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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

SXSW aponta 4 direções para expansão dos eixos (pessoais e profissionais)

Kika Brandão e Débora Stevaux

09/04/2021 15h01

A inovação humana é a via de regra para que a gente consiga atravessar tempos de crise - que abarcam novas rupturas nas esferas sociais, econômicas, culturais e políticas. E é por isso que o maior festival de inovação do mundo, o norte-americano South by Southwest (SXSW), vem como um suspiro para as nossas reflexões já muito aceleradas por tempos pandêmicos. Pela falta da troca física, o evento ainda permitiu através da realidade aumentada que os espectadores tivessem uma experiência de Austin, capital do Texas, o seu lugar de origem.

O cerne de todas as cenas culturais que aumentamos as lentes até aqui é a coletividade. Por isso, a fala de Priya Parker, escritora, especialista em resolução de conflitos, produtora-executiva apresentadora do podcast "Together, Apart", sobre resiliência e reconexão do New York Times em um dos inúmeros painéis, pavimenta um caminho e nos enche de esperança.

"Estamos vivendo vários níveis de luto, coletiva e individualmente, e de uma maneira que nunca vimos antes. Primeiro, lamentamos quando tudo isso começou, todas as perdas que tivemos quando o mundo se viu em lockdown. E, agora, passado um ano nesta situação, vêm as memórias de um ano atrás. Ou seja, estamos revivendo tudo. E isso tem impactado em como sofremos as perdas. Se não fizermos o luto, não seremos transformados por ele. Por isso, acho que quando as pessoas puderem se reunir fisicamente vai ser muito aproveitado. Acredito que a era dos encontros ainda está por vir", reflete Priya. Que assim seja, né?

Aqui, reunimos quatro eixos de análise do que saltou aos nossos olhos pela infinidade de insights preciosos cocriados nesses quatro dias.

Norte: Brasil, celeiro de inovação cultural

Nós comparecemos em massa no maior evento inovador do mundo. Os números de brasileiros presentes no festival foi superado apenas pelos norte-americanos. E não foi só na plateia digital que saímos na frente: o trio curitibano Tuyo está na lista das 15 melhores performances do festival, de acordo com o New York Times, por provocar emocionalmente o mundo inteiro nesse armagedom que vivemos.

Ainda, se apresentaram no palco online do rolê: a banda nordestina Luísa e os Alquimistas e a banda porto-alegrense Dingo Bells. E para descentralizar as suas referências sonoras, indicamos Ruido Rosa do México e Wavy The Creator, da Nigéria.

Também ficamos boquiabertas pelas entrevistas virtuais, realizadas em parceria com a BeatBites, em especial a da cantora e compositora mexicana Ximena Sariñana sobre seu mais recente disco, o "¿Dónde Bailarán las Niñas?" (2019), o poder da conectividade para a cultura, entre outras pautas interessantes e urgentes.

Vibramos com a exibição online do longa nacional "Medida Provisória" na mostra independente de cinema no festival. Com a direção assinada por Lázaro Ramos e protagonismo de Alfred Enoch, Taís Araújo e Seu Jorge, o filme é inspirado na peça teatral "Namíbia, não!" do baiano Aldri Anunciação, que conta a história de uma distopia norteada pelo ódio de um governo autoritário que exige a expatriação de todos os brasileiros e brasileiras de descendência africana para o continente africano.

A partir de então, um movimento de resistência inspira a nação por meio de protestos em tempos tão caóticos. Foram muitos os elogios direcionados à película. A gente destaca o feedback da LA Weekly, porque traduz perfeitamente nossas palavras: "O filme mais apaixonado, inventivo e inteligente que vi no SxSw este ano foi 'Medida Provisória', de Lázaro Ramos. Ele se passa em um Brasil distópico. Você não encontrará um filme mais revigorante este ano", escreveu Asher Luberto.

Sul: A hibridez entre o físico e o digital precisa ser transformadora

Um dos momentos mais preciosos de todas as edições do festival é o que a renomada futurista Amy Webb apresenta o 14º Relatório Anual de Tendências de Tecnologia. O robusto documento, que reúne mais de 500 formatos multimídias e multimeios, vem num momento em que temos a prova de como as tecnologias - disruptivas ou não - influenciam os negócios, os governos, a educação e as mídias nos próximos anos.

