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O que os economistas têm feito de errado

Evan Davis é apresentador de rádio da BBC e foi editor de economia da BBC News - BBC
Evan Davis é apresentador de rádio da BBC e foi editor de economia da BBC News Imagem: BBC

Evan Davis*

27/05/2019 07h51

Duas ressalvas, antes de começar:

Primeiro, preciso dizer que eu amo economia. Ela oferece um kit de ferramentas maravilhoso para dar sentido ao mundo. Você pode encontrar alguns dos conceitos mais atraentes: do "dilema dos prisioneiros" até a vantagem comparativa e o paradoxo da parcimônia.

Não é necessário dizer que nós não podemos querer abrir mão da economia.

Em segundo lugar, a economia não teve um funcionamento ruim. Nas últimas décadas, os economistas tiveram (mais do que nunca e mais do que qualquer outra pessoa) influência sobre todos os aspectos de nossas vidas. Eles comandaram os bancos centrais, lideraram os estudos sobre negócios e trabalharam nos altos escalões dos serviços públicos em todo o Ocidente e em instituições internacionais. A ortodoxia deles sustentou todos os tipos de políticas governamentais. E, durante esta era em que os economistas reinaram, o mundo alcançou algumas conquistas marcantes. A redução na proporção de seres humanos que vivem em extrema pobreza nos últimos trinta anos tem sido extraordinária.

Mas, apesar de tudo isso, a economia está em um momento de reformulação.

Ficou bem óbvio que muita coisa tinha dado errado na época da crise financeira. Foi constrangedor o fato de o pior "crash" em três gerações ter ocorrido não muito depois de os economistas assumirem o comando.

E então, uma década depois daquela crise, vemos que o modelo econômico ortodoxo (que muitos chamam de "neoliberal") está deixando multidões de pessoas insatisfeitas em todas as sociedades ocidentais.

Obviamente, políticos e formuladores de políticas estão respondendo a esta indignação da maneira usual - tentando encontrar um caminho diferente. Uma grande pesquisa sobre desigualdade, lançada recentemente pelo Institute for Fiscal Studies, é um exemplo das mudanças nas prioridades dos economistas.

Mas há algo mais acontecendo também: toda a disciplina da economia está sendo reconsiderada - não apenas a teoria, mas também as orientações de políticas.

Nem todos os economistas estão envolvidos neste projeto, e não é a economia como um todo que está sendo derrubada. Nem toda reformulação é realmente nova. Mas parece que estamos no meio de uma lenta mudança de paradigma. Quem sabe onde vai parar?

Complexidade

Duas palavras - ambas começando com a letra C - captam bem as críticas à velha forma de pensar. Uma é complexidade e a outra, comunidade. Vou explicar as duas.

Complexidade é uma resposta a algumas suposições bem simplistas sobre as quais são construídos modelos econômicos ortodoxos: em particular, as suposições de que os indivíduos sabem o que querem, que eles fazem escolhas de consumo para maximizar sua utilidade, e que as empresas maximizam lucros.

Modelos econômicos tradicionais precisam ser simples para que as contas funcionem, e fazer as contas funcionarem sempre pareceu um objetivo importante. Além disso, foi colocada uma enorme pressão nesses modelos para que tivessem consistência interna, mais do que para funcionarem na prática.

Acontece, no entanto, que o mundo é mais complicado do que essas hipóteses simplistas.

Isso é muito claro na função mais básica dos modelos econômicos - nos ajudar a entender a economia. Os economistas sempre produziram seus modelos na forma de uma espécie de caixa preta virtual com dezenas de equações. Aí, eles podem ligar alguns dados e ter como resultado projeções de como a economia vai se comportar em diferentes circunstâncias.

Esses modelos têm uma certa elegância teórica, mas agora há uma sensação crescente de que as economias não evoluem ao longo de um caminho matemático bem definido, mas de uma maneira muito mais confusa. Os atores da economia enfrentam uma incerteza radical. Eles se adaptam e aprendem, observam o que todo mundo faz. A economia tropeça em um processo de descoberta lenta, cheio de ciclos de feedback.

Os novos modelos podem se valer de outras ciências - eles podem analisar como grupos de peixes ou de pássaros se movem juntos, ou se basear em modelos evolutivos de populações.

Um exemplo: como as empresas decidem quando subir os preços? Isso é essencial para entender a inflação. Simplificando um pouco aqui, nos modelos tradicionais, as empresas podem tomar suas decisões sobre preços observando a meta de inflação e supondo que será ela a taxa de inflação. Ou elas podem manter os preços de ontem, já que custa muito trocar os rótulos dos produtos. Os economistas pensam muito sobre esse tipo de coisa - com base na ideia de empresas racionais tomando decisões inteligentes sobre preços.

