Fim do parcelado sem juros é guerra de R$ 1 tri entre bancos e varejo
R$ 1 trilhão por ano. É sobre essa montanha de dinheiro, equivalente a quase 10% do PIB brasileiro, que está sendo travada a maior disputa em curso sobre as relações de consumo no Brasil: a continuidade ou não das compras parceladas sem juros no cartão de crédito.
A briga, que vinha sendo travada nos bastidores, ficou pública na semana passada com as declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendendo o fim do parcelamento sem juros de compras no cartão de crédito.
QUEM É QUEM NESSA BRIGA:
OS GRANDES BANCOS
- No primeiro semestre, o governo instituiu um grupo de trabalho com o Ministério da Fazenda, Banco Central e bancos para discutir como baixar os juros rotativos do cartão de crédito, que chegam a 437% ao ano, que estão entre os mais altos do mundo.
- Os bancos defendem o fim do parcelamento sem juros, tal como ele existe hoje, sob o argumento de que o que torna os juros do rotativo caros é a inadimplência. Ao UOL, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que o parcelamento sem juros "possui forte subsídio cruzado e [seria responsável] inadimplência que chega a 40%."
- Nesta segunda (14), após a forte repercussão da fala de Campos Neto, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, divulgou nota em que afirma que "não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito"
- "Estudos indicam a necessidade de medidas de reequilíbrio do custo e do risco de crédito. Para tanto, é necessário debater a grande distorção que só no Brasil existe, em que 75% das carteiras dos emissores e 50% das compras são feitas com parcelado sem juros", afirmou.
VAREJO, CONSTRUÇÃO E COMPANHIAS AÉREAS
- "Se acabar o parcelado sem juros ou se houver uma taxação, isso tende a ter um impacto muito significativo, terrível para os comerciantes de maneira geral", afirmou o economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, entidade que reúne lojistas e empreendedores da maior cidade do país há 136 anos.
- Frisando que não fala pela associação, Solimeo disse que uma mudança nas regras do jogo seria muito preocupante porque as compras com cartão representam 60% das transações no comércio.
- Um dos setores potencialmente mais afetados, especialmente no segmento C e D, é o de material de construção. Um diretor de uma grande cadeia de lojas de construção disse ao UOL, pedindo para não ter o nome divulgado por não ter autorização para falar pela empresa, quase a totalidade das reformas em imóveis familiares é financiada via parcelas no cartão de crédito.
- Empresas aéreas também acompanham a discussão com interesse. O parcelamento sem juros é o principal meio de venda de passagens para consumidores que ganham até 10 salários mínimos, que representam 46% do total de passageiros. Acima dessa faixa de renda, a modalidade é bastante utilizada por quem ganha de 10 a 20 salários mínimos para viagens ao exterior, por exemplo.
AS FINTECHS
- A Abranet (Associação Brasileira de Internet), que congrega fintechs e afirma ter 70 milhões de clientes de serviços financeiros digitais (conta digital, cartão de crédito etc), é contra o fim do parcelamento sem juros.
- Segundo a entidade, compras parceladas representariam metade das transações com cartões de crédito no país.
- "Prejudicar o modelo de compras parceladas reduzirá drasticamente o consumo e impactará todo o varejo, lojistas de todos os portes, principalmente os pequenos, as empresas de maquininha de cartão e todo o ecossistema que funciona ao redor desse mercado", afirmou Carol Conway, presidente da Abranet.
- "Mais curioso que, nessa discussão sobre os altos juros, não se faça um único movimento no sentido de gerar ambiente que aumente a competição. O que realmente fará estes juros caírem será o aumento da competição. Iniciativas como portabilidade de dívida de cartão, assim como existe nos EUA, onde o cliente consegue facilmente transferir sua dívida de um banco para outra instituição financeira que ofereça melhores condições, serão muito eficientes", defendeu.
E O CONSUMIDOR?
No início de agosto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que haverá um desfecho para os juros rotativos do cartão em até 90 dias. Mas ele não falou que desfecho seria esse nem a que custo seria alcançado.
Uma das propostas que estão na mesa, segundo o UOL apurou, é uma mudança no parcelamento conforme o tipo de bem.
Bens duráveis, como fogões, geladeiras e televisores, seriam vendidos em maior número de parcelas do que outros tipos de mercadoria, como roupas ou calçados. Em tese, isso representaria restrição à liberdade do consumidor de decidir como pagar o que pretende comprar em comparação com o que está disponível atualmente.
Por enquanto, o consumidor - maior afetado pela decisão que virá no futuro - não tem representantes no grupo montado pelo Ministério da Fazenda, BC e Febraban.
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