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Nova reforma trabalhista incentiva ou precariza emprego? Analistas opinam

Filipe Andretta

Do UOL, em São Paulo

11/08/2021 19h21

Com apoio do governo, a Câmara dos Deputados transformou uma medida provisória em reforma trabalhista que cria três programas, além de mudar uma série de pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Enquanto o projeto avança (falta aprovação no Senado e sanção presidencial), especialistas discutem se as medidas incentivam a contratação e a qualificação de trabalhadores ou se são formas de precarização do trabalho.

Inicialmente, a MP 1.045/2021 foi publicada com o objetivo de recriar o BEm —benefício emergencial para empregados que tiveram jornada e salários reduzidos durante a pandemia. Mas o relator do projeto na Câmara, deputado Christino Áureo (PP-RJ), incluiu uma série de novidades, dentre elas, três programas:

  • Programa Nacional de Serviço Social Voluntário: Trabalho em prefeituras, sem carteira assinada nem direito a férias, 13º salário e FGTS. Jornada máxima de 48 horas por mês com salário mínimo proporcional.
  • Requip: outra modalidade sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas e previdenciários, no qual o trabalhador recebe uma bolsa e vale-transporte e faz um curso de qualificação.
  • Priore: incentivo ao primeiro emprego para jovens e estímulo à contratação de maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses; empregado recebe um bônus no salário, mas seu FGTS é menor.

Presidentes de onze centrais sindicais criticaram os "jabutis" na MP. Elas afirmam que o texto precariza vagas de trabalho que ficam sem carteira assinada.

O relator nega que haja redução de direitos. "Esses programas promovem incentivos para que as empresas possam se sentir compelidas a fazer com que as vagas que surjam na retomada da economia sejam direcionadas aos jovens em situação de maior vulnerabilidade social, os mais pobres e pessoas acima de 55 anos", afirmou Áureo.

Redução de direitos viabiliza vagas, diz economista

Para o economista Fernando Barbosa Filho, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), os programas apontam na direção certa porque incentivam a contratação de grupos que historicamente têm altas taxas de desemprego: jovens em busca da primeira oportunidade e pessoas mais velhas que precisam de qualificação para reinserção no mercado.

Não vejo como subemprego. São programas de qualificação profissional para que depois a pessoa tenha oportunidade de emprego.
Fernando Barbosa Filho, professor da FGV

Para Barbosa Filho, a redução dos direitos trabalhistas nos três programas são uma forma de viabilizar a contratação dos grupos mais afetados pelo desemprego. Essas contratações são temporárias (duração máxima de 24 meses) e ajudariam o trabalhador a conseguir um emprego formal em seguida, segundo ele.

O economista diz que a principal dúvida é se grupos que estão fora dos critérios do Priore e do Requip serão prejudicados com a falta de vagas, principalmente em setores que não exigem muita qualificação.

Juiz do trabalho afirma que programas são ilegais

Para Guilherme Feliciano, juiz do trabalho e professor da USP (Universidade de São Paulo), os programas são inconstitucionais porque, além de negar direitos básicos, o texto cria uma diferença de tratamento entre trabalhadores dentro de uma mesma empresa, o que é proibido.

Uma lei ordinária ou MP não pode permitir que trabalhadores subordinados não recebam direitos com previsão constitucional. E há uma violação ao princípio da isonomia.
Guilherme Feliciano, juiz do trabalho e professor da USP

O juiz afirma que o projeto do relator é inconstitucional por causa dos "jabutis". O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que parlamentares não podem incluir numa MP matérias que fujam do texto original.

Feliciano diz ainda que é um erro acreditar que a economia será estimulada com a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários.

Risco de fraude e de demissão de CLTs

O texto aprovado na Câmara traz medidas para tentar evitar que as empresas demitam trabalhadores CLT e os substituam por empregados do Priore ou Requip, com menos direitos. Os programas serão apenas para novas vagas e limitados a porcentagens do total de empregados registrados em 2020. Não será permitido demitir alguém e recontratar nas novas modalidades.

Mas Feliciano diz que as restrições não são suficientes.

Uma empresa que tenha empregos com plenitude de direitos, diante de concorrentes que usam empregos mais baratos, se verá na necessidade de substituir mão de obra por trabalhadores em condições precárias.
Guilherme Feliciano, juiz do trabalho e professor da USP

Barbosa Filho diz que sempre pode haver fraude nessas contratações, mas que isso é uma questão de fiscalização trabalhista, e não um problema da legislação.

Emprego sem carteira em municípios é contraditório e vago

Especialistas ouvidos pelo UOL afirmaram que o Programa Nacional de Serviço Social Voluntário, que permite o trabalho sem carteira assinada, ainda é vago. O texto da MP deixa uma série de questões a serem definidas por regulamento do governo federal.

Não está claro se os valores pagos pelos municípios entrariam nos limites de gastos com pessoal, por exemplo —o que pode ser um impeditivo, visto que muitos municípios já gastam mais do que podem.

O texto também deixa aberta a definição do tipo de serviço que poderia ser prestado pelo programa e a forma de seleção dos "voluntários".

Para Feliciano, há uma evidente contradição no nome do programa: não se trata de trabalho voluntário (modalidade que tem legislação própria), visto que há previsão de remuneração.

Gilmar Dominici, vice-presidente de Relações Institucionais da ABM (Associação Brasileira de Municípios) diz que as prefeituras foram pegas de surpresa pela inclusão do programa na MP. Ele afirmou que o assunto não estava no radar da associação e que é necessário esperar a regulamentação para avaliar se a iniciativa é boa ou ruim.

Veja mais detalhes sobre os três programas

Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego)

  • Exclusivo para jovens (18 a 29 anos) e maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses
  • A pessoa é contratada com até dois salários mínimos (R$ 2.200) e o governo paga um bônus de até R$ 275
  • Mesmos direitos trabalhistas (férias, 13º, hora extra, etc)
  • Empregado recebe um FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) menor --2% a 6%, quando a CLT determina 8%
  • Empresa pode abater até 15% das contribuições que paga ao Sistema S

Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva)

  • Vale para: a) jovens (18 a 29 anos); b) desempregados há mais de dois anos; c) pessoas de baixa renda em programas federais
  • Sem vínculo de emprego com a empresa
  • Sem direitos trabalhistas da CLT nem previdenciários (exceto se pagar o INSS como facultativo)
  • Pode receber benefícios (transporte, alimentação e saúde) e tem direito a recesso de 30 dias se o contrato for renovado por mais ano
  • Empresa paga dois benefícios (BIP e BIQ) que podem chegar até R$ 875 por mês
  • Carga de trabalho de até 22 horas semanais (metade da CLT, que é 44)
  • Trabalhador tem que passar por um curso de qualificação oferecido pelo Sistema S ou pela empresa
  • Empresa pode abater até 15% das contribuições que paga ao Sistema S

Programa Nacional de Serviço Social Voluntário

  • Não vale para empresas, apenas para municípios que aderirem
  • Voltado para jovens (18 a 29 anos) e maiores de 50 anos
  • Jornada limitada a 48 horas mensais; não pode trabalhar mais de seis horas no mesmo dia, nem mais de 3 dias por semana
  • Trabalhador tem que passar por um curso de qualificação oferecido pelo município
  • Direito a vale-transporte e a remuneração equivalente ao salário mínimo proporcional às horas trabalhadas (até 50% poderá ser pago pelo governo federal)
  • Vagas não podem ser usadas em atividades privativas de profissões regulamentadas (como médicos, enfermeiros, engenheiros e advogados) nem em atividades perigosas