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Com o boicote ao Facebook, onde vai parar o dinheiro dos anúncios?

Renato Pezzotti

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/07/2020 14h58

Esta semana marcou o início do terceiro "grande boicote" publicitário de marcas ao Facebook —iniciativas assim já haviam acontecido em 2013 e 2017. Segundo especialistas da área, o movimento deste ano, porém, deve ser o mais difundido (e duradouro) que já existiu.

Desde o lançamento do movimento Stop Hate For Profit ("pare de dar lucro ao ódio", em tradução livre), em meados de junho, quase 300 marcas se uniram à iniciativa. O movimento pedia às marcas que parassem de anunciar no Facebook, nos Estados Unidos, por 30 dias, durante o mês de julho.

Marcas como Adidas, Coca-Cola, Pepsico, Volkswagen e Unilever, entretanto, foram além. Ao lado de outros anunciantes (veja uma lista mais completa aqui), as empresas anunciaram que o boicote publicitário será global, envolverá outras plataformas (como Twitter e YouTube) e não será apenas neste mês. Em alguns casos, as empresas prometeram só voltar a anunciar quando o Facebook tomar medidas mais duras em relação ao discurso de ódio difundido pela rede.

Mas o boicote pode ser mais extenso do que isso? Será que surtirá efeito? E para onde irão as verbas que deixarão de ser investidas no Facebook?

Para Michel Lent, especialista em marcas e serviços digitais, a "bronca" deve servir de lição.

"O boicote é muito relevante, pois chama a atenção para o problema do discurso do ódio e da manipulação da informação. Entretanto, neste momento, não me animaria com a migração de verbas para outras mídias. O boicote, neste momento, me parece mais um 'vai dormir essa noite no sofá' do que um divórcio", afirmou o executivo.

Redes sociais são imbatíveis em escala

Lent lembra que as marcas continuam precisando de escala para bater suas metas —e, nesse contexto, as redes sociais são imbatíveis. "As plataformas de redes sociais oferecem essa mistura de abrangência dos milhões de consumidores com a calibragem do 'um só', o que é realmente singular", declarou.

O discurso é parecido com o de Alexandra Avelar, diretora da Socialbakers no Brasil. "Movimentos como estamos vendo não cravam o fim do Facebook, mas são importantes para uma transformação da plataforma. Veremos, também, marcas preocupadas em adotar e reforçar posturas empáticas, legítimas, e valores sólidos. As estratégias precisarão estar cada vez mais alinhadas com a posição real da empresa", disse a executiva da empresa, especializada em mídias sociais.

Família de apps garante volta das marcas

Para Alexandra, o retorno das marcas às redes sociais de Mark Zuckerberg é inevitável, devido à família de aplicativos da empresa, como Instagram e WhatsApp. Mas, segundo a executiva, o movimento acende uma luz amarela para a companhia.

"As empresas acabam retomando os investimentos, principalmente por causa do grande público engajado que ele mantém. O que veremos agora é uma ligeira priorização do acesso orgânico, sem investimentos de mídia. Também acompanharemos uma busca por redes e modelos alternativos ao líder Facebook, o que não deixa de ser bastante positivo para o desenvolvimento de novas estratégias", disse.

"Anunciantes voltarão", diz Zuckerberg

Esse retorno já é esperado por Zuckerberg, presidente executivo da companhia. Segundo o site americano The Information, o executivo estaria relutante a encarar o movimento e chegou a apostar que os anunciantes voltariam para a plataforma em breve.

Para Zuckerberg, a maior preocupação é relacionada à reputação e parcerias de sua empresa —e, não, necessariamente às finanças. "Não mudaremos nossas políticas por causa de uma ameaça a uma pequena porcentagem de nossa receita ou para qualquer porcentagem de nossa receita", ainda teria dito o executivo, em uma reunião virtual com colaboradores.

Hoje, uma parte considerável do que o Facebook fatura vem de pequenos anunciantes —segundo estudo feito pela Bloomberg, caso a rede perca 25 de seus 100 maiores anunciantes, a queda na receita em um trimestre seria de US$ 250 milhões. Pouco para uma empresa que fatura US$ 17 bilhões em três meses.

Mas é a hora da revanche?

Segundo o AdAge, os 100 principais anunciantes do Facebook já deixaram de investir na rede, refletindo os primeiros efeitos do boicote. O estudo foi feito pela Pathmatics, empresa de dados e análises, a pedido do site.

Em 1 de julho de 2019, os 100 principais anunciantes colocaram US$ 13,8 milhões na rede, nos EUA. Este ano, o valor foi de US$ 11,2 milhões —uma queda de 18,3%. Os dados mostram que algumas das principais marcas que aderiram ao protesto pareciam cumprir o compromisso.

Starbucks, Target e PepsiCo estavam entre os 50 principais investidores em anúncios no ano passado, mas não estão na lista dos 100 melhores em 1º de julho.

Entretanto, os 100 principais anunciantes representam apenas pequena uma fatia dos mais de 8 milhões de empresas que compram anúncios do Facebook.

Inteligência para enxergar novos caminhos

Para Eric Messa, gestor do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, pode ter chegado a hora da "vingança" das marcas. "O Facebook continua sendo um importante canal de mídia. Mas as marcas mais inteligentes já estão tomando novos caminhos em outras plataformas, como Pinterest, TikTok e até mesmo em redes mais nichadas, como o Fortnite".

Messa lembra que a definição de novos algoritmos pelo Facebook, que deixaram as marcas mais distantes dos consumidores, tem papel importante em movimentos como este. "Além da evasão dos mais jovens, há uma visão mais crítica, que desconfia da privacidade dos dados no Facebook, se incomoda com a intolerância e o discurso de ódio e, por fim, vê pouca relevância e muita desinformação rolando no feed", declarou.

Para o acadêmico, uma das saídas para as marcas é apostar numa relação direta com seu público. "Ampliar parcerias com produtores de conteúdo e influenciadores digitais, bem como começar a experimentar uma aproximação com nanoinfluenciadores, pode ser uma solução bastante eficiente para fugir das limitações impostas pelo algoritmo. Isso também leva a uma presença constante nas conversações das redes sociais, em diferentes plataformas, a partir do perfil dos próprios usuários", afirmou Eric.