O que diz o estudo sobre mulheres e trabalho, vencedor do Nobel de Economia
Do UOL, em São Paulo*
09/10/2023 10h56Atualizada em 09/10/2023 13h24
O Prêmio Nobel de Economia de 2023 foi dado a Claudia Goldin. Terceira mulher premiada na história, a professora da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, se destacou por "ter feito avançar nossa compreensão dos resultados da participação das mulheres no mercado de trabalho", anunciou o júri. A divulgação foi feita nesta segunda-feira (9) pela Academia Real das Ciências da Suécia, que organiza o prêmio.
"É um prêmio muito importante, