6 anos após Mariana, Samarco, MPF, Justiça e estados discutem novo acordo
Mediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um novo acordo envolvendo o maior desastre ambiental do Brasil está na mesa de quase 20 partes neste momento. Em novembro, o rompimento da barragem de Mariana, de propriedade das mineradoras Samarco, Vale e BHP, completa seis anos.
O CNJ, as empresas, o Ministério Público, Defensorias e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo querem, agora, resolver em 120 dias questões complexas que seguem sem solução até hoje.
Vale e BHP só aceitaram se sentar à mesa após a suspensão de três processos contra elas: uma ação civil pública do MPF, que pede R$ 155 bilhões, um pedido de extinção da Fundação Renova, criada para reparar o desastre, e um processo contra a Renova por publicidade indevida. Não houve contrapartidas. Com a suspensão, foi lançada na sexta-feira (23) uma carta de premissas para iniciar as negociações.
A carta inclui na negociação a análise das indenizações para vítimas do desastre calculadas por meio de um sistema lançado no ano passado e que se espalhou pelas cidades da bacia do Rio Doce, o "Sistema Indenizatório Simplificado". Segundo o MPF, o sistema é ruim porque os valores das indenizações são "aleatórios", ou seja, definidos por um juiz, sem uma análise técnica. Além disso, para aderir a ele, as vítimas precisam abrir mão dos seus direitos, renunciando a eventuais ações contra as empresas no Brasil e no exterior.
Nesta terça (27), um tribunal da Inglaterra aceitou reabrir o processo movido lá contra a BHP por Mariana, no valor de R$ 35 bilhões, representando mais de 200 mil pessoas e instituições no Brasil.
[O MPF entrou com vários recursos contra esse sistema de indenizações desde que ele surgiu. Para o órgão, trata-se de um modelo de indenização ilegítimo, que lesa a maioria dos atingidos, com pedidos formados por comissões que surgiram da noite para o dia, inclusive com assinaturas falsificadas, e que não podem impor à maioria as suas decisões - em reuniões fechadas com o juiz.
Juiz acusado de suspeição inicia a nova negociação
A adoção do sistema contou com a orientação do juiz federal responsável pelo caso, Mário de Paula Franco Júnior. Reportagens exclusivas divulgadas no Observatório da Mineração mostraram vídeos do juiz orientando advogados de supostas comissões de atingidos no Espírito Santo, o que é vedado pelo Código de Processo Civil.
Em uma das reuniões, Mário de Paula chega a dizer que "é preciso separar as lideranças" entre "as boas e más". As boas seriam aquelas que não questionam o sistema. As más, os atingidos que discordam do modelo e lutam por seus direitos.
As reportagens serviram de base para um pedido de suspeição do juiz feito por MPF, Ministérios Públicos Estaduais de MG e ES e Defensorias da União dos dois estados. Em carta, mais de 140 juristas e instituições também defenderam a suspeição do juiz. O pedido segue pendente de julgamento pelo plenário do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Até agora, a Fundação Renova já pagou R$ 1,6 bilhão por esse sistema. Advogados embolsaram R$ 160 milhões, considerando os 10% que Mário de Paula determinou como comissão. Muitos deles aparecem nos vídeos, sendo orientados pelo juiz. Também há vários casos de advogados fechando acordos por fora, levando até 30% da indenização de cada atingido.
O próprio Mário de Paula articulou a mediação do acordo pelo CNJ.
O Observatório da Mineração questionou as instituições que participam do acordo sobre a proposta de adoção ampla do sistema criticado pelo próprio MPF. O procurador Carlos Bruno Ferreira, coordenador da força-tarefa Rio Doce, desde junho, afirmou que não pediu a suspensão porque o MPF procurou respeitar a autonomia das pessoas que aceitaram aderir a esse sistema de indenizações. CNJ, MPs e Defensorias não deram explicações.
O CNJ afirmou somente que, "no papel de conciliador, não emite juízo de valor e atua para que as partes envolvidas consensuem as melhores condições para que o acordo seja frutífero e garanta as devidas reparações às pessoas atingidas pelo desastre".
O juiz Mário de Paula disse, em nota, que "não se manifesta sobre processo em andamento".
Segundo Carlos Bruno, do MPF, Mário de Paula não participa diretamente da mesa de negociação e teve o papel apenas de pedir a mediação do CNJ, já que seria "absolutamente inadequado" que o juiz participasse das negociações.
