O desafio de São Paulo
A corrida eleitoral começou. No município de São Paulo, o(a) vencedor(a) enfrentará uma situação paradoxal: caixa cheio e dívida líquida negativa, mas políticas públicas insuficientes ou ineficazes. O caso da capital paulista é emblemático: não basta ter dinheiro; é preciso saber gastar.
O último Relatório de Gestão Fiscal divulgado no site da prefeitura de São Paulo traz informações até abril para alguns indicadores fiscais importantes. Eles permitem avaliar a situação das finanças municipais.
A dívida consolidada (ou total) de São Paulo está em R$ 22,1 bilhões. O caixa do município (abril), em R$ 30,1 bilhões. A dívida consolidada líquida é de -R$ 3,9 bilhões. A saber, a dívida líquida é obtida deduzindo-se o caixa, os restos a pagar, os valores vinculados e outros haveres financeiros da dívida total. Isso mesmo, estamos falando de um endividamento negativo.
A dívida líquida chegou a representar 246% da receita corrente líquida (indicador de referência para medir a arrecadação), no pico dos últimos 25 anos, em dezembro de 2004. Em dezembro de 2015, estava em 182%, bem acima do limite legal, de 125%; e, em 2016, passou a 97%, redução expressiva decorrente da renegociação conquistada pelo então prefeito Fernando Haddad.
Sem dúvida, estamos tratando de uma situação fiscal muito positiva neste momento. A questão que se coloca é: a saúde financeira de São Paulo está se traduzindo em melhoria das políticas públicas, dos equipamentos e serviços oferecidos e das condições de vida da população?
Segundo a Pesquisa de Qualidade do Serviço Público, da Agenda Pública, conforme dados publicados no site da instituição, São Paulo está em 9º lugar em termos de avaliação geral dos serviços públicos nas capitais. Sua nota é 5,53, numa escala de 0 a 10. A primeira colocada é Curitiba (6,72).
No quesito Proteção Social, São Paulo é a terceira pior capital das 26 analisadas, com nota 3, sempre de 0 a 10. A primeira colocada é Vitória, com nota 8. Havia, em 2023, 1.306.604 famílias vivendo em situação de pobreza e extrema pobreza na capital paulista. O número de centros de referência por 100 mil habitantes é inferior a um.
Em Educação, São Paulo ocupa a 8ª colocação, com nota 6,71. Na Saúde, é o 13º na lista das 26 capitais, com nota 5,25. A cobertura da Atenção Básica é de apenas 47,4% na capital mais rica do Brasil. É o quarto pior município da lista, perdendo apenas para Maceió, Macapá e Belém, todos com cobertura pouco superior a 30%.
Esses números são espantosos, sobretudo quando cotejados com a situação fiscal e financeira acima exposta, de dívida negativa e caixa gordo.
São Paulo tem de buscar a inovação nos serviços públicos e o foco no cidadão. O combate à desigualdade e à pobreza só será possível com a boa aplicação dos recursos públicos disponíveis e a adoção de uma lógica de acolhimento, respeito e inclusão social.
O desafio é gigantesco, como se vê. O exemplo de São Paulo, infelizmente, evidencia que não basta ter dinheiro. É preciso ter plano de governo à altura das demandas sociais e da complexidade para atendê-las.
A adoção de um programa de revisão de gastos públicos é urgente não só para a União, mas também para os governos locais. Como o dinheiro público está sendo gasto? Onde melhorar? Que programas orçamentários poderiam ser substituídos por outras políticas, nas mais diversas áreas: Saúde, Educação, Transportes etc.?
A proximidade das eleições enseja essas reflexões. Os candidatos e candidatas têm de apresentar propostas sólidas, tanto no aspecto financeiro e fiscal quanto no aspecto da formulação e dos objetivos de cada política pública pretendida.
Outra diretriz fundamental é abolir a síndrome do "começar do zero". O senso de continuidade é fundamental para que não se percam as conquistas amealhadas até aqui e, notadamente, a fim de que não se repitam os mesmos erros.
São Paulo precisa de inventividade, compromisso com aqueles que mais dependem do poder público e trabalho duro. Nem só de finanças saudáveis vive a gestão pública. Ela depende também da capacidade de entrega, de equipes técnicas —permanentes e transitórias— preparadas e de lideranças transformadoras legitimadas pelo voto popular.
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