Felipe Salto

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Opinião

Pente-fino, revisão e corte de gastos

Ganhou corpo, no governo, uma discussão fundamental. Trata-se da adoção de programas de revisão de gastos públicos federais para reequilibrar o Orçamento, alcançar as condições de sustentabilidade da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e melhorar a qualidade das políticas públicas.

Na última sexta-feira (26), foram publicadas portarias do Ministério do Desenvolvimento Social e da Previdência que merecem destaque. Claramente, já refletem essa nova diretriz. Ao contrário do que parte do mercado quer concluir, o governo está comprometido com a questão fiscal.

Pente-fino, revisão (ou "spending review", como é conhecida na literatura estrangeira sobre o tema) ou corte de gastos, simplesmente, são três coisas distintas. Em minha participação recente no Programa WW, do William Waack, na rede de TV CNN, a jornalista Thaís Heredia enalteceu essa questão ao longo do debate.

Passar um pente-fino em programas que estão crescendo de modo expressivo, obrigar à correta aplicação das leis em vigor e combater desperdícios ocasionados por fraudes e concessões equivocadas de transferências sociais é um conjunto de ações tão importante quanto um programa de revisão de gastos, mas não são o mesmo tipo de política.

A primeira é um dever precípuo (mais óbvio) da Administração Pública: não deixar que se jogue dinheiro pela janela. Afinal, ele é escasso; e é público. A segunda é uma política mais sofisticada, que depende de profissionais com qualificações específicas, como econometristas, estatísticos, especialistas em cada área de política pública que se quer avaliar etc. Está prevista também na Constituição Federal, ainda que há poucos anos.

É preciso monitorar e a avaliar as políticas públicas. Por mais evidente que possa parecer, até hoje o processo orçamentário não contempla essa diretriz. Se um programa como o abono salarial não reduz desemprego, não eleva os salários ou não reduz de modo significativo a pobreza, por que seguir com ele no lugar de aumentar o Bolsa Família, por exemplo?

No envio do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2025, um primeiro passo foi dado pela Ministra Simone Tebet, que indicou a revisão de mais de R$ 9 bilhões em gastos com previdência e subsídios ao agronegócio. Depois, mais recentemente, o Ministro Fernando Haddad anunciou que, para 2025, planeja um corte de gastos de R$ 25,9 bilhões como resultado de avaliações e estudos.

É louvável que o tema tenha de fato atingido o topo das prioridades da área econômica. Ao contrário do que o mercado vem avaliando, a política fiscal melhorou. Isso precisa ser registrado, até para que se evite desenhar cenários pouco prováveis e catastrofistas, como o de quem já prega a necessidade de aumentar os juros. A quem aproveita?

Se a política fiscal seguir uma toada de responsabilidade e cumprimento de regras, temperada pela adoção de programas efetivos de revisão de despesas e de combate a fraudes, teremos muitos motivos para imaginar um juro menor em horizonte próximo. Claro que o cenário externo também será fundamental nessa avaliação.

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Particularmente, as "spending reviews" poderiam ajudar. Há pelo menos meia dúzia de áreas ou programas inteiros que poderiam ser escolhidos, logo de início, para serem avaliados com vistas à incorporação dos resultados na elaboração do próximo Orçamento. A saber: subsídios e subvenções, previdência, benefício de prestação continuada, abono salarial, gastos tributários (sobretudo, os descontos de despesas com saúde no Imposto de Renda) e emendas parlamentares.

Sem uma revisão ampla dos gastos públicos, será impossível produzir o superávit primário necessário para estabilizar a dívida/PIB ao longo do tempo.

Para este ano, projetamos um déficit primário (receitas menos despesas sem contar juros da dívida pública) de cerca de R$ 57,6 bilhões, menos de 1/3 do rombo de 2023. Um feito e tanto. Além disso, esse patamar representaria cumprimento da meta zero, usando-se a banda de -R$ 28,8 bilhões e sem contar os gastos emergenciais (Rio Grande do Sul), que são extra regras fiscais.

Mas, daqui em diante, o governo tem de manter-se firme em relação ao propósito legal (Novo Arcabouço Fiscal, Lei Complementar nº 200/2023) de estabilizar a dívida ao longo do tempo. Há um prazo de dez anos para isso, contados a partir da promulgação da referida lei. Para isso, cabe responder: quando geraremos o superávit requerido para a dívida estacionar?

O pente-fino, as revisões de gastos e os cortes (a exemplo do recente contingenciamento orçamentário anunciado) são ferramentas centrais. Para gastar bem, é preciso ter foco, cortar excessos e direcionar recursos a políticas bem avaliadas. Parar de desperdiçar dinheiro público é um excelente começo.

Quando o governo erra, temos de apontar o dedo. É dever de quem se dispõe a publicar artigos e a ajudar a qualificar o debate público em determinada área do conhecimento. Quando ele acerta, da mesma forma. Pente-fino, revisão de gastos e cortes são uma trinca vencedora para pavimentar o caminho do juro baixo, com investimento e crescimento econômico mais elevados.
Em 2014, eu encerrava um artigo que escrevi em parceria com o amigo Marcos Lisboa, conhecido economista, da mesma maneira que gostaria de encerrar neste momento, mas agora talvez um pouco mais otimista com os avanços prometidos por Haddad e Tebet:

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À noite, todos os gatos são pardos, reza o dito popular. O juiz americano Louis Brandeis dizia: 'A luz do sol é o melhor desinfetante'. Não há como rejeitar ou aprovar aquilo que não é permitido conhecer. Pior, não há como cobrar mudanças se o conhecimento sobre o estado atual das coisas for obscuro.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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