O brasileiro que cresceu na periferia, fundou negócio milionário aos 23 anos e virou 'guru antivitimismo'
A história de Flávio Augusto da Silva parece enredo de filme - e talvez por isso atraia tantos admiradores.
Nascido e criado na periferia do Rio de Janeiro, ele veio de uma família de classe média baixa com pai militar e mãe professora da rede pública. Começou a trabalhar em uma escola de inglês aos 19 anos usando fichas telefônicas e um orelhão para vender os cursos.
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Em quatro anos, virou diretor regional comercial da empresa. Aos 23, viu uma oportunidade no mercado, pegou um empréstimo e decidiu abrir uma escola de inglês própria que, em um ano, já havia lhe rendido seu primeiro milhão. Flávio Augusto hoje é dono da Wise Up, uma das maiores redes de idiomas do país, e apostou recentemente no mercado do futebol adquirindo o Orlando City nos Estados Unidos - aquele que pelos últimos três anos foi conhecido aqui como "o time do Kaká".
Tudo isso estudando a vida toda em escola pública, sem diploma universitário - ele até passou na UFF (Universidade Federal Fluminense) para fazer Ciência da Computação, mas não cursou - e, até pouco tempo atrás, sem falar inglês.
"Eu não sou professor de inglês, isso não era necessário para o que eu fazia. Comecei a aprender só quando fui para Austrália, não foi na Wise Up", conta à BBC Brasil.
Em 2011, já bem-sucedido nos negócios, Flávio Augusto decidiu criar uma página no Facebook sobre empreendedorismo, que hoje tem mais de 3,3 milhões de seguidores, para "deixar um legado".
"Hoje, uma das coisas que mais me motivam é deixar algum tipo de impacto na juventude. Há sete anos eu escrevo, realizo alguns eventos e tenho procurado deixar uma influência nas novas gerações", diz o empresário, citando seu site, podcast, canal no YouTube e a fanpage "Geração de Valor", que inaugurou a "comunidade GV", mantida por seus admiradores.
Foi assim que ele virou uma espécie de "guru" dos negócios, acumulando milhões de adeptos ao seu discurso. Flávio Augusto gosta de mencionar sua origem humilde, e orienta os seguidores a fugirem do "vitimismo" e serem "protagonistas de suas próprias vidas".
"Tudo o que eu falo sobre empreendedorismo é o que eu vivi. Eu saía da periferia e pegava trem lotado e gastava quatro horas por dia no trânsito pra trabalhar. Eu fiquei rico, criei minha empresa e cresci, isso é uma realidade também", diz à reportagem.
Nas postagens, o empresário dá dicas aos jovens empreendedores e os estimula a "pensar grande", "cumprir metas" e "contrariar estatísticas". A situação política e econômica do país raramente entra em pauta.
"Quero agradar jovens de direita, de esquerda, de centro... não entro nesses assuntos porque não quero dividir, quero somar."
Mas há uma exceção a essa regra de Flávio Augusto: as leis trabalhistas. O dono da Wise Up se posiciona abertamente a favor de uma legislação mais liberal nesse sentido.
Dentro de sua empresa, porém, ele diz adotar a CLT como padrão para seus funcionários.
Ao longo de sua ascensão meteórica no mercado, a Wise Up também soma alguns processos trabalhistas na Justiça, conforme apurou a reportagem. Casos que Flávio define como "pouquíssimos para uma empresa tão grande e com tanto tempo de mercado".
'Visão, coragem e competência'
No "Geração de Valor", Flávio Augusto costuma falar que, para um negócio dar certo, é preciso ter "visão, coragem e competência". Foi essa a combinação que ele diz tê-lo levado ao sucesso em 1994, quando decidiu abrir a Wise Up, oferecendo uma então novidade: inglês para adultos.
"Naquela época, se falava que o inglês seria importante para o futuro. Mas a minha percepção foi que, nesse momento, o mercado estava mudando e já estava passando a exigir o inglês, não mais como algo recomendável, mas como condição fundamental para determinados postos nas empresas."
Sem espaço para fazer isso na empresa em que trabalhava, Flávio Augusto e a mulher, Luciana, pegaram um empréstimo no banco de R$ 10 mil cada um - o que, segundo ele, corrigido pelo IPCA hoje representaria R$ 92,7 mil na soma dos dois - para possibilitar o início da Wise Up, que venderia um conceito de inglês rápido (em 18 meses) para quem já estava no mercado de trabalho e precisava disso para ontem.
O sucesso foi imediato: em um ano, a escola já tinha mil alunos matriculados. Mário Magalhães, o chefe que viu Flávio sair do emprego para virar concorrente, reconhece outra sacada importante do empresário para entrar no mercado.
"A Wise Up era mais cara do que as outras. Então essa foi uma percepção de valor diferente que ele teve do produto que estava entregando. Colocou um preço maior, mas não perdeu escala com isso."
O resultado se mostrou impressionante. "Eu cheguei nos meus 26 anos com 24 escolas e cerca de 1,2 mil funcionários. Todas escolas próprias", afirma Flávio.
Em 2013, no ápice, a Wise Up tinha 393 filiais e foi vendida para o Grupo Abril Educação por R$ 877 milhões. Mas dois anos depois, em crise, ela foi oferecida novamente a Flavio Augusto, que aceitou recomprá-la por um valor bem menor, R$ 398 milhões.
