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Em disputa familiar, Odebrecht abre investigação contra Marcelo

Renée Pereira, Cynthia Decloedt e Mônica Scaramuzzo

São Paulo

22/12/2019 09h00Atualizada em 23/12/2019 18h12

A Odebrecht abriu investigação interna para identificar eventuais delitos cometidos por Marcelo Odebrecht em meio à briga que trava com o pai, Emílio, e os atuais executivos pelo comando do grupo, apurou o jornal Estado de São Paulo. Os resultados da investigação, aberta nos últimos dias e conduzida pelo escritório Veirano Advogados, devem ser conhecidos em até dois meses e serão entregues ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA, onde Marcelo firmou acordo de delação premiada.

A investigação foi pedida pelo conselho de administração do grupo, por meio do comitê de conformidade do conglomerado, e também vai apurar eventuais irregularidades de executivos e ex-funcionários do grupo.

Uma das bases da investigação é um documento secreto, assinado pela Odebrecht e Marcelo no dia 16 de novembro de 2016, duas semanas antes do fechamento do contrato de leniência do grupo e de 77 delatores com o MPF. No documento, em que as partes se obrigam a manter em sigilo por 20 anos e ao qual o jornal O Estado de São Paulo obteve acesso, Marcelo exigiu, como contrapartida ao aceite da delação, o recebimento de R$ 143 milhões - além do pagamento da multa de indenização, que foi de R$ 73,4 milhões.

Deste total de R$ 216,4 milhões, cerca de R$ 70 milhões foram pagos por meio de um título de previdência (VGBL) emitido pela seguradora Sul América em nome da mulher de Marcelo, Isabela, e de suas três filhas. O pagamento aos familiares de Marcelo foi efetuado no dia 29 de novembro daquele ano, dois dias antes da assinatura final da leniência da Odebrecht.

Pelas regras da delação, o colaborador é obrigado a revelar todo o seu patrimônio. Segundo apurou o Estado, Marcelo não teria revelado o título de previdência às autoridades, o que configura uma violação da delação, uma vez que houve a transferência de recursos para familiares, condição também aceita pela Odebrecht.

Nos termos do acordo secreto, a Odebrecht alega que o acerto foi feito porque a delação de Marcelo era "imprescindível para a continuidade das atividades empresariais" do grupo.

Caso seja provada a violação, o acordo de delação premiada poderá ser rescindido. Na prática, isso significa que o delator perde sua imunidade frente aos crimes praticados. Conforme estabelecem os termos da delação, os depoimentos, documentos e provas apresentados à Justiça são mantidos. Marcelo Odebrecht foi condenado a mais de 30 anos de prisão por crimes de corrupção, mas o acordo de delação premiada reduz os efeitos da punição.

Outra linha investigatória, segundo apurou a reportagem, é a formação de um "poder paralelo" de executivos com funções duplas dentro de várias empresas do grupo Odebrecht, que estariam colaborando para municiar Marcelo com informações sobre o conglomerado. De acordo com uma fonte, a nova direção do grupo demitirá, até janeiro, esses executivos.

A investigação apura também outras violações ao acordo de delação. Segundo apurou o Estado, Marcelo também mantém contato com outros delatores, prática vedada.

Procurado, Marcelo Odebrecht afirmou, por meio de sua assessoria, que "esta é mais uma atitude rancorosa e vingativa por parte de Ruy Sampaio (presidente executivo do grupo desde segunda-feira) em retaliação à petição que recém protocolei na PGR sobre o Refis da Crise e atos de obstrução à Justiça. Posso assegurar que, de minha parte, não existe nenhuma ilegalidade a ser ainda comunicada às autoridades".

Na autodeclaração entregue à PGR, Marcelo denuncia fatos contra seu cunhado Maurício Ferro, casado com Mônica Odebrecht, e que foi ex-vice-presidente jurídico da companhia; além de Newton de Souza, ex-executivo do grupo, braço direito de Emílio. A Odebrecht e o escritório Veirano não comentaram o assunto.

Briga familiar preocupa

A briga entre pai e filho pelo poder do grupo Odebrecht, que está em recuperação judicial, se acentuou com a demissão por justa causa de Marcelo Odebrecht na sexta-feira, a pedido de Emílio. O grupo alega que Marcelo foi exigindo mais recursos do que previamente combinado, fazendo ameaças aos executivos. Essa disputa acabou levando à troca de comando, com a saída de Luciano Guidolin e a entrada do novo presidente do grupo, Ruy Sampaio, na segunda-feira.

Homem de confiança de Emílio, Ruy Sampaio acusa Marcelo de chantagear e montar um esquema de extorsão dos atuais executivos em busca de "dinheiro e poder" para voltar ao comando do grupo.

