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Petrobras alega ser vítima em ações que se multiplicam nos EUA

Linda Sandler, Sabrina Valle e Patricia Hurtado

10/06/2015 13h43

(Bloomberg) -- A Petrobras enfrenta um número crescente de ações judiciais de investidores nos EUA que buscam uma compensação por prejuízos no mercado ligados a um esquema multibilionário de subornos.

Os processos contra a gigante do petróleo se multiplicaram nas últimas semanas para mais de uma dúzia. De Ohio, nos EUA, à Dinamarca, os investidores exigem uma indenização pelo escândalo de pagamento de propinas que ajudou a eliminar US$ 60 bilhões do valor de mercado da empresa. Com a aproximação de uma audiência na Justiça americana a respeito do futuro dessas alegações, a Petrobras colocou em prática uma nova defesa: ela também é vítima.

A Petrobras alega que foi enganada por um grupo restrito de funcionários que recebeu propinas em troca de contratos lucrativos com a companhia. Em uma petição para que a ação coletiva seja rejeitada, a Petrobras disse ao juiz distrital americano Jed Rakoff que não pagou nenhuma propina e que não sabia que as empreiteiras que tocavam seus projetos estavam cobrando a mais.

"Nada passou pela Petrobras", disseram os advogados da empresa, citando a declaração de um ex-diretor de refino condenado por ajudar a facilitar as propinas. A empresa culpou um "cartel criminoso" formado pelas maiores empresas de construção e engenharia do Brasil.

Confronto hemisférico

O litígio dos títulos levou a um confronto hemisférico de advogados. Os procuradores brasileiros que revelaram o esquema de corrupção na Operação Lava Jato se colocaram do lado da estatal. Eles dizem que falta prova de que havia conluio na empresa, e que os desvios eram obra de alguns funcionários isolados que agiam em benefício próprio e de terceiros.

Mas provavelmente nem esse apoio e nem os argumentos legais da empresa convencerão Rakoff, que ouvirá os argumentos em 25 de junho, em um tribunal de Manhattan, para decidir se rejeitará os processos.

"Dizer que a empresa foi vítima de corrupção não vai necessariamente absolvê-la", disse Peter Henning, professor da State University Law School, em Detroit. "O fato de os procuradores a virem como vítima não impede que ela seja condenada".

Se Rakoff deixar os processos seguirem, os investidores poderão entrevistar altos funcionários da empresa e explorar seus documentos em uma tentativa de encontrar mais evidências para apoiar suas alegações. A Petrobras preferiu não comentar sobre os casos nos Estados Unidos.

Investidores lesados

Os investidores lesados, representados por alguns dos mais bem-sucedidos escritórios de advocacia que realizam ações coletivas nos EUA, alegam, em documentos judiciais, que a Petrobras estava "podre por dentro". Eles argumentam que um alto executivo ordenou pagamentos indevidos a empreiteiras durante anos para distribuir subornos e manter o Partido dos Trabalhadores, a legenda da presidente Dilma Rousseff, no poder. A revelação do esquema na Petrobras desencadeou pedidos de impeachment da presidente, posteriormente deixados de lado.

A Petrobras permaneceu "no centro do esquema de fixação de propostas", desviou um total estimado em US$ 28 bilhões de seus cofres e manteve os investidores desinformados, afirmaram os advogados.

Entre os escritórios de advocacia estão o Pomerantz LLP, que está assessorando os investidores que processam a BP Plc devido ao desastre de 2010 no Golfo do México, e o Robbins Geller Rudman Dowd LLP, que conseguiu US$ 7,3 bilhões para investidores da Enron Corp. em um dos maiores casos de fraude com investidores da história.

A Petrobras realizou a baixa contábil de apenas US$ 2 bilhões (R$ 6,2 bilhões), mas afirmou que esse número poderá subir.

A ação de classe nos EUA combina cerca de oito processos diferentes. Ela é liderada por um fundo de pensão britânico e busca representar todos os que compraram ações da Petrobras ou venderam dívidas nos EUA entre 2010 e março de 2015. Eles medem o prejuízo total em valor de mercado em cerca de US$ 270 bilhões.

