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O que é a recuperação judicial e como ela afeta o futuro da Odebrecht, alvo da Lava Jato

Rodrigo Pedroso

De São Paulo para a BBC News Brasil

18/06/2019 15h42

Um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil e um dos alvos de maior envergadura da Operação Lava Jato, a Odebrecht S.A. admitiu formalmente que precisa reestruturar suas dívidas para continuar existindo.

O grupo pediu na segunda-feira (17) autorização para uma recuperação judicial. A conta envolve um passivo total de R$ 98,5 bilhões - o processo é o maior do tipo na história do país.

O pedido, acatado pela Justiça, blinda a Odebrecht S.A. pelos próximos seis meses contra os credores externos de uma dívida de R$ 65,5 bilhões. Os outros R$ 33 bilhões são relativos a empréstimos intercompany, ou seja, entre empresas do próprio grupo.

Antes disso, o maior pedido de recuperação no Brasil havia sido o da gigante de telefonia Oi, em 2016, com R$ 65 bilhões em dívidas.

Mais de 20 empresas estão no processo, que, no entanto, não contempla todas as companhias do grupo Odebrecht. Braskem, OEC e Odebrecht Transport, por exemplo, ficaram de fora por se tratarem, segundo argumento do grupo, de bens essenciais à sua sobrevivência. O juiz que analisou o caso acatou o pedido.

Mas o que é e como funciona, afinal, o processo de recuperação judicial?

Dívidas 'congeladas'

A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica para viabilizar a reestruturação de uma empresa em crise ou a ponto de falir.

Uma vez que a dívida atinge um patamar acima da capacidade de pagamento da companhia, entra-se com um pedido na Justiça para que os débitos sejam congelados enquanto se organiza uma maneira de honrá-los.

Um plano de recuperação da empresa, com a reestruturação do negócio e das dívidas aos credores, é apresentado ao juiz até dois meses após a aprovação do pedido. Os credores têm mais 150 dias para discutir a proposta apresentada e chegar a um acordo.

A medida está prevista na Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005), que substituiu a Lei da Concordata, de 1945, e tem o intuito de dar fôlego à empresa colocando o Judiciário como mediador entre ela e seus credores.

Os prazos para a negociação com os credores, no entanto, devem se alongar, diz o advogado especialista em recuperação de empresas Luiz Gustavo Bacelar.

"É uma operação complexa e que envolve muitos credores. Agora, sairá um edital convocando os interessados para uma discussão. Depois deve haver uma assembleia. O grupo perdeu 80% dos funcionários nos últimos tempos, por exemplo. Só isso indica que deverá haver muita dívida trabalhista, o que acarreta mais negociação e revisão do valor da dívida", afirma Bacelar.

Qual o significado para o futuro da Odebrecht

Dada a complexidade do grupo e a forma como as empresas contraíram as dívidas, este processo de recuperação judicial é o mais complexo da história empresarial do país, segundo analista de crédito privado da Eleven Management, Odilon Costa.

"Como uma empresa do grupo foi fazendo dívida com outra ou tomando empréstimo desde subsidiárias, é muito difícil desvincular as atividades. A Odebrecht estava passando por um momento muito difícil, sem acesso a linhas de financiamento, apesar de haver algumas operações saudáveis", afirma.

O pedido é o maior desdobramento empresarial causado pela Operação Java Jato, ainda segundo a visão de Costa. "É um marco histórico, com consequências difíceis de prever. Todos os setores de infraestrutura contam com empresas do grupo, que era um símbolo da economia até 2014. Ainda há ativos muito bons, como a Braskem, mas o passivo que é um 'balaio de gato'. Há muitos credores com interesses próprios. Organizar todos eles levando em conta o interesse da Odebrecht será muito difícil", diz.

Uma das únicas certezas, avalia o analista, é que o processo de renegociação com os credores vai demorar mais que o estipulado pelo processo legal. "E deve ocorrer também alguma venda de ativos para ajudar na reestruturação."

Marcelo preso, império encolhe

A crise em um dos maiores grupos industriais do país começou quando o nome do seu então presidente, Marcelo Odebrecht, apareceu nas investigações da Operação Lava Jato, em junho de 2015.

Acusado de se envolver em esquema de corrupção e fraudes em contratos com a Petrobras, Marcelo e outros 76 executivos da empresa assinaram um acordo de delação premiada para colaborar com a Justiça em troca de diminuição das penas.

As propinas pagas pelo grupo para garantir contratos com a estatal teriam chegado a R$ 113 milhões, segundo a investigação.

