimento do capital estrangeiro que, em um ambiente sem corrupção, flui muito melhor.
O que o senhor espera do novo governo?
O país precisa voltar a crescer. O governo tendo articulação e conseguindo fazer reformas, isso vai vir. Espero um pouco de estabilização no país, menos ruído vindo de corrupção e outras coisas, porque isso atrapalha e tira a energia dos governantes para fazer aquilo de que precisamos, que é governar, que é fazer o país crescer.
Não tenho ainda nenhum comentário a fazer porque são três meses de governo. Aos poucos vai se adaptando essa relação entre o estilo do governo, a sociedade, a imprensa. A minha esperança é que isso vá se acomodando, e efetivamente o governo foque no que tem que ser feito, que é governar o país e fazer o país crescer.
A Xerox tem um programa chamado coaching reverso. São jovens treinando executivos?
Tivemos algumas iniciativas. Não diria treinando, mas uma conversa, uma troca muito interessante. Foram iniciativas em que jovens com a cabeça muito digital e voltada para a modernidade, com alguma bagagem profissional, mas ainda sem aquela experiência que talvez poluísse a conversa, discutindo com executivos sênior da empresa sobre diversas formas de encarar a vida hoje em dia, e conversas abertas. É sempre uma troca interessante.
Como o senhor faz para lidar com a pressão do cargo no dia a dia?
Eu não tenho pressão nenhuma! Brincadeira. Tenho muitos anos de empresa (mais de 20 anos), tenho experiência. Sei que nosso papel como CEO é fundamental, não só para administrar os nossos anseios, a nossa pressão interna, mas para segurar uma organização que tem centenas de funcionários.
Essa pressão é muito facilitada quando temos resultado, e é muito mais difícil de administrar quando o resultado não está bom. E os resultados vêm com altos e baixos. Aqueles momentos de maior pressão normalmente estão atrelados ao momento em que o resultado não está tão bom.
Vai muito do estilo de cada um. Você como executivo da empresa constrói relações e, principalmente, credibilidade. Sabendo que aquela tensão não é algo pessoal, que você é visto como alguém que tem condições de passar do ponto A para o ponto B e sair de uma determinada crise, é algo importante. Saber que você tem a confiança da empresa para isso.
Que dicas práticas o senhor daria para construir uma carreira de sucesso?
Alguns clichês, mas não há como fugir. Primeiro fazer o que gosta, e não precisa acertar de primeira. Acho cruel aos 16 anos você ter que escolher uma profissão que vai seguir para o resto da vida. Pensar que você tem cinco ou seis anos até acertar e fazer aquilo de que você gosta...
Existem coisas básicas como dedicação, tratar com seriedade, entender que o mundo é competitivo, e não adianta simplesmente passar a mão na cabeça das pessoas, que elas não vão crescer. Procurar mentores, não ficar fechado em um mundinho entre você e a internet. Eu até hoje tenho um processo de gestão em que estou muito próximo das pessoas. É aí que escuto, que aprendo e que consigo fazer desvios de rumo na organização.
Algo que é fundamental, e às vezes as pessoas esquecem, é a ética permeando a carreira como um todo, desde o início até o final. Costumo dizer que, se você suja a mão de graxa, não limpa nunca mais. O resto é o básico, estudar muito, participar, ser melhor que os outros.
Há uma coisa que é importante que é a negociação. Não adianta você ser o melhor, se achar o melhor, esquecer que existe uma relação de negociação em tudo o que você faz no mundo corporativo. É meio cruel dizer, mas, às vezes, nas empresas você tem o que você negocia e não o que merece. Importante não esquecer esse ponto também, achar que vai cair do céu porque fui o melhor aluno do MBA, e as coisas vão retornar.
Como ser original sendo presidente da Xerox?
Cada um tem o seu estilo, e é saudável isso. Estou na empresa há 27 anos. Comecei como estudante e fui crescendo. Há uma relação de confiança mútua. Somos uma empresa, do ponto de vista de gestão, meio tradicionalista. As coisas têm que casar, não adianta querer impor certas características. Até tentamos algumas vezes, mas não deu certo. Não significa que não estamos abertos a mudanças, mas elas têm que ser mais ou menos no perfil da empresa, pelo menos do ponto de vista de gestão.
A Xerox e a Fuji estão travando uma batalha nos tribunais lá fora. Como isso reflete aqui no Brasil?
O que acontece entre Xerox e Fuji é que a Fugi fez uma oferta de aquisição da Xerox que não se materializou. Foi anunciado, havia a intenção das duas empresas de concretizar a transação, mas não chegaram a um acordo após vários meses de discussão. A Fuji entende que tinha avançado no processo, e isso causou um dano; a Xerox entende que não, e por isso estão discutindo.
Fora isso, que é discutido e definido entre conselho de administração, entre as empresas, muito longe da nossa realidade, eu diria que o impacto disso no nosso negócio é zero. A nossa vida segue, a vida da Fuji segue, são duas empresas com tecnologia de ponta. Se um dia a transação acontecer, será bem-vinda também, mas o que precisamos focar hoje é no nosso dia a dia e na nossa realidade, que hoje é não há transação entre as duas empresas.