Por que o comércio não quer o fim do parcelamento sem juros no cartão?
Karla Dunder
Colaboração para o UOL, em São Paulo
16/08/2023 00h00
O parcelamento sem juros no cartão está sendo alvo de discussões, mas varejistas e representantes do comércio afirmam que o fim da modalidade ou mesmo uma taxação não é a melhor saída para acabar com as altas taxas de juros do rotativo. Entenda o que está em jogo.
Qual é a preocupação do varejo?
Fim do parcelado sem juros traria prejuízo a consumidores e comerciantes. Segundo o IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), limitar os parcelamentos no cartão geraria uma queda nas vendas e prejudicaria a economia como um todo. O presidente do IDV defende que as compras parceladas sem juros sejam mantidas, principalmente, para os pequenos e médios varejistas. "Esse é um meio de pagamento importante e não pode ser eliminado, 80% das compras parceladas são feitas em até 6 meses, em média."
Hipótese de taxação para frear parcelamento também é criticada. Em audiência no Senado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sugeriu uma tarifa para conter a compra desenfreada no crédito em uma quantidade elevada de parcelas. Para o o presidente do Sebrae, Décio Lima, pequenos negócios seriam os mais prejudicados com a taxação e medida afetaria o poder de compra das famílias. "É preciso corrigir o problema dos juros, mas, ao mesmo tempo, não criar outros", afirma.
Mudança no rotativo não pode prejudicar consumidor que depende do crédito. O Sebrae destaca que o acesso a crédito no Brasil é ainda um dos grandes entraves que impede um crescimento econômico mais sustentável. Para o presidente do IDV, o rotativo do cartão de crédito "já teve o seu tempo", mas mudanças não podem ser implementadas abruptamente.
O "parcelado sem juros no cartão" é uma jabuticaba brasileira. A invenção sucede o cheque pré-datado, resultado da alta criatividade nacional, com origem numa longa história de hiperinflação, escreve José Paulo Kupfer, colunista do UOL. "Surgiu para substituir os cheques e tinha como objetivo um prazo curto. Com o tempo crescendo e de fato isso não é normal, porque o dinheiro tem um custo, mas acreditamos que é uma modalidade que precisa continuar", diz o presidente do IDV.
"Apoiamos as iniciativas dos Poderes Executivo e Legislativo em relação aos exorbitantes juros cobrados no crédito rotativo e esperamos que sejam mais transparentes e, obviamente, que a discussão não prejudique o funcionamento das empresas e impeça o consumo das famílias"
Décio Lima, presidente do Sebrae
Esse é um meio de pagamento importante e não pode ser eliminado, 80% das compras parceladas são feitas em até 6 meses, em média.
Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV
O que está em discussão
Governo busca reduzir os juros da modalidade e a inadimplência. A taxa média de juros do crédito rotativo cobrada pelos bancos chegou a bater, 455% ao ano. No mês passado, a inadimplência na modalidade ficou em 49,1%. Uma solução oficial deve ser apresentada em 90 dias. A medida está sendo construída em diálogo com o deputado Elmar Nascimento (União-BA), relator do projeto de lei do Desenrola, programa de renegociação de dívidas das famílias.
O consumidor entra no rotativo do cartão quando não paga toda a fatura. A diferença entre o valor total e o que foi pago de fato se transforma em um empréstimo. Assim, passam a ser cobrados juros sobre o valor que faltou pagar. Desde 2017, na segunda fatura depois que o consumidor recorre ao rotativo, os bancos são obrigados a transferir a dívida para um parcelamento com juros mais baixos. Pela proposta antecipada por Campos Neto, as faturas não pagas iriam direto para o sistema de parcelado do cartão, com uma taxa mensal de juros que ficaria próxima a 9%. Essa taxa corresponderia a 181% ao ano.
BC quer desestimular compras parceladas no cartão. Campos Neto também citou a possibilidade de um modelo de parcelamento que leve em consideração o tipo de bem a ser adquirido e o prazo da operação. Um bem mais caro, como uma geladeira, por exemplo, poderia ser pago em um número de parcelas maior que uma roupa, um bem não durável. Quanto maior o número de parcelas, maior o juro pago pelo consumidor. "Não é factível para o varejo parcelar por produto, um supermercado que vende diferentes produtos — da linha branca a roupas — como faria? Essa ideia de parcelar por tipo de produto não deve evoluir", diz Gonçalves Filho, do IDV.
Haddad diz que solução não pode prejudicar varejo. Para o ministro da Fazenda, o fim do parcelamento sem juros não seria a resposta para acabar com as altas taxas de juros do rotativo. Segundo ministro, é preciso garantir proteção a quem está no crédito rotativo sem comprometer o varejo, que vende muito em parcelas sem juros no cartão de crédito.
Febraban diz não ter pretensão de acabar com parcelamento no cartão. A federação mudou o tom do discurso e disse, em nota divulgada na segunda-feira (14), que nenhum dos modelos em discussão pressupõe uma ruptura do produto. Afirma, no entanto, que é necessário debater "a grande distorção que só no Brasil existe, em que 75% das carteiras dos emissores e 50% das compras são feitas com parcelado sem juros". Os bancos tem se posicionado, porém, contra a fixação de um teto de juros no cartão de crédito nos moldes do cheque especial.
Projeto de lei pode acabar com o rotativo. O texto do PL 2685/2022 — costurado entre a Fazenda, Febraban e parlamentares — deve prever um prazo para que os bancos estabeleçam um limite aos juros do cartão de crédito.