A disputa familiar preocupa os credores da empresa, que entrou em recuperação judicial, com dívidas declaradas de R$ 55 bilhões. O plano de reestruturação deve ser votado em janeiro.

'Houve um escalada de rancor e vingança por parte de Ruy Sampaio', diz Marcelo Odebrecht

Após ser demitido ontem (20) da própria empresa, por e-mail, Marcelo Odebrecht pediu à diretoria de compliance do grupo o afastamento do diretor presidente Ruy Sampaio, por violação de conduta. Em troca de mensagens com diretores da área de governança, obtida pelo 'Estado', o empresário afirmou que a medida é importante para 'restabelecer a normalidade na condução dos negócios da empresa, neste momento de profunda gravidade'.

Segundo ele, por trás da demissão, está sua decisão de protocolar na Procuradoria-Geral da República (PGR) uma autodeclaração sobre os temas divulgados na mídia nos últimos dias. Para Marcelo, trata-se de uma retaliação pessoal e caracteriza mais uma grave obstrução à Justiça. "Fica evidente que por causa da autodeclaração houve esta escalada recente de rancor e vingança por parte de Ruy Lemos Sampaio."

No e-mail enviado à Olga Pontes, chefe de compliance da Odebrecht, Marcelo afirma que o executivo, na qualidade de diretor presidente da empresa, se utiliza de informações protegidas e entregues no âmbito do compliance e dos comitês de ética, a que teve acesso na condição de conselheiro, para tomar ações contra o denunciante. "Essa violação representa, por si, afronta definitiva ao Código de Conduta da Odebrecht e à sua governança", o que justificaria seu afastamento.

A briga entre Marcelo e Sampaio se intensificou com a troca de comando da Odebrecht, no início da semana. Luciano Guidolin, que estava à frente do grupo desde maio de 2017, foi substituído por Ruy Sampaio, desafeto de Marcelo e homem de confiança de Emílio, o patriarca da família Odebrecht.

Na quinta-feira, o vazamento de uma série de e-mails de Marcelo azedou ainda mais o clima com seu pai. Nas mensagens, ele afirmava que Emílio era o responsável pela recuperação judicial da empresa. No dia seguinte, Sampaio concedeu entrevista e afirmou que Marcelo havia feito chantagem com o grupo para assinar o acordo de delação com o Ministério Público Federal. Em troca, teria recebido R$ 240 milhões.

Nos e-mails enviados ontem aos diretores de compliance, Marcelo afirma que sua minuta de petição havia vazado na mídia e, por isso, protocolou a autodeclaração na PGR. "Ontem (quinta-feira) passei o dia inteiro tentando apagar o fogo que espalharam na mídia. Missão quase impossível com tanto incendiário querendo prejudicar a empresa, proteger seus próprios interesses e explodir relações familiares."

No fim do dia, Marcelo voltou a escrever para os diretores inconformado com as declarações da empresa de que sua demissão havia sido definida pelos monitores externos independentes do Ministério Público Federal e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ). "Acabei de saber pela imprensa que a empresa está se posicionando dizendo agora que minha demissão foi por conta dos monitores. O que obviamente não condiz com o comunicado enviado diretamente por Ruy Sampaio hoje (ontem) cedo."

Marcelo completa ainda que o tema estava suspenso até que "se avaliasse com o DoJ a questão da manipulação dos meus relatos que a própria empresa confirmou em carta assinada por meu pai (Emílio), Newton de Souza, Adriano Jucá e Mauricio Ferro".

Para completar, o empresário diz ainda que há mais de quatro anos não tem nenhum poder de direito ou de fato dentro da empresa, estando completamente afastado das decisões e com dificuldade de obter informações necessárias para a efetividade de seu acordo. "Hoje, na prática, só posso fazer o que qualquer cidadão pode: expressar minha opinião. O que acho que no fundo amedronta, é que todos sabem que na qualidade de colaborador, tendo assumido meus erros e com toda minha vida tendo sido devassada, me expresso sem amarras, comprometido apenas com a verdade e na busca do que é o certo."

E termina: "Vou continuar nessa linha, e só indo a empresa pontualmente quando demandado, como fiz até agora, tendo ido aí pontualmente e em apenas 11 ocasiões desde que pude sair de casa em setembro, ao contrário do que procuram propagar".

Em nota, a Odebrecht, por sua vez, informou que o Conselho de Administração da empresa acatou a recomendação dos monitores do MPF e do DOJ dos EUA. "A decisão de demissão, portanto, foi do Conselho de Administração, composto por cinco membros, dos quais três independentes", informou o grupo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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