Boicote ao Facebook nasce de tensão entre sociedade e mundo empresarial
Há pouco mais de duas décadas, para se difundir amplamente uma ideia era necessário ter acesso aos meios de comunicação de massa, algo para poucos. O advento do ciberespaço, da portabilidade tecnológica e das mídias digitais mudou radicalmente essa realidade.
Neste (não tão admirável) mundo novo da comunicação, muitas vezes são estas redes que pautam aquilo que é ou não notícia, quais são ou não os valores em voga. Ancoradas na lógica da mídia de massa, as mídias sociais foram rapidamente convertidas no grande palco de disputa de empresas pelos bolsos dos cidadãos-consumidores.
Reside aí um dos pilares de um dos maiores impérios de comunicação do planeta: a rede de plataformas de comunicação digitais, das quais se destaca o Facebook. Não por acaso, após seu surgimento, esta plataforma se converteu rapidamente num dos maiores palcos de exposição e disputa comercial.
Entretanto, o que empresas e empresários ignoraram completamente, é que este é um cenário complicadíssimo —em que não se tem nada certo quais os limites fronteiriços entre o que são comentários profundos, análises críticas e construtivas com um certo teor de objetividade e opiniões rasas, preconceituosas totalmente sem fundamento.
O levante de vozes da sociedade civil
Nesse cenário digital, rapidamente se alastram como fogo em palha seca discursos de ódio, ideias racistas, opiniões sexistas, etc. As únicas instâncias que se pronunciam assertivamente contra essas práticas deletérias aos direitos e à dignidade humana são o Estado e algumas vozes de organizações da sociedade civil.
E foi exatamente isso o que aconteceu com o lançamento do movimento "Stop hate for profit" ("Pare de dar lucro ao ódio"): organizações da sociedade civil lançaram uma grande pressão sobre empresas para que deixassem de anunciar na plataforma, por fazer vistas grossas a essas práticas hediondas.
A pressão funcionou. Uma série de empresas começou a se pronunciar cobrando do Facebook atitudes mais enérgicas para combater o chamado discurso de ódio.
Movimento é reativo
Claro que é, mais uma vez, um movimento reativo das empresas frente ao clamor de uma sociedade que, utilizando exatamente essas mesmas plataformas, faz ouvir as suas vozes.
Isso é, historicamente, o lugar mais comum das empresas: ser reativas e não proativas quando se trata de temas de interesse da sociedade e que as "desviem" do seu foco máximo, as vendas, o lucro.
Ao utilizar as redes para gritar jargões evocando princípios humanitários (como o recente "Black lives matter"), a sociedade passa, diretamente, um recado para estas organizações: somos muito mais do que meros consumidores interessados em suas marcas, que se convertem em seus lucros. Somos pessoas e queremos que vocês estejam alinhados com os valores de uma sociedade mais justa e humana que defendemos.
O que historicamente também sido uma realidade, é que estas posturas (embora reativas) têm resultado em muitas mudanças importantes no mundo corporativo —e, consequentemente, na sociedade.
Enxergo o "Stop hate for profit" como mais um sinal desta tensão bem antiga entre a sociedade e o mundo empresarial. Há uma diferença, no entanto: o jogo de forças atual não é exatamente o mesmo de 50 anos atrás.
As mídias sociais certamente significaram, em certa medida, mais poder de pressão da sociedade que sempre se sentiu desrespeitada pelo mundo corporativo e que encontrou um canal de expressão que lhe dá mais robustez na voz exigindo o mínimo dele: respeito.
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