A partir de três grandes lentes, a fundadora do Future Today Institute refletiu sobre o assunto, mas destacamos a um dos mais expressivos recortes.

Desde que o coronavírus se propagou, houve um crescimento da nossa constelação de possibilidades e dispositivos digitais. Atrelados às condições humanas, ganharam os holofotes óculos digitais, telas flexíveis e dispositivos capazes de monitorar nossos corpos pelas lentes da saudabilidade.

O Somonex é um exemplo. Batizado de "robô do sono", a almofada-aparelho proporciona noites mais tranquilas de sono através do envio de impulsos elétricos para o sistema límbico, também chamado de cérebro emocional e, conforme o próprio nome diz, é responsável pelas respostas ligadas aos sentimentos.

Um dos insights provocados por Amy versa sobre a potência da telemedicina atrelada à biometria comportamental que promete proporcionar maior qualidade de vida ao corpo conectado.

Agora, nos resta torcer e agir para que o cenário inovador para os próximos 15 anos seja de transformação. Entre notícias de vazamentos de dados e relações tóxicas com nossos aparelhos, a realidade que se mostra a cada segundo mais 'phygital' - compreendendo o mundo digital e físico - precisa ser pensada coletivamente, amparada pela liberdade e pela responsabilidade social de cada um, uma vez que os sentidos de certo e errado prometem ser ainda mais complexos e mutáveis.

Leste: A narrativa descentralizada como agente da mudança

Uma das falas mais inspiradoras de todo o festival foi da escritora e ativista norte-americana Stacey Abrams. Ela reforçou sobre a importância das narrativas serem catalisadoras de mudanças a nível mundial. A autora de "Our Time Is Now: Power, Purpose, and the Fight for a Fair America" ainda comentou sobre a tração que uma história pode apresentar no âmbito coletivo, mesmo que construída, quase sempre, a partir de vivências individuais.

Contar uma história e fazê-la ser ouvida é uma das forças motrizes de todas as transformações pelas quais a humanidade já passou. E agora, principalmente agora, não poderia ser diferente.

A norte-americana ainda pontuou sobre os efeitos nefastos que a polarização pode gerar, mas entende como uma resposta mundial aos que insistem, diariamente, em construir um lugar mais frutífero para viver.

"É sobre você ter o poder de escolher, decidir como o seu futuro deve ser. Nós podemos consertar o mundo se uma parcela significativa de nós se posicionar sendo e se mostrando como nós realmente gostaríamos de ser", disse, na troca com a também escritora best-seller N.K. Jemisin.

Oeste: O design precisa ser centrado na vida

Vivemos num mundo em constante processo de amadurecimento - mas que não é funcional ou frutífero para que a "geração prateada" brilhe ainda mais. E essa reflexão ganha ainda mais força com palestrantes como Bruce Mau.

Designer, inovador, educador canadense e fundador do Massive Change Network, ele desenvolveu uma metodologia que abarca a ideia de que o design (das mídias sociais aos produtos) precisa ser centrado na vida - e não só nos humanos.

"Esse é um lugar muito diferente do design centrado no humano, que é realmente uma espécie de narcisismo da cultura humana que nos coloca no centro do universo", conta o criador da MC24, nome que dá à sua metodologia.

"Nós ainda estamos tentando entender a revolução de Copérnico, onde nós finalmente descobrimos que o mundo não gira ao nosso redor", disse. E pensar novas formas de criar e formatar só é possível pela empatia como norteadora do processo.

Isso porque esse é um sentimento que parte do lugar de que tudo ao nosso redor é feito para ser vendido, partindo de uma ótica individual e que não vê as possibilidades que uma atuação mais consciente nos ecossistemas pode gerar, inclusive, retorno financeiro.

"As pessoas associam o design com controle e certa autoridade. Não é sobre controle, é sobre a responsabilidade de um ecossistema que nos sustenta. Se nós falharmos no design, em um nível que o design seja feito para a falha, precisamos pensar nele como um contexto, envolvendo uma metodologia que nos permita entender a complexidade dos ecossistemas que nos apoiamos", declarou Bruce.