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Argentina boicota dívida em dólares para proteger fundos mútuos

Katia Porzecanski e Carolina Millán

24/09/2015 14h55

(Bloomberg) - O órgão regulador de títulos da Argentina disse que uma norma que muda a forma em que os fundos mútuos avaliam seus ativos reduziria a volatilidade e tornaria o setor mais seguro. Em vez disso, a medida desencadeou a maior corrida para venda no mercado local de "bonds" (títulos de dívida) em pelo menos uma década.

No dia 21 de setembro, a Argentina, que controla estritamente todo tipo de variáveis, das importações ao valor do peso, ordenou que os fundos mútuos contabilizassem todos os ativos denominados em dólares à taxa oficial de 9,4 pesos por dólar –em vez de uma taxa paralela mais fraca para as transações financeiras.

Essa taxa, que fechou a 14,1 no dia que a medida foi promulgada, sugere que os ativos subjacentes que pertencem aos fundos mútuos poderiam perder mais de 30% do valor por causa da mudança.

Antecipando amortizações, muitos fundos mútuos venderam seus títulos em vez de contabilizar prejuízos. Isso fez com que os títulos de dívida em dólares que vencem no mês que vem e são negociados localmente em pesos sofressem a maior queda desde que foram emitidos, há uma década.

Como a nova norma é muito mais abrangente do que as medidas similares promulgadas em 2012 e 2014 –que afetaram os ativos negociados exclusivamente no exterior, como alguns títulos corporativos–, ela acarreta que fundos com 109 bilhões de pesos (US$ 11,6 bilhões) em investimentos em renda fixa poderiam ter dificuldades para reter clientes e manter os lucros.

"O que eles fizeram é brutal", disse Rafael Di Giorno, diretor da Proficio Investment SA, uma gestora de recursos com sede em Buenos Aires. "Os investidores varejistas dirão 'Me dê meu dinheiro para eu poder tirá-lo daqui'".

Beneficiados

Hedge funds (fundos de cobertura) e empresas, que não são regulados pelo governo, estão se beneficiando com a oportunidade de comprar ativos em dólares com desconto, disse ele.

Os títulos de dívida atrelados ao dólar, que pagam aos investidores em pesos à taxa oficial, também tiveram alta procura por causa da medida. O governo vendeu cerca de US$ 4 bilhões desses títulos desde outubro.

A Câmara Argentina de Fundos Mútuos registrou uma queixa contra o órgão regulador de títulos, segundo o jornal "Cronista Comercial", com sede em Buenos Aires. A câmara não deu retorno a pedidos de comentários feitos por e-mail e telefonemas.

A reação dos fundos foi "exagerada" e politiza um problema contábil, disse o diretor do órgão regulador de títulos, Cristian Girard, em uma entrevista ao "Cronista". "Se o impacto sobre a rentabilidade for superior a 2%, vou sentar e revisar a medida".

A regulamentação afeta 5% dos investimentos em fundos mútuos e não prejudica os investidores porque os "bonds" continuam tendo o mesmo valor, disse o ministro da Economia, Axel Kicillof, em um comunicado na quarta-feira.

A Itaú Asset Management, a Santander Río Asset Management e a RJ Delta Fund Management disseram em fatos relevantes apresentados na quarta-feira que não aceitarão novos investidores em alguns de seus fundos mútuos enquanto não concluírem uma revisão do impacto da medida.

Títulos de dívida

A norma alveja títulos utilizados mais comumente no chamado swap à vista com liquidação, no qual os investidores compram dívida em dólares negociada no mercado local com pesos e vendem no exterior por dólares.

Consequentemente, o preço implícito dos dólares caiu para o nível mais baixo em um mês, o que provavelmente era o objetivo da medida do órgão regulador, disse Hernán Yellati, diretor de pesquisa da BancTrust Co.

Seguradoras e fundos mútuos foram afetados recentemente por uma medida que lhes exige investir uma porção de suas carteiras em projetos de infraestrutura, como títulos em pesos emitidos na terça-feira pela companhia estatal de petróleo YPF SA.

Outra preocupação para os investidores é que o governo possa estender a medida para os bancos e as seguradoras, disse Nicolás Chialva, economista da Delphos Investment. O atual governo sairá do poder no dia 10 de dezembro.

"É algo que não pode ser descartado", disse Chialva.