Em 2010, quando era avaliada em US$ 310 bilhões, a Petrobras era a quinta empresa mais valiosa do mundo.

Altos executivos

Os investidores acusaram a Petrobras de publicar balanços financeiros enganosos que subestimaram o custo dos projetos. Eles afirmam que os documentos omitiram um aumento de 20% que, no entendimento deles, representa o custo das propinas que as empreiteiras haviam passado em propinas.

Os funcionários da Petrobras envolvidos no esquema tinham assento no conselho com executivos que se vangloriavam repetidamente a respeito dos prospectos e dos controles financeiros da empresa, afirmam os investidores. Quando a verdade veio à tona, disseram a Rakoff, bilhões de dólares em valor de ações e dívidas foram eliminados.

Na petição para que o juiz recuse a ação de classe, a Petrobras disse que os investidores leram seus números de forma equivocada.

Não houve distorções relevantes -- uma exigência para ações de classe desse tipo -- porque os custos oriundos de fraude somaram apenas 3% do total, disse a empresa, citando procuradores federais. Trata-se de uma pequena parcela de seu valor de US$ 335 bilhões de antes do escândalo, disse a Petrobras, acrescentando que as baixas contábeis maiores vieram de atrasos em projetos e gastos excedentes, incluindo por conta de variação cambial.

Quanto à ostentação dos executivos, tratou-se de um "exagero" da diretoria e, segundo a empresa, os investidores não podem provar que alguém mais, além dos executivos desonestos, sabia do esquema, disse a Petrobras.

Responsabilidade

A Petrobras, contudo, pode ser responsabilizada "se não conseguiu se proteger adequadamente ou se não adotou medidas para investigar as irregularidades caso elas tenham sido informadas à diretoria e ao conselho", disse Henning, o professor de Direito. Por outro lado, a empresa não pode ser absolvida só porque diz que apenas alguns funcionários desonestos estavam envolvidos, acrescentou.

Erik Gordon, professor de Direito da Universidade de Michigan, disse que as leis de títulos dos EUA também podem permitir o reconhecimento de responsabilidade se os documentos de oferta da empresa são enganosos.

Altos funcionários e diretores da Petrobras poderiam ser inocentados provando que analisaram diligentemente os documentos e que acreditaram que eles eram verdadeiros, disse Gordon. Mas, segundo ele, essa defesa não é uma possibilidade para a empresa em si.

E, independentemente de a fraude ter custado US$ 2 bilhões ou US$ 30 bilhões à Petrobras, é improvável que isso dê um fim ao caso, disse ele.

"Considerando o golpe absorvido pelas ações e os prejuízos sofridos pelos acionistas, é improvável que a diferença nos números afunde o processo", disse ele.

Apoio dos procuradores

No Brasil, contudo, a Petrobras é vista por muitos como vítima.

O juiz federal Sérgio Moro, que lidera a Lava Jato no Paraná, se uniu ao Ministério da Justiça, ao Tribunal de Contas da União, ao Ministério Público Federal e à Controladoria-Geral da União em sua opinião de que a empresa é vítima dos crimes.

Longe de enganar os investidores, os executivos da Petrobras disseram que contaram aos investidores tudo o que sabiam logo que foram informados a respeito. A empresa disse que compartilhou com os investidores seus primeiros esforços para quantificar o superfaturamento das empreiteiras e que realizou as baixas contábeis apropriadas quando chegou a uma conta justa.

Nem todos no Brasil saíram em defesa da empresa de energia. Os investidores encontram apoio entre advogados brasileiros, chefes de polícia e políticos de oposição.

José Carlos Aleluia, vice-presidente do partido Democratas (DEM), culpa a Petrobras como um todo.

"A empresa foi conduzida de forma fraudulenta para tirar dinheiro dos contribuintes, dos acionistas e dos investidores", disse Aleluia.