Marcelo Odebrecht foi sentenciado em dois processos a 31 anos e 6 meses de prisão. O acordo de delação firmado com a operação prevê o cumprimento de 10 anos da pena em progressão de regime. Depois de cumprir dois anos e meio da pena em regime fechado, o neto do fundador Norberto Odebrecht foi para prisão domiciliar, em Sao Paulo, onde se encontra atualmente.

Antes de o grupo aparecer na Lava Jato, o balanço referente a 2014 da Odebrecht registrava 274 mil funcionários, com a receita em 2015 atingindo R$ 132 bilhões. Hoje, o grupo tem em torno de 50 mil trabalhadores. No ano passado, registrou faturamento de R$ 80 bilhões.

Corrupção sofisticada

O esquema de corrupção armado pela Odebrecht teria começado ainda durante o período da ditadura militar, nos anos 1980, e foi se sofisticando paulatinamente. Após as investigações da Lava Jato, a Transparência Internacional, ONG especializada no tema, classificou o modus operandi da empresa brasileira como o caso de corrupção já desvendado mais bem armado da história.

Por meio do chamado Departamento de Operações Estruturadas, a Odebrecht realizava pagamentos a campanhas de políticos em troca de vantagens em contratos de obras nas quais empresas do grupo tivessem interesse.

Utilizava empresas registradas fora do Brasil para fazer os pagamentos de propina ou subornos a políticos de diferentes partidos por meio de caixa 2.

As empresas offshore realizavam pagamentos em moedas estrangeira a operadores. Esses utilizavam doleiros no exterior para comprar reais e repassavam o dinheiro a operadores da Odebrecht no Brasil, que realizavam os pagamentos nos endereços indicados pelos beneficiários da prática.

Segundo cálculos entregues à Procuradoria Geral da República (PGR) pelo ex-executivo da empresa Hilberto Mascarenhas, o departamento movimentou US$ 3,37 bilhões em propinas entre 2006 e 2014.

Lava Jato segue

Desde o início da Lava Jato, em 2014, mais de cem políticos e empresários foram julgados e presos em processos relacionados à operação.
Uma força tarefa entre Ministério Público e Polícia Federal levou à investigação membros da Petrobras, políticos de PT, PSDB, PMDB e outros 11 partidos, deputados e senadores, e até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de empresários de grandes companhias como os irmãos Batista, da JBS.

A Lava Jato teve um impacto profundo - e inédito - no sistema político brasileiro. Por meio do mecanismo de delação premiada, no qual os envolvidos em suspeitas de corrupção relatam o que sabem do caso em troca de diminuição da pena, os investigadores chegaram nos políticos mais importantes desde a redemocratizacao do país.

O partido mais afetado foi o PT. Até o momento, 33 dirigentes foram relacionados a esquemas de corrupção, incluindo a alta cúpula. Quadros antigos como Lula, José Dirceu, João Vaccari Neto, Delúbio Soares e Antonio Palocci foram presos em virtude da operação.

Entre os grandes nomes da política, José Serra e Aécio Neves, do PSDB, e Michel Temer e Renan Calheiros, do MDB, por exemplo, também tiveram seus nomes vinculados em depoimentos de empresários.

Protagonismo internacional

A empresa também teve papel de protagonismo na política externa do Brasil a partir dos anos 2000, com o estreitamento de laços comerciais com países latino-americanos e africanos. Em 2014, a multinacional brasileira operava em 26 países.

Em 2016, funcionários do grupo admitiram ter pago US$ 776 milhões em propinas em 12 países da América Latina, com destaque para Venezuela, Colômbia, Panamá e Peru.

O cenário político do subcontinente, sobretudo nos países onde a esquerda governou, viu-se afetado pelas sucessivas revelações de pagamento de subornos conforme a Lava Jato foi avançando.

O Peru foi o país que teve maior impacto político até o momento, com todos os presidentes deste século sendo envolvidos em escândalos relacionados à Odebrecht.

Alan García (que presidiu o Peru nos períodos de 1985-1990 e 2006-2011) suicidou-se com um tiro na cabeça este ano, após receber ordem de prisão por envolvimento com esquemas da multinacional brasileira.

Ollanta Humala (2011-2016) foi preso junto com sua mulher em 2017 pelo mesmo motivo, e hoje responde ao processo em liberdade. Alejandro Toledo (2001-2006) está refugiado nos Estados Unidos. Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) teve de renunciar e foi preso em abril último. Por problemas de saúde, encontra-se em prisão domiciliar.

Ex-presidentes do Panamá (Ricardo Martinelli), Honduras (Rafael Callejas), Guatemala (Otto Pérez Molina) e El Salvador (Francisco Flores) também foram condenados em seus países por atos de corrupção com ligação com a Odebrecht.