Imposto de 30% para viajar ao exterior desafia classe média na Argentina
Pablo Ramón Ochoa e José Manuel Rodríguez.
Buenos Aires, 28 dez (EFE).- Argentinos que podem pagar o "luxo" de passar férias no exterior em meio à crise econômica que abala o país viram as viagens ficarem 30% mais caras com a nova lei de solidariedade social do governo de Alberto Fernández.
Com o verão batendo à porta, a lei publicada no Diário Oficial da Argentina nesta semana inclui um imposto de 30% sobre as compras em moeda estrangeira no exterior e as passagens de avião. Também serão taxadas as compras de divisas que não sejam o peso argentino, usadas não só nas viagens, mas também internamente, já que a maioria da população faz poupanças em dólares para tentar driblar a inflação galopante.
O imposto foi batizado como "PAÍS" pelo governo, sigla que corresponde ao lema "Para uma Argentina Inclusiva e Solidária", e será cobrado nos próximos cinco anos.
TAXA DIVIDE OPINIÕES.
O presidente da consultoria Singerman & Makon, Pablo Singerman, explicou em entrevista à Agência Efe que o imposto "caiu muito mal" entre a classe média, a faixa que mais viaja na Argentina. No entanto, ele considera a motivação justa. Em situação econômica extremamente crítica, o país não tem dólares suficientes para atender à demanda por divisas estrangeiras.
Frederico Freire é um jovem afetado pelo imposto. Ele viaja ao exterior todos os anos e pensa em sair da Argentina mais uma vez daqui a seis meses. Para ele, porém, a taxa extra não é um incômodo.
"Vai custar um pouco mais para planejar a viagem, mas temos que ser mais solidários com o restante da população. Assim, o país poderá seguir em frente", afirmou Freire.
Esta é a mesma mensagem enviada pelo governo desde que o novo ministro da Economia, Martín Guzmán, anunciou o novo imposto. Incumbido da missão de tirar o país do atoleiro, ele explicou que a taxa terá uma função redistributiva: 70% do dinheiro arrecadado com ela será destinado a financiar programas de seguridade social e o restante para obras com o mesmo fim.
Nem todos, porém, compraram a ideia de solidariedade proposta pelo governo. A estudante Maria Luján Nauri, por exemplo, disse que a classe média "sempre paga o pato" quando a economia do país entra em crise. Para ela, o imposto é um motivo para não viajar ao exterior.
"É um roubo", resumiu a estudante.
Ela sentiu na pele a última desvalorização do peso argentino. A moeda do país despencou em relação às principais divisas mundiais enquanto ela estava na Europa, o que a fez gastar três vezes mais que o planejado no cartão de crédito.
No entanto, Nauri destacou a capacidade dos argentinos para se adaptar a mudanças econômicas bruscas. "Estamos acostumados a isso", comentou.
TURISMO EM QUEDA.
O imposto afeta um setor que já vivia uma crise desde o início da desvalorização do peso em abril de 2018, sob o governo do agora ex-presidente Mauricio Macri.
"A desvalorização do peso teve um impacto muito maior sobre o setor do turismo do que esses 30%. No início de 2018, um dólar valia 20 pesos. Agora, antes do imposto, passou a valer 63", explicou Singerman.
Com a taxa de Fernández, ficou ainda mais caro para os argentinos comprarem a moeda americana. No câmbio oficial, o preço de um dólar subiu para 82 pesos. No mercado paralelo, chamado de "dólar blue", o valor cai um pouco - quase 77 pesos -, o que pode ter efeitos sobre a arrecadação do governo.
O economista prevê um impacto negativo em um primeiro momento para o turismo argentino no exterior, piorando um cenário que já não era bom. De janeiro a outubro de 2019, quase 3 milhões de pessoas fizeram viagens para fora do país, uma queda de 12,1% em relação ao mesmo período de 2018, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
Há críticas também à isenção concedida à estatal Aerolíneas Argentinas, cujas passagens estão livres da cobrança do imposto, o que gerou mal estar entre as concorrentes que atuam no setor aéreo do país.
Para Singerman, os países que fazem fronteira com a Argentina são os que mais devem perder com o imposto, já que são os destinos escolhidos por famílias com menos recursos.
Brasil (351 mil turistas argentinos), Chile (291 mil) e Uruguai (173,9 mil) foram os três destinos mais escolhidos pelos argentinos no verão de 2019, à frente de Estados Unidos e Canadá (182 mil), segundo o Indec.
EUA, Canadá e Europa também serão afetados, na avaliação do economista, mas o impacto tende a ser menor. Singerman explicou que os turistas que tradicionalmente escolhem esses destinos têm dinheiro o suficiente para lidar com o impacto do imposto.
A ministra do Turismo do Uruguai, Liliam Kechichian, confessou estar preocupada com a decisão do governo da Argentina. Para ela, o imposto é "um golpe muito negativo" para a economia uruguaia. EFE
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