Ações judiciais suspensas
Para Bruno, do MPF, uma ação civil pública de 2016, que pede R$ 155 bilhões em reparação, deve servir de referência para a definição dos valores de reparação, uma vez que os valores foram baseados em "estudos técnicos". Desde então, outros estudos foram feitos, sobretudo envolvendo a qualidade da água do rio Doce e do mar. Essa é a ação que foi suspensa agora, a pedido das empresas.
A Renova e as mineradoras dizem que o rio foi recuperado, mas pessoas atingidas rebatem, afirmando que seu modo de vida e sua renda foram comprometidos, com a proibição da pesca proibida e problemas na agricultura.
Foi justamente por anunciar em vários veículos de mídia a "boa qualidade da água" do rio Doce que a Renova foi processada pelos Ministérios Públicos, que alegaram propaganda enganosa e abusiva. Essa ação também está suspensa agora.
Negociações paralelas
Na semana passada, reportagens afirmaram que o governo de Minas Gerais teria pedido R$ 100 bilhões para Vale e BHP e que isso teria causado "surpresa" nas mineradoras.
De acordo com apuração do Observatório da Mineração, essa "antecipação" de valores pegou muitos de surpresa e não foi tratada oficialmente. O pedido indica a formação de grupos distintos na mesa de negociação, colocando Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, as empresas e parte do Judiciário em um lado e MPs, Defensorias e os demais no outro.
O governo do Espírito Santo, por exemplo, não aceitaria ficar com R$ 20 bilhões desse montante, considerando que foi tão ou mais atingido do que Minas Gerais em termos de pessoas e de impactos ambientais no rio e no mar.
Fontes ouvidas pela reportagem estranharam essas divulgações e afirmaram haver um desconforto em constatar que estão ocorrendo negociações paralelas.
Em nota, o governo de Minas afirmou que tem a ação civil pública de 2016 como base, mas que "não fez nenhuma definição relativa a valores, o que, como ocorreu no Termo de Medidas de Reparação relativo a Brumadinho, só ocorrerá por meio das tratativas que incluem todos os atores envolvidos e que já se iniciaram, abordando, antes de valores, a governança e outros aspectos que garantam efetividade e celeridade à reparação".
Recentemente, o governo de Minas assinou um acordo de R$ 37 bilhões com a Vale para reparações por outro desastre, de Brumadinho. O valor é menor que o pedido inicialmente, de R$ 54 bilhões, e considerou um desconto de R$ 6,2 bilhões que já teriam sido pagos pela Vale. O acordo foi criticado por ambientalistas e movimentos sociais porque mais de 70% do dinheiro será distribuído para todo o estado e para obras públicas que podem favorecer a reeleição de Zema.
Procurado, Zema afirmou que "o propósito do governo de Minas, ao lado desses outros atores e espelhado no modelo positivo do Termos de Brumadinho, é, a partir dessa articulação ampla, com a participação de todas as partes envolvidas e atingidas, tornar mais efetivo, célere e justo esse processo de reparação".
Mineradoras dizem que estar comprometidas com reparação
A Vale foi procurada pela reportagem, mas não quis responder perguntas específicas sobre o caso. Disse apenas que "permanece empenhada e comprometida com o processo de mediação no CNJ e espera que a repactuação dos programas produza soluções definitivas, eficientes, céleres e objetivas para sanar as eventuais controvérsias técnicas de difícil solução".
A BHP afirmou que "apoia o processo de renegociação que está sendo realizado pelo CNJ e está absolutamente comprometida com as ações de reparação".
A Samarco disse que, "nesse momento, após definição de princípios do processo de repactuação, as discussões concentram-se nos programas de reparação, e não em seus respectivos custos".
A Fundação Renova afirmou que "a carta de princípios assegura que a discussão de repactuação não implica paralisação, suspensão ou descontinuidade de quaisquer programas ou projetos atualmente em desenvolvimento".
A Defensoria Pública da União disse que ficaria com a resposta do CNJ. O MP de MG afirmou que a agenda do Procurador-Geral de Justiça, Jarbas Soares Junior, está lotada no momento. As Defensorias do Espírito Santo e de Minas Gerais e o governo do Espírito Santo não retornaram.
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