Igrejas vão pagar menos impostos? O que muda com a reforma tributária
Do UOL, em São Paulo
25/07/2023 04h00Atualizada em 25/07/2023 08h38
A reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados prevê que organizações assistenciais e beneficentes ligadas a templos de qualquer religião terão imunidade tributária, ou seja, deixarão de pagar alguns impostos, como IPTU e IPVA. Especialistas criticam a abrangência da nova regra, e dizem que a concessão foi necessária para conquistar votos favoráveis à reforma.
O que muda
Imunidade tributária de templos religiosos vão se estender às entidades. Se a reforma tributária for aprovada como está, organizações assistenciais e beneficentes ligadas a igrejas e templos religiosos deixarão de pagar alguns impostos. O texto ainda vai passar pelo Senado e pode sofrer mudanças.
Elas ficarão livres de impostos sobre patrimônio, renda e serviços. Assim como igrejas e templos, entidades ligadas a estas instituições serão isentas de IPTU, IPVA, Imposto de Renda, ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) e ISS, por exemplo.
Falta definir quais entidades passariam a ser isentas. A reforma define apenas que "organizações assistenciais e beneficentes" ligadas a entidades religiosas terão imunidade tributária.
Indefinição gera insegurança. Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que o texto está "vago" e traz "insegurança", já que não deixa claro se todas as instituições ligadas a igrejas e templos — como editoras, emissoras de TV e escolas, por exemplo — poderão ser beneficiadas (veja análises mais abaixo).
Projeto não prevê lei complementar para regulamentar mudanças. Além de não delimitar quais entidades terão direito à imunidade, a reforma também não exige uma lei posterior que regulamente as novas isenções. Apenas as mudanças no ITCMD precisarão de lei complementar para definir as condições em que serão aplicadas.
Como é hoje
Igrejas e templos de qualquer religião estão isentos de alguns impostos. A Constituição prevê imunidade tributária a templos de qualquer culto, como igrejas católicas, sinagogas, terreiros e centros espíritas, por exemplo. Associações e fundações ligadas a esses templos, porém, não estão livres de impostos.
Isenções incluem IPVA, IPTU e Imposto de Renda. Todos os templos são imunes à cobrança de impostos diretos sobre patrimônio, como IPVA (automóveis) e IPTU (imóveis), e renda (IR e Cofins). Uma lei sancionada em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também permite que estados possam prorrogar até 2032 a isenção de ICMS para entidades religiosas.
Entidades devem pagar as contribuições à Previdência de seus funcionários. Embora a imunidade tributária seja ampla, igrejas e templos religiosos não são isentos de todos os impostos. As entidades ainda precisam recolher as contribuições previdenciárias de seus empregados e, até 2020, também eram obrigadas a pagar a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
Lei foi criada para proteger a liberdade religiosa. O argumento da proteção à liberdade religiosa foi a justificativa usada pelo Congresso para incluir a imunidade tributária na Constituição de 1988, segundo explica Itana Moreira, sócia do Urbano Vitalino Advogados.
Outros países também adotam imunidade para igrejas e templos religiosos. Nos Estados Unidos, igrejas e templos são isentos de imposto de renda e impostos federais. Em alguns países da Europa, essas instituições ainda recolhem o "imposto religioso", cobrado diretamente dos fiéis. É o que acontece na Alemanha, onde os cidadãos que pertencem às igrejas Católica ou Luterana e declaram imposto de renda devem pagar o chamado "Kirchensteuer".
Os parlamentares da Assembleia Constituinte de 1987 consideraram que era importante preservar a liberdade de culto, já que o Estado é laico. Naquele momento político e social, fazia muito sentido reforçar essa proteção.
Itana Moreira, do Urbano Vitalino Advogados
O que dizem especialistas
Falta regulamentação. Especialistas ouvidos pelo UOL questionam a falta de regulamentação específica para a ampliação da imunidade tributária. Segundo a economista Deborah Bizarria, coordenadora de Políticas Públicas do Livres, a lei atual "já rende muito debate", e as mudanças previstas na reforma são "preocupantes".
Alíquota do imposto único pode ficar maior. A definição do imposto único (IVA) previsto na reforma dependerá da necessidade de compensar eventuais perdas de arrecadação. O secretário extraordinário Bernard Appy disse que o IVA "pode ficar em torno de 25%"; já o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) calcula que, considerando todas as isenções, a alíquota seria de 28% — a maior do mundo.
Debate na Justiça. Embora critique a "abrangência irrestrita" das novas regras, a advogada Itana Moreira diz que a ampliação das isenções não é assunto novo para o Judiciário: o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2022 que entidades religiosas têm direito à imunidade tributária já aplicada às instituições de assistência social.
Concessão foi "necessária" para viabilizar aprovação da reforma. Michael Roubicek, professor na Fundação Vanzolini (Poli-USP) e sócio da 3Capital Partners, concorda que as novas regras são amplas, mas lembra que a bancada evangélica tem um peso grande nas votações e, por isso, o governo teve que fazer concessões para conseguir apoio. "Em uma democracia, é normal que esse tipo de barganha aconteça", afirma.
O texto é meio vago, então abre margem para várias interpretações. Editoras ligadas a igrejas vão entrar? E bandas? É só trabalho voluntário e ações sociais ou vão entrar outras atividades? O que preocupa são essas brechas.
Deborah Bizarria, economista
A forma prevista traz um pouco mais de insegurança. A crítica que eu faço é sobre essa abrangência irrestrita, porque é saudável que existam requisitos para esse tipo de benefício. Mas a gente já tinha discussões na Justiça sobre os limites dessa imunidade.
Itana Moreira, do Urbano Vitalino Advogados
[Ampliar a imunidade] É o preço que a gente paga para ter um sistema tributário mais eficiente. Caso contrário, [a reforma] ia continuar sem aprovação, como está nos últimos 30 anos. Dá para entender a necessidade de se fazer algumas concessões.
Michael Roubicek, da Poli-USP e 3Capital Partners