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Goldman pretende financiar expansão do Nubank na América Latina

Cristiane Lucchesi e Felipe Marques

23/05/2019 07h33

(Bloomberg) -- A presidente do Brasil estava enfrentando um processo de impeachment, os escândalos de corrupção e protestos estavam se espalhando e a economia estava caindo em uma das maiores recessões de todos os tempos. Para os bancos, isso significava contabilizar prejuízo em empréstimos. As instituições financeiras internacionais estavam deixando o país.

Era 2016 e o ??Goldman Sachs Group Inc. decidiu que deveria emprestar dinheiro a uma startup de São Paulo que buscava reinventar a indústria financeira do Brasil, começando com cartões de crédito com taxa zero.

A improvável aliança está dando resultado, mesmo com o crescimento do país ainda anêmico. A fintech, hoje amplamente conhecida no Brasil como Nubank, ou Nu Pagamentos SA, atingiu 8,5 milhões de clientes e foi avaliada em US$ 3,6 bilhões na última rodada de investimentos em suas ações. Se continuar expandindo no ritmo atual, em breve se tornará o quarto maior emissor de cartões de crédito na maior economia da América Latina, além de crescer no exterior do Brasil. O Goldman entrou cedo concordando em financiar as linhas de crédito dos clientes. Seus executivos dizem que estão ansiosos para ajudar o Nubank a crescer ainda mais.

"Temos a flexibilidade de investir de cima abaixo na estrutura de capital - seja fazendo empréstimos, comprando ações ou uma combinação de coisas", disse Jason Nassof, executivo do grupo de situações especiais do Goldman.

A parceria da startup brasileira com um dos principais bancos de investimento de Wall Street começou com três empreendedores que viram uma oportunidade no Brasil, mas que provavelmente não receberiam muito apoio do setor financeiro do país. No grupo de situações especiais do Goldman Sachs eles encontraram um banco que há muito tempo se orgulha em assumir riscos pelo preço certo. A instituição financeira com sede em Nova York estava embarcando em sua própria iniciativa de banco de consumo on-line sob a marca Marcus.

O Goldman Sachs não apenas teve uma chance de lucrar com um financiamento para o Nubank, mas também de iniciar um relacionamento com uma fintech que pode um dia precisar de um banco para ajudá-la em uma oferta pública inicial de ações - embora os principais sócios do Nubank digam que isso não acontecerá em breve.

O Goldman também teve uma visão interna sobre as perspectivas das empresas de tecnologia financeira na América Latina, um setor no qual o banco de Wall Street agora está buscando mais oportunidades.

E ao financiar o Nubank, o Goldman ajudou indiretamente os investidores em ações da startup liderados pelo Sequoia Capital Ltd. A poderosa empresa de venture capital detém participações em uma longa lista de unicórnios que algum dia precisarão escolher um banco de investimento.

Portas à prova de balas

Antes de ser co-fundador do Nubank, o presidente da fintech David Vélez passou dois anos no Sequoia tentando encontrar um investimento na América Latina. Em vez disso, ele encontrou um problema.

"Abrir uma conta bancária no Brasil é uma experiência surreal e dolorosa", disse ele, que é colombiano. "Você precisa passar por portas à prova de balas, tirar do bolso suas chaves, carteira e celular, e o alarme soará muitas vezes." Pode demorar 30 minutos para falar com um funcionário, disse ele, e depois há toda a papelada.

Vélez vê os bancos brasileiros como um oligopólio, cobrando altas margens com um serviço ruim ao cliente. Ele queria desafiá-los com um sistema on-line que permitisse às pessoas abrir contas ou adquirir cartões de crédito em uma fração do tempo. E ele continuou a enfrentar ceticismo: "As pessoas me disseram que os bancos nos esmagariam, que os reguladores nos esmagariam".

Mas ele convenceu Cristina Junqueira, uma veterana brasileira de cartões de crédito que trabalhava em uma joint venture entre o Itaú Unibanco Holding SA e o gigante de varejo Magazine Luiza SA. "Eu conhecia o setor e vi a oportunidade perfeita para provar que eles estavam errados, para construir algo que as pessoas realmente queriam", disse ela.