"Eu comprei em dezembro de 2015. com 250 escolas. A Wise Up passou por um processo de reformulação e reestruturação, uma série de ações foram feitas. E em maio de 2017, nós vendemos 35% dela para o Carlos Wizard, formando uma holding de educação. Não pretendemos ficar somente no setor de idiomas. Estamos vendo alguma coisa em ensino superior."
De empresário a guru dos negócios
Da Wise Up, Flávio Augusto migrou para o mercado do futebol em 2013, ao adquirir o Orlando City em uma decisão estratégica de negócios.
"O futebol é o esporte que mais cresce nos Estados Unidos. O Orlando City estava na terceira divisão quando o comprei, por US$ 120 milhões. Hoje ele está na primeira e vale US$ 500 milhões", conta.
O sucesso nos negócios fez Flávio figurar na lista dos bilionários mais jovens do país elaborada pela Forbes - com fortuna de R$ 1,1 bilhão, segundo o ranking de 2016 da revista de 2016 - e se tornar referência para jovens que sonham em se tornar empreendedores.
Na página "Geração de Valor", é comum alguns pedirem a ele conselhos sobre os próprios negócios ou até fazerem desabafos por frustrações no mercado. Muitos desses comentários são respondidos pelo próprio Flávio, que costuma repetir o mantra: "se seu negócio não está dando certo, ou você não está trabalhando o suficiente, ou está trabalhando errado".
Há outros conceitos repetidos por ele com veemência - e reverberados pela "comunidade GV", - como "seja protagonista da sua vida", "seja dono do seu destino" ou "sua mente é seu maior ativo".
Nesse contexto, Flávio Augusto costuma criticar bastante o que chama de "vitimismo" e ressalta sua origem humilde para chancelar a ideia de que "é possível vencer, mesmo vindo de baixo".
"Eu saí em desvantagem, mas eu não queria saber disso, eu queria só resolver minha vida. E aí eu tinha que me esforçar duas vezes mais que outros para chegar lá. Isso é justo? Óbvio que não, mas eu não queria saber. A única coisa que eu queria era mudar minha vida", relata.
"Penso que a gente tem que tomar muito cuidado pra não sermos deterministas. Porque se minha origem determina o meu destino, logo eu sou vítima da minha origem. E acho que não é assim."
Questionado se acredita em "meritocracia", Flávio Augusto desconversa. "Tenho muito cuidado para falar sobre isso, porque as pessoas polemizam muito em cima desse conceito".
"Eu conheço os dois lados da moeda. Ah, o cara não cresce se não quiser? Não é tão simples assim, não sejamos simplistas. O tamanho da barreira social é gigante. E injusta. Mas dizer que é impossível transpor, eu não posso dizer", pontua.
'Empresário não combina com política'
Flávio Augusto não esconde sua visão liberal da política ("menos Estado, mais protagonismo"), mas reúne fãs de diferentes preferências - há desde aqueles favoráveis a Geraldo Alckmin até os que apoiam Jair Bolsonaro e Ciro Gomes.
No entanto, poucas vezes recebeu tantos comentários críticos às suas postagens como quando criticou os direitos trabalhistas de uma "legislação arcaica da CLT". À BBC Brasil, porém, ele reafirma seu posicionamento.
"Eu fico confortável para falar sobre isso porque não falo do ponto de vista político, não sou ligado a partido nenhum. Eu falo sob o ponto de vista da matemática. Eu nunca tive carteira assinada, trabalhei quatro anos informalmente e nunca quis ter. Nunca ganhei férias, vale-transporte, vale-refeição. O que eu vendia, eu ganhava, o que não vendia, eu não ganhava. E foi isso que me permitiu crescer. Se eu estivesse vivendo de salário, 13º, eu estaria vivendo um formato que me limitava."
Para o empresário carioca, a legislação trabalhista no Brasil é "amarrada" e "prejudica o próprio empregado". Problemas que a reforma aprovada em 2017 não resolve, avalia - "é muito fraquinha".
"Eu tenho 200 funcionários nos EUA e quase 10 mil no Brasil. Te garanto que todos meus funcionários no Brasil prefeririam trabalhar aqui nos Estados Unidos. Ganhando o que se ganha aqui, sem 13º, sem férias, nada disso. É uma questão de matemática. Nos EUA eu pago X e meu funcionário ganha o X. No Brasil, o funcionário ganha X e eu gasto 2X. Preferiria pagar os 2X pra ele", reforça.
Questionado se realmente pagaria o valor cheio para os empregados se não houvesse os encargos trabalhistas, ele garante que sim. "Com todo o prazer."
Sobre as ações na Justiça do Trabalho, que questionam diretamente a falta de pagamento de direitos, o empresário diz que "a empresa é muito grande e pode ter cometido erros", e que "tem um departamento jurídico contratado para corrigi-los".
Mesmo evitando explorar temas políticos, Flávio Augusto vira e mexe se depara com sugestões em suas postagens para ser candidato nas eleições. Por enquanto, porém, prefere fugir delas - apesar de admitir já ter sido sondado.
"Por força da minha expressão pública, não faltaram convites. Mas para o momento, eu estou muito focado nos meus dois projetos. Quem sabe no futuro, não descarto a possibilidade", afirma.
Mas para ele, político e empresário são termos que juntos não combinam. "Acho que em algum momento pode haver algum conflito de interesses. Não tem nenhuma lei que proíba isso, isso é uma opinião pessoal minha. Eu jamais seria político sendo empresário, não é uma coisa que acho que é pertinente."
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