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Ernesto Araújo pede demissão; embaixador olavista é cotado
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O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, avisou a membros de sua equipe que vai entregar hoje o pedido de demissão ao presidente Jair Bolsonaro. O pedido de demissão foi confirmado à coluna também por ministros do Palácio do Planalto.
Ernesto foi pessoalmente avisar da decisão ao presidente. Auxiliares do governo disseram que a gota d'água para selar a saída de Ernesto foi sua decisão "equivocada" de fazer novos ataques ao Senado no fim de semana.
Um dos nomes mais cotados para a vaga de Ernesto, no momento, é o do embaixador do Brasil em Paris, Luís Fernando Serra, que já estaria sendo aguardado no Brasil para acertar o cargo com o governo. Ministros palacianos, porém, dizem que decisão sobre sucessor ainda está em análise.
Serra é tido como um olavista e sua indicação para o cargo seria uma continuidade da força da ala ideológica no governo, o que pode não ajudar a arrefecer a crise.
Serra chegou a cancelar sua participação em um evento em Paris com acadêmicos ao descobrir que haveria uma homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 no Rio.
Legado caótico
Dois anos depois de tomar posse como ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo deixou uma pasta em caos. Internamente, foi alvo de uma rebelião, com mais de 300 de seus próprios diplomatas pedindo sua demissão. Fora, foi alvo de pedido de impeachment e é atacado até mesmo por aliados do governo.
Salários de seus funcionários estão atrasados, embaixadas foram instruídas a adiar pagamento de água e eletricidade, aluguéis de prédios estão sendo renegociados para evitar despejos, o Brasil acumula dívidas com as entidades internacionais, enquanto nomeações de embaixadores vivem um impasse e postos chave para lidar com a pandemia vivem indefinições.
Um das principais trincheiras do bolsonarismo, o Itamaraty sob Araújo rompeu com todas as tradições diplomáticas do país, alinhando o Brasil à ideologia de extrema-direita e adotando posturas que enfraqueceram alianças construídas ao longo de décadas.
Entre diplomatas, o que mais assusta é que uma instituição do Estado sequestrada para atender aos interesses está sendo "corroída por dentro", com um impacto profundo para a posição do Brasil pelo mundo.
Agora, a queda de Ernesto Araújo do Itamaraty coloca fim ao período mais obscuro da diplomacia brasileira desde a redemocratização. Pelo menos até agora. Mas reerguer a instituição não é algo que está garantido nesse governo.
No período em que comandou, Araújo foi extremamente eficiente em implementar o mandato que recebeu. Infiltrou a diplomacia brasileira com uma ideologia de ultradireita, queimou navios, rompeu com consensos sobre direitos humanos, comprou brigas gratuitas e transformou o Itamaraty num das principais trincheiras da guerra cultural do bolsonarismo.
Sua meta era clara: reconstruir o Brasil no mundo, a partir de uma perspectiva reacionária, antidemocrática e que transformasse o país num dos líderes na luta contra qualquer avanço em novos direitos fundamentais.
Sob um falso manto da soberania, entregou tudo. Vendeu o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia por um preço inferior ao que o Brasil jamais ofereceu em 20 anos de negociação. Ao fechar o tratado, ficou satisfeito com cotas que eram abaixo de qualquer previsão do setor privado nacional.
Com Donald Trump como uma espécie de Messias - o verdadeiro - de seu pensamento, tomou decisões que deixaram experientes diplomatas chocados. Numa delas, abriu mão da condição de país em desenvolvimento na OMC, abriu o mercado nacional para o trigo americano e aceitou, para ajudar na eleição de Donald Trump, que a indústria nacional do aço fosse sobretaxada. Isso sem contar com a base de Alcântara.
Na ONU ou na OEA, assumiu a função de falar em nome dos EUA, apresentou resoluções recomendadas pela Casa Branca e atuou para blindar os interesses de Trump.
Em troca, recebeu promessas vazias de que, um dia, a Casa Branca colocaria o Brasil para dentro da OCDE.
No exterior, após cada reunião da qual participava, Araújo era alvo de chacota. Numa delas, na comemoração dos 70 anos da derrota do nazismo, usou seu discurso para alertar ao mundo sobre?.o comunismo.
No mesmo evento em que os nacionalismos eram denunciados como uma ameaça, insistiu que tal percepção estava equivocada. "Somos os bons moços", disse.
Internamente, passou a ser ironizado e desrespeitado por seus soldados, que o apelidaram de Beato Salú, personagem da novela Roque Santeiro. Deu palco e medalhas para monarquistas, terraplanistas, pastores e para o submundo da extrema-direita.
Brincou de ameaças de guerra com a Venezuela, foi acusado de ajudar a criar instabilidade na América Latina, saiu em defesa de blogueiros contratados para difundir desinformação e não perdeu a ocasião de gritar em uma churrascaria ao lado de Bolsonaro contra a imprensa.
Criou ainda um profundo mal-estar ao adotar uma postura dúbia diante da invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro. Em seu cenário, apareceu em lives ao lado de bandeiras da monarquia e de instituições que remetiam às Cruzadas.
Quando a pandemia chegou, ignorou acordos globais para a compra de vacinas, fez questão de minar o trabalho da OMS, criticou países que adotaram medidas de confinamento e descobriu que poucos estavam dispostos a sair em seu resgate.
Bateu no peito e, orgulhosamente, disse que éramos "párias". Só não contava que seriamos "ameaça sanitária global".
Cortou laços com parceiros, atendeu ao interesse de evangélicos em Israel e, acima de tudo, cumpriu de forma exemplar a tarefa de proteger os filhos do presidente. Mesmo se isso custasse a relação com o maior comprador de produtos brasileiros: a China.
Nos debates sobre direitos humanos, preferiu se aliar a regimes autoritários, governos acusados de assassinato de jornalistas e políticos conhecidos por abusar dos direitos das mulheres e de minorias.
Em dois anos, a única coisa que não teve tempo para fazer foi defender os interesses nacionais.
Mas, dentro do Itamaraty, o que se lamenta é que nada disso foi suficiente para provocar sua queda. Ela apenas ocorreu quando ficou claro que, para atender ao Congresso e evitar um impeachment ou investigações, a família Bolsonaro teria de sacrificar um de seus homens.
Ernesto também cumpriu essa missão.
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