Às vésperas de protesto bolsonarista, Congresso impõe derrota ao presidente e cria custo de até R$ 20 bi
Deputados e senadores decidiram na tarde desta quarta-feira (11) derrubar um veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e colocar em vigor um projeto de lei que aumenta o número de pessoas com direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A derrubada do veto representa uma derrota política para o governo e acontece num momento de tensão entre Executivo e Legislativo por conta dos protestos convocados para este domingo (15). Bolsonaro incentivou seus apoiadores a participarem do ato, que tem o Congresso entre seus alvos — embora o presidente negue.
Segundo o Ministério da Economia, a derrubada do veto nesta tarde aumentará em R$ 23,3 bilhões por ano os gastos obrigatórios da União. Já a oposição no Congresso afirma que os gastos serão bem menores, de cerca de R$ 9 bilhões anuais.
O BPC é destinado a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza. Com a mudança aprovada pelo Congresso, passarão a ter direito ao benefício pessoas cujas famílias tenham renda per capita inferior a meio salário mínimo (R$ 519,5, no valor atual). Antes, o limite era mais restritivo: a renda per capita precisava ser inferior a um quarto de salário mínimo (R$ 259,75).
O veto de Bolsonaro foi derrubado primeiro pelos senadores — foram 45 votos pela derrubada e 14 pela manutenção (eram necessários 41 votos para derrubar o veto). Em seguida, os deputados confirmaram a derrota do governo por 302 votos (eram precisos 257) a 132.
O projeto foi aprovado pelo Congresso em dezembro passado. No dia 19 de dezembro, recebeu o veto total de Jair Bolsonaro.
Ao comunicar o veto ao Congresso, Bolsonaro justificou a medida argumentando que o projeto criou uma nova despesa para o governo sem indicar qual seria a origem do recurso. Ao aprovar o projeto, o Congresso também não incluiu estimativas próprias sobre os gastos — o que contraria a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A derrubada do veto foi comemorada por políticos de oposição no plenário e nas redes sociais. A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) disse que a decisão permitirá incluir mais 550 mil pessoas no BPC.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) questionou a cifra apresentada pela Economia.
"Está equivocado o número que foi posto aqui de que haveria um impacto de 20 bilhões. O impacto é alto, sim, mas é em torno de 9 bilhões. E outra coisa: será que são as pessoas que ganham meio salário mínimo por pessoa na família, os mais pobres, que têm de passar por mais arrocho? Por que não se coloca para votar aqui o imposto sobre os fundos de investimentos fechados? Fundos de investimentos fechados, que não estão pagando impostos, são os fundos dos mais ricos e podem arrecadar 10 bilhões por ano", sugeriu o deputado gaúcho.
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lamentou a decisão do Congresso ? o deputado ponderou que a decisão aumentará ainda mais o engessamento das despesas públicas.
"É uma decisão que mais atrapalha do que ajuda neste momento, de crise na saúde e crise (econômica), que já vai afetar a economia brasileira", disse Maia.
"O que a gente votou aqui é uma irresponsabilidade. Estamos fazendo com que o Brasil não tenha capacidade de superar a crise. Estamos diminuindo a capacidade do governo de enfrentar problemas como o coronavírus ou a greve da PM no Ceará", disse o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), que é deficiente físico.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, disse que o momento "não é oportuno" para votar o projeto.
"Todos nós aqui gostaríamos de dar até muito mais do que isso ao pessoal do BPC, que são exatamente aqueles mais humildes. Mas, com esta crise do coronavírus, com a questão da crise do petróleo, com essa herança vinda do governo do PT, que destruiu o Brasil e que deixou 13 milhões de desempregados e apenas 6% do Orçamento na mão do Presidente, o momento só não é oportuno", disse ele.
O Congresso adia desde terça-feira (10) a votação de três projetos de lei sobre a execução das emendas parlamentares ao Orçamento. Um destes projetos devolve às emendas de congressistas cerca de R$ 16 bilhões. Nesta quarta, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) concluiu a votação dos projetos, que estão prontos para o plenário.
Na semana passada, deputados e senadores mantiveram com o Executivo o controle sobre cerca de R$ 30 bilhões em recursos, ao manter um veto de Bolsonaro à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
A discussão sobre as emendas é um dos principais motivos para a tensão atual entre governo e Congresso.
'Centrão' e PSL ficaram com o PT e a oposição
No Senado, só o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), orientou pela manutenção do veto presidencial ? o PSDB liberou sua bancada e todos os demais partidos pediram a derrubada.
Na Câmara, a oposição contou com o reforço de deputados do PSL que estão rompidos com Jair Bolsonaro e com o chamado "Centrão" ? um grupo de legendas de centro-direita que age de forma independente do governo.
Embora o bloco integrado por PP, PL, PSD, DEM tenha orientado seus integrantes a votar pela manutenção do veto presidencial, vários deputados descumpriram esta determinação.
No PP, por exemplo, nada menos que 22 dos 36 deputados presentes votaram contra o Planalto ? o número de "traidores" corresponde a 55% dos 40 integrantes da bancada do partido na Câmara.
No PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu em 2018, foram 37 votos contra o governo ? nada menos que 71% dos 52 deputados presentes durante a sessão.
Escolhida como a nova líder do PSL, a deputada Joice Hasselmann (SP) comemorou a derrubada do veto no plenário ? segundo ela, trata-se de "uma questão de humanidade".
"A grande maioria (da bancada do PSL) quer votar pela derrubada do veto, como esta que vos fala. Não podemos dizer não a essas pessoas que tanto precisam, não podemos dizer não às crianças (...). Então, eu libero a bancada. Mas, o meu voto específico é 'sim', pela derrubada desse veto, por uma questão de humanidade", disse ela, ao orientar o voto da bancada.
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