MPF e MPT pedem revogação de portaria que dificulta libertação de escravos
O MPF (Ministério Público Federal) e o MPT (Ministério Público do Trabalho) enviaram, nesta terça-feira (17), uma recomendação ao Ministério do Trabalho pedindo a revogação da portaria que reduziu o conceito de trabalho escravo, publicada ontem no "Diário Oficial da União". Para os procuradores federais e do trabalho, a portaria é ilegal e contraria o código penal e convenções internacionais.
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Os dois órgãos deram um prazo de dez dias para que o governo se manifeste sobre o assunto. Caso o governo não se manifeste, a tendência é que o MPF e o MPT ingressem com ações judiciais pedindo a revogação da portaria.
A recomendação feita pelo MPF e pelo MPT é a primeira reação institucional à portaria assinada pelo ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira. Até a edição da portaria, o trabalho em condição análoga à escravidão era caracterizado por quatro elementos: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva.
A portaria publicada ontem, porém, estabelece que o cerceamento à liberdade dos trabalhadores é essencial para a caracterização das chamadas “condições degradantes” e da “jornada exaustiva”.
Segundo os procuradores, a portaria é ilegal e traz “conceitos equivocados”. “[A portaria] é manifestamente ilegal, porquanto contraria frontalmente o que prevê o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho ao condicionar a caracterização do trabalho escravo contemporâneo à restrição de liberdade de locomoção da vítima”, diz um trecho da recomendação feita pelo MPF e MPF.
Os procuradores dizem ainda que “a referida portaria traz conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizantes do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas, em descompasso com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
Os procuradores também criticam outra mudança imposta pela portaria referente ao acesso à chamada “lista suja do trabalho escravo”, um cadastro organizado pelo governo com os nomes de empregadores flagrados mantendo trabalhadores em situação análoga à escravidão. Agora, a divulgação do cadastro, que antes ficava sujeito à uma área técnica do ministério, agora fica ligado à uma determinação do próprio ministro do Trabalho.
Segundo os procuradores, essa alteração fragiliza “um importante instrumento de transparência dos atos governamentais que contribui significativamente para o combate ao trabalho escravo contemporâneo”.
Na última segunda-feira (16), o Ministério do Trabalho publicou uma nota em seu site oficial comentando a portaria. Segundo o órgão, a portaria “dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador”.
A nota não menciona, em momento nenhum, a mudança a inclusão do conceito de cerceamento de liberdade para caracterização das “condições degradantes” e da “jornada exaustiva” como elementos para configurar o trabalho em condição análoga à escravidão.
A nota continua dizendo que “o combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta”.
Um projeto de decreto legislativo, de autoria de Alessandro Molon (Rede-RJ), também pede que sejam sustados os efeitos da portaria. Segundo o deputado diz no documento, "a portaria restringe ilegalmente o conceito previsto na lei e consagrado há décadas na jurisprudência".
"Por entender que tais medidas afrontam a lei e provocam severos prejuízos à política de combate ao trabalho escravo no país, sem que haja a participação efetiva do Poder Legislativo, é que proponho o presente Projeto de Decreto Legislativo com vistas à sustação dos efeitos da portaria em epígrafe, trazendo de volta ao Parlamento a prerrogativa de legislar sobre tão importante matéria."
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