Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Inovação e marketing: um brinde à era do leite 'high-tech'
Numa galáxia não muito distante, num planeta chamado Leite, uma revolução tecnológica está transformando a essência e o status de um dos produtos agropecuários mais presente em nosso dia a dia. Lá está ele, do café da manhã ao preparo das refeições, antes do treino da academia e até no happy hour.
Produtos lácteos, incluindo leite e os seus derivados, mantêm uma conexão diária com a nossa sociedade que avança a esfera do consumo e atinge outro nível, passando por afeto, prazer e até mesmo nostalgia. Parece exagero? Não é.
Difícil não lembrar de bons momentos da vida nas várias conexões que temos com o leite. Fonte de proteínas e minerais com papel importante na promoção do crescimento e manutenção dos indivíduos, o leite é um ícone do meio rural que habita entre nós.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), há produção de leite em 99% dos municípios do país. São mais de 1 milhão de produtores, sendo, em sua maioria, de agricultura familiar. O Brasil é o 3º maior produtor mundial, com mais de 34 bilhões de litros por ano, que geram mais de R$ 100 bilhões e cerca de 4 milhões de empregos no campo e agroindústria.
São dados sólidos e consistentes. Mesmo assim, o setor não escapa da fluidez das tendências de mercado. Aí que entram as inovações, tecnologia e marketing que buscam atender a demanda de consumidores cada vez mais exigentes quanto a produção sustentável, saudabilidade e ideologia por dietas alternativas.
Crème de la crème e a nata da tecnologia
O que antes se resumia a um fluxo produtivo da vaca para a caixinha, hoje passa pelo conceito do bem-estar animal ou da geração em laboratório, do algoritmo para a gôndola. É o que se vê e o que se bebe das novas marcas de leite orgânico, sem lactose, carbono zero, whey proteins ou bebidas plant-based derivadas de inteligência artificial, com formulações que se propõem a igualar o paladar e textura do leite convencional.
Produtos para diferentes faixas etárias e perfis, da criança ao idoso, do food lover ao crossfiteiro, sem deixar de lado veganos, flexitários ou quem possua alguma restrição alimentar. Uma variedade disponível para todos os gostos e bolsos, como mostra o ranking "Viva Bem - Melhores Leites do Mercado" publicado em julho pelo UOL e que avaliou 89 marcas de leite e bebidas vegetais.
Destaque para as opções de amêndoa, aveia e para o leite A2, produzido a partir de vacas com genótipo A2A2 que, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), é "um produto que não promove a formação de BCM-7 (betacasomorfina-7), que pode causar desconforto digestivo, com sintomas parecidos aos da intolerância à lactose". Um atributo funcional que passou a ser incluído no rótulo de leites desse tipo após resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), aprovada em outubro de 2021.
Esse é um produto que exemplifica a evolução do agro, segmento visto como tradicional, mas que transborda inovação no campo e laboratórios antes de chegar às mesas. E isso também graças ao ecossistema de inovação que conta com a capacidade inventiva de centros acadêmicos, startups, produtores rurais e grandes corporações atentas à pesquisa e desenvolvimento para não deixar o leite "talhar".
Inovando do campo ao copo
Agtechs são as startups com foco em desenvolvimento de tecnologias para a agropecuária com soluções que podem ser aplicadas "antes, dentro, ou depois da porteira" —na forma como a cadeia produtiva segmenta as atividades que adicionam valor nas etapas de fornecimento de insumos, a produção em si e depois a distribuição e processamento.
Startups assim estão ajudando a acelerar a transformação digital no campo com inovações que permitem melhor tomada de decisão e uso dos recursos naturais, assim como alternativas mais sustentáveis para a produção de commodities agrícolas.
Segundo o Radar Agtech 2020/2021, publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil possui 1.574 agtechs. Esse número cresce a cada safra e o setor leiteiro não fica de fora, com inovações que passam desde aplicativos para a gestão e nutrição dos rebanhos, sensores para monitoramento da saúde e reprodução, dispositivos para análise da qualidade do leite e plataformas para rastreabilidade.
O "Ideas for Milk", por exemplo, é uma ação que ajuda a fomentar esse cenário. Promovido pela Embrapa Gado de Leite, é um desafio de startups para geração de ideias e cocriação com o apoio de grandes corporações para acelerar o desenvolvimento de tecnologia digital para o mundo do leite. O objetivo é aumentar o nível de inovação na cadeia leiteira, elevando eficiência da fazenda até a experiência com o consumidor final, considerando o respeito aos animais, ao meio ambiente e à sociedade.
Também é da Embrapa Gado de Leite o "Silo Inovação Aberta", hub de inovação inaugurado em agosto de 21 em Juiz de Fora (MG) que tem como missão gerar impacto zero em emissão de gases do efeito estufa e assegurar ganhos econômicos aos stakeholders envolvidos com a produção de alimentos, energia e fibras.
