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Crimeia tem inflação desenfreada, vê fuga de empresas e tudo é pago à vista

Henry Meyer

17/02/2015 12h27

Quase um ano depois que a Rússia anexou a Crimeia, o representante de Moscou na península, Oleg Saveliev, está tendo problemas com uma tarefa aparentemente rotineira: pagar as contas.

Como todos nesta península disputada do Mar Negro, o ministro para a Crimeia está morando em uma terra de ninguém em termos de economia. Bancos internacionais como o UniCredit SpA, cartões de crédito como MasterCard e Visa, marcas globais como o McDonald's: todos desapareceram devido à aventura da Rússia na Ucrânia e ao confisco da Crimeia. No lugar deles, surgiu uma sociedade onde só se paga à vista, com inflação desenfreada, insuficiências crônicas e cada vez mais ansiedade por causa do conflito. Até mesmo as empresas russas estão se mantendo afastadas.

Antes de viajar para a Crimeia, Saveliev leva na mala maços de notas de rublos para pagar o hotel. Todos, até mesmo os ministros, devem pagar à vista.

"É assombroso", diz Saveliev, 49, sentado à mesa em um escritório do governo do lado do prédio do parlamento local, onde há um ano neste mês homens armados e mascarados levantaram uma bandeira da Rússia. Como muitos aqui, ele culpa a Ucrânia e seus aliados americanos e europeus pelos problemas econômicos da Crimeia.

A Crimeia, o retiro de verão dos czares, está enfrentando mais dificuldades do que o restante da Rússia de Vladimir Putin. Mas a região oferece um relance de como a economia do resto do país poderia ficar se os EUA e a União Europeia impuserem mais sanções contra a Rússia caso a última tentativa de um cessar-fogo no leste da Ucrânia fracassar.

Babel econômica

Nesta época do ano passado, os dois milhões de moradores da península, entre eles os da capital, Simferopol, moravam na Ucrânia. Hoje, após um trunfo esmagador em um referendo considerado ilegal pela Ucrânia e por seus aliados, eles moram na Rússia - e no que parece ser um estado de babel econômica.

Muitas empresas internacionais foram embora, mas poucas empresas russas chegaram. A maioria quer evitar possíveis penalidades em outros países por operar na Crimeia, vista pelos EUA e pela UE como um território ocupado, disse Nikolai Petrov, professor de Ciências Políticas da Escola Superior de Economia em Moscou.

Para muitas pessoas, a principal preocupação econômica é o constante aumento dos preços dos alimentos. Muitos produtos eram importados da Ucrânia, mas a recusa do governo em Kiev a reconhecer a fronteira implica que suas empresas não podem exportar de forma legal e direta à Crimeia. O bloqueio só não estrangulou as pequenas vendas de frutas e verduras frescas. Os poucos negócios que perduram são feitos à vista, segundo a Associação de Comércio da Crimeia. A maior parte da oferta vem de ferry da Rússia. O tempo ruim pode atrasar as remessas durante dias.

Isolamento

Talvez um dos maiores setores também seja o mais afetado: o turismo, do qual uma de cada três famílias depende. O número de visitantes na terra chamada de "paraíso" da Rússia por Grigori Potemkin, o amante de Catarina II, a Grande, declinou em um terço no ano passado, para 4 milhões, mostram dados do governo.

As autoridades locais dizem que estão trabalhando para aliviar a crescente sensação de isolamento melhorando o aeroporto de Simferopol e a linha de ferry do Estreito de Kerch.

Mas a verdadeira salvação da Crimeia não virá enquanto não houver uma união física com a Rússia, com uma ponte, disse o vice-primeiro-ministro da região, Mikhail Sheremet. Para isso, seus habitantes terão que esperar anos: projeta-se que a construção da ponte de 19 quilômetros sobre o Kerch não termine até o final de 2018, no melhor dos casos. A espera vai valer muito a pena, disse ele.

"Isso será para a Crimeia o que a 'Estrada da Vida' foi para Leningrado", disse Sheremet, em referência à única forma de entrar e sair da cidade, que agora é São Petersburgo, durante o cerco de 872 dias imposto pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. "Implicará que sempre vamos estar ligados ao restante da Rússia".