Nos novos modelos, no entanto, você não supõe que as empresas saibam, em última análise, qual é o preço certo - elas estão tentando adivinhar, estão observando umas às outras e aprendendo à medida que prosseguem. Existem vários caminhos que a inflação pode tomar.

Agora um exemplo em outra área importante: finanças. Os economistas tendem a pensar que o mercado de ações é eficiente - ou seja, o preço da ação da empresa em um dia é visto como a melhor estimativa possível do valor da ação da empresa naquele momento. "Como poderia ser diferente?", diz a lógica. Se a empresa valesse mais do que o preço implícito das ações, as pessoas comprariam as ações, elevando o preço das ações até que estivesse no nível adequado.

Mas, novamente, o mundo real é mais complicado: quem realmente toma as decisões de investimento? No momento em que você considera as camadas de intermediários financeiros que cuidam do dinheiro em nosso nome, competindo pelo nosso negócio, você vê vários tipos de distorções nesses incentivos. Gerentes de fundos podem querer seguir o pacote de investimentos de outros investidores em vez de seguir seus próprios julgamentos para não parecerem estúpidos. De repente, você tem o potencial de bolhas, "booms" e falências quando todos acumulam as mesmas ações ao mesmo tempo.

Ou pense no Produto Interno Bruto (PIB), a índice mais básico da renda nacional. Não é exagero dizer que ele virou um fetiche na economia, apesar de fraquezas óbvias na capacidade de englobar uma economia inteira em um único número. Um monte de reformulações está acontecendo, especialmente porque empresas como Google e Facebook ampliam o conceito de transações de mercado, onde acessamos muita coisa sem pagar, mas onde deixamos muitos dados úteis sem ganhara nada em troca..

Portanto, nada é simples, e os economistas estão tendo que aprender que um modelo desalinhado da economia pode ser mais útil do que um modelo organizado.

Comunidade

Isso nos leva à segunda questão: comunidade. O fato é que as pessoas não agem apenas como indivíduos. Elas valorizam a sensação de pertencer a uma sociedade. Elas têm um interesse de grupo, ficam satisfeitas em cumprir obrigações para o resto do grupo, e a identidade do grupo molda a tomada de decisão dos indivíduos.

Assim, por exemplo, o velho paradigma dominante na compreensão do comportamento das empresas é assumir que tudo o que a empresa faz é para os acionistas. De fato, muitos economistas se permitiram partir da simples ideia de que isso é o que as empresas fazem, argumentando que isso é o que as empresas devem fazer.

Sob o novo pensamento, contudo, há uma sensação de que isso levou as empresas ao caminho errado. Elas são comunidades complexas e operam dentro de sociedades complexas. Seus objetivos precisam ser definidos de maneira muito mais flexível.

Você vai encontrar até economistas atacando a noção da "mão invisível": é uma metáfora atraente que sugere que a configuração padrão para qualquer comércio deveria ser o mercado livre - deixados à própria sorte, indivíduos egoístas produzem involuntariamente o melhor resultado para a sociedade como um todo.

Mas o novo pensamento sugere que o governo, ou alguma noção de interesse de grupo, deveria ter um papel maior a desempenhar para que as coisas funcionem de maneira eficiente.

Então, quando se trata de complexidade e comunidade, as preocupações dos economistas estão mudando.

Eu não quero fingir que o novo pensamento representa um choque súbito e agudo. Os economistas sempre foram especialistas em autocrítica e o tema está sempre evoluindo. E eu não estou construindo um argumento original aqui: estou simplesmente relatando o que ouço economistas dizerem sobre como eles sentem que a área está mudando.

Muitos não-economistas dirão que os economistas devem ter sido idiotas em não perceber o que havia de errado com a economia. Tudo o que eu apontei aqui deveria ter sido óbvio.

Mas, claro, a economia não está errada sobre tudo. Modelos simplistas podem oferecer respostas muito úteis. O problema é que os economistas às vezes os encaram de forma literal demais e esperam que esses modelos sirvam para muito mais do que eles foram projetados.

No fim das contas, é muito fácil cometer o erro do velho bêbado procurando as chaves sob a iluminação da rua. "Tem certeza de que foi aqui que você deixou cair?", perguntaram. "Não, eu deixei cair no parque, mas a luz é melhor aqui", respondeu ele.

Economistas empenharam mais esforço em olhar para onde a luz é boa, do que onde a economia está. E é ótimo que eles estejam começando a procurar em outro lugar.

*Evan Davis é economista, apresentador de rádio da BBC e foi editor de economia da BBC News.