É o Leite 4.0 num ciclo de construir, medir e aprender em que startups contam com o apoio de centros de pesquisa, de produtores para testar suas invenções e das grandes corporações de olho na qualidade da matéria-prima e manutenção do setor como um todo. Uma delas é a Nestlé, que se conecta com o ecossistema por meio da plataforma de inovação aberta, o "Panela Nestlé".
Put your money where your milk is!
Tão vital como o leite para os mamíferos é o capital para as startups seguirem adiante na jornada empreendedora e se consolidarem no mercado. Dinheiro que pode vir das mãos de investidores anjos, fundos de capital de risco (VCs) ou via parcerias com empresas tradicionais.
Segundo a plataforma 100 Open Startups, entre maio de 2020 e junho de 2021, o número de companhias que buscou startups para fazer parcerias no Brasil saltou de 2.825 para 4.982 —num aumento de 76%. O número de acordos saltou de 13.433 para 26.348 e o valor total de contratos fechados subiu de R$ 800 milhões para R$ 2,2 bilhões —um crescimento de 175%.
Pelo visto a tendência não é de vacas magras e já vem sendo puxada por outros movimentos de investidores em negócios promissores, como a criação, em dezembro desse ano, da Rúmina, ecossistema que já recebeu investimento de R$ 30 milhões da 10b, gestora da SK Tarpon, e que reúne as agtechs Bovitech, Ideagri, OnFarm, RúmiCash e Volutech.
Outro grande marco foi o da chilena NotCo, que em julho de 2021, atingiu o patamar de "unicórnio" (quando startups atingem valor de mercado superior a US$ 1 bilhão), com investidores como Jeff Bezos, fundador e ex-CEO da Amazon. O foco da empresa é produzir produtos alternativos aos de origem animal com preservação de textura e paladar. Leite, sorvete, maionese e outros produtos formulados com base na inteligência artificial "Giuseppe" e no uso de algoritmos para seleção e combinação de matérias-primas.
Com toda essa agitação vale a pena ficar de olho nas oportunidades do setor, mas já se especula que para alguns desses negócios pode haver mais espuma do que milk-shake. Mas, como já se espera para todo investimento de risco, é apostar e não chorar pelo leite derramado.
Longa vida fora da caixa, nas mentes e coração
O livro "Quem mexeu no meu queijo?", best seller motivacional escrito por Spencer Johnson, apresenta uma parábola simples que revela verdades profundas sobre mudanças. Pelo que se observa do mercado, mudar é a única certeza de quem quer inovar e as marcas que conseguem fazer isso na prática, com comunicação aos seus públicos, parecem que saem na frente.
E aqui tem espaço para inovar com comunicação e inclusão. Um dos cases é o do grupo Goiasminas. Em 2016, trouxe o casal de atores Taís Araújo e Lazáro Ramos, ele intolerante a lactose, para a estrelar a campanha "Lá em casa tem" da marca Italac. A campanha apresentou ao público a nova linha de produtos zero lactose da marca.
Movimento que foi seguido por outras empresas e que mudou de vez o portfólio de laticínios no país, abrindo espaço para consumo de um nicho de pessoas com restrição alimentar e que, de alguma forma, também ajudou a abrir o apetite do público massivo por outros tipos de leite que não só os de origem animal.
Coincidência ou não desse esforço de posicionamento, a Italac é reconhecida como a marca de lácteos mais comprada do Brasil, segundo a pesquisa Brand FootPrint 2021, realizada pela Kantar. Essa pesquisa analisou mais de 290 marcas de bens de consumo, representando 90% do potencial de consumo no país. E o segmento leiteiro está ali firme, com a Italac na 3ª posição, Piracanjuba (6ª), Itambé (11ª), Qualy (14ª) e Nestlé (19ª).
Não é de hoje que leite e derivados mostram forte conexão entre consumo, branding e identificação social. Para inveja das manteigas, tem marca de margarina que já foi sinônimo de família feliz.
E como não lembrar de campanhas que marcaram época, como as icônicas "Got Milk", do Conselho de Processadores de leite da Califórnia, que caracterizou diversas celebridades americanas com o famoso "bigodinho de leite"?
Outra ação de marketing de muito sucesso foi a campanha "Mamíferos" da Parmalat, de 1996, que teve direito a dois revivals em décadas diferentes (2007 e 2015) depois de ter conquistado uma geração inteira de corações e bolsos.
É por essas e outras que o leite vai seguir firme nos lares e na memória afetiva, seja pelo consumo e inovação por diferentes necessidades e ideologias ou pela lembrança da propaganda que informa e entretém.
Longa vida ao leite e a todos aqueles que fazem desse produto do nosso agro um universo de possibilidades. Se eu já fiz amigos bebendo leite? A resposta eu posso dar no meu próximo gole. Saúde!
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