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Conversa sobre impeachment reflete frustração com Bolsonaro

Raymond Colitt, Samy Adghirni e Simone Iglesias

24/05/2019 10h10

(Bloomberg) -- No início deste mês, a alta cúpula militar enviou uma mensagem clara ao presidente Jair Bolsonaro: controle seu exército digital de extrema-direita ou seu governo irá implodir.

Alçado à Presidência por um batalhão de militantes das redes sociais, Bolsonaro formou seu governo com uma mistura de radicais, pragmáticos e liberais econômicos. Em cinco meses de mandato, ele fez pouco para controlar a ala extremista, mesmo quando Congresso, Supremo Tribunal Federal e integrantes do próprio governo foram alvos. Oficiais das Forças Armadas, que compõem um terço do ministério e representam grande parte da facção moderada, têm enfrentado uma resistência interna particularmente cruel.

Desde a última cobrança feita pelos militares, as brigas em público diminuíram, mas a divisão e improvisação no governo, não. Os índices de aprovação de Bolsonaro estão em queda, antigos aliados que esperavam por um governo decisivo mudaram de lado e parlamentares começaram a abandonar o navio. O desânimo contaminou também os mercados financeiros, que haviam ajudado a colocar Bolsonaro no poder.

"Estou impressionado com o quanto Bolsonaro é fraco no quesito político. Ele fala muita coisa desnecessária e se mete em polêmicas e em xingamentos, que criam ambiente instável e de volatilidade", disse Renato Nobile, eleitor de Bolsonaro e presidente da Genial Advisory, que administra mais de R$ 30 bilhões em ativos. "Muita gente está querendo os militares de volta, Mourão é mais preparado que Bolsonaro", complementou. A Presidência não respondeu a um pedido de comentário.

O que está em jogo não é apenas uma agenda de reformas necessárias para impulsionar a economia, mas a sobrevivência de um presidente que questiona sua própria capacidade de governar. Nos corredores de Brasília, fala-se em renúncia ou mesmo em impeachment, ainda que de maneira incipiente. Essas conversas, no entanto, refletem mais a frustração com o presidente do que uma conspiração em andamento.

"Existe, sim, a possibilidade de votar o impeachment, é uma palavra que precisa ser considerada", disse Kim Kataguiri, deputado do DEM e um dos fundadores do Movimento Brasil Livre.

Enquanto em governos anteriores diferenças eram abafadas em público, as batalhas entre facções do governo Bolsonaro são travadas a céu aberto. Bate-bocas nas redes sociais dominam as manchetes, com o escritor Olavo de Carvalho, guru bolsonarista, e os filhos do presidente frequentemente colocando lenha na fogueira.

Ataques entre aliados envenenam a atmosfera em Brasília, complicando a agenda do Executivo no Congresso, como a tramitação da reforma da Previdência, fundamental para estabilizar a economia. À medida em que o impasse se aprofunda, a economia brasileira patina. A taxa de desemprego permanece elevada, em quase 13%, e a dívida pública está em nível recorde.

O índice de aprovação do presidente também sentiu o impacto. Pesquisa da Atlas publicada na terça-feira mostrou que a porcentagem de brasileiros que rejeitam seu governo supera o número de eleitores que o apoiam.

"É muito difícil imaginar que ele complete o mandato, porque está criando muitos problemas", disse Mauricio Santoro, professor de ciência política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Você consegue imaginar quatro anos disso?"

'Idiotas úteis'

Centenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas há dez dias para protestar contra o contingenciamento no orçamento da educação. A resposta beligerante de Bolsonaro - que chamou os manifestantes de "idiotas úteis" - só serviu para aumentar o número e a pressão de opositores.

Em resposta, alguns simpatizantes mais radicais de Bolsonaro convocaram manifestação pró-governo para o próximo domingo. Os aliados, no entanto, estão divididos sobre a agenda dos protestos e até sobre a pertinência da convocação.

"Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar", tuitou Janaina Paschoal, influente deputada estadual do PSL.

Bolsonaro mantém um núcleo sólido de seguidores e muitos de seus fãs mais radicais não ficarão de braços cruzados observando o líder que chamam de "mito" ser destronado ou passado para trás. O protesto de domingo indicará o quão forte ainda é sua base de eleitores. A aprovação da reforma da Previdência também pode restaurar a fé de alguns de seus apoiadores no mercado financeiro.

Por ora, um impeachment parece improvável. Para muitos parlamentares, seria um processo traumático, num momento de fragilidade econômica e apenas três anos depois de Dilma Rousseff ter sido destituída. Uma ideia alternativa para esvaziar poderes do presidente parece ganhar terreno.

"Se o governo não der certo, vamos para o parlamentarismo. Deixa o presidente lá, como rainha da Inglaterra. Não precisa tirar", disse o deputado José Nelto, líder do Podemos.

--Com a colaboração de David Biller e Aline Oyamada.

Repórteres da matéria original: Raymond Colitt em Brasilia, rcolitt@bloomberg.net;Samy Adghirni em Brasilia, sadghirni@bloomberg.net;Simone Iglesias em Brasilia, spiglesias@bloomberg.net