Eles e Edward Wible, um americano que começou sua carreira no Boston Consulting Group, criaram o Nubank em 2013. O Sequoia acabou sendo um dos primeiros fundos a aportar capital em 2014, fazendo do Nubank seu primeiro e único investimento no Brasil. Enquanto diversos fundos investiram US$ 420 milhões em ações do Nubank, o Sequoia continua sendo o maior acionista depois dos três sócios fundadores.

Suporte "caro"

Foi o Goldman Sachs, no entanto, que forneceu o primeiro empréstimo, de R$ 200 milhões em maio de 2016, usando uma estrutura de securitização de recebíveis. O crédito foi ampliado para R$ 455 milhões em agosto de 2017, com a participação do Fortress Investment Group. Os bancos não comentam o tamanho do empréstimo agora.

Velez, do Nubank, disse que as taxas de juros iniciais do Goldman eram "caras", mas ele creditou isso ao fato de o banco oferecer uma chance a eles quando os outros não o fizeram. "Começamos sem história, tentamos conversar com todos os investidores no Brasil e não encontramos ninguém para assumir o risco", disse ele. "À medida que nos tornamos uma empresa com fluxo de caixa positivo conseguimos negociar termos melhores."

O grupo de situações especiais do Goldman nasceu há mais de uma década de uma coleção de carteiras de negociação no exterior e unidades de empréstimo. Desde então, evoluiu para participar de uma grande variedade de acordos com empresas, muitas vezes fornecendo financiamento sob medida, mas às vezes assumindo participações. Posteriormente, o banco transferiu os ganhos do negócio da área de trading para a de investimentos e empréstimos. No início deste ano, o grupo concordou em fornecer à fintech Credijusto do México um empréstimo de US$ 100 milhões para apoiar seus empréstimos a pequenas e médias empresas.

A sede do Nubank fica em um prédio multicolorido, perto de um bairro boêmio, longe do distrito financeiro de São Paulo. Com tetos altos e concreto aparente, o clima é mais de uma startup de tecnologia do que uma sisuda instituição financeira.

O Nubank encontrou inspiração em bairros longínquos. Vélez é fã do Capital One Financial Corp., nos Estados Unidos, que por anos conseguiu um crescimento explosivo com uma mistura de análise de dados e marketing que ajudou a mudar o mercado de cartões de crédito. Eventualmente, o Capital One expandiu-se para outros serviços bancários. O Nubank recrutou um dos fundadores do Capital One, Nigel Morris, para seu conselho, e grande parte da equipe de crédito da startup brasileira também é de lá.

Vélez também viajou para a Rússia várias vezes para estudar o Tinkoff Bank JSC, um banco on-line. Então, há alguns anos, ele começou a ir para a China.

"Para mim, foi como viajar para o futuro, considerando a quantidade de tecnologia e dados que eles são capazes de usar em empréstimos", disse ele. A Tencent Holdings Ltd., operadora do WeChat, o aplicativo de mensagens que lida com pagamentos, acabou investindo US$ 180 milhões e adquirindo 5% do Nubank, de acordo com um relatório de outubro da Moody's Investors Service.

"Não precisávamos de capital nessa rodada, mas decidimos que a Tencent poderia ser um investidor realmente estratégico", disse Velez. "E estamos aprendendo muito com o que eles estão fazendo."

Agora o Nubank está inspirando inúmeras fintechs, como o Brubank SAU na Argentina.

Em fevereiro passado, o Nubank começou a oferecer empréstimos e, depois de obter uma licença de financeira do Banco Central no Brasil, pode levantar financiamento de varejo mais barato. Expandiu-se para o México este mês.

"Gostaríamos muito de ajudá-los a crescer nessa parte do mundo", disse Gaurav Seth, sócio do Goldman no grupo de situações especiais. "Estamos ansiosos para fazer mais negócios com o Nubank tanto no Brasil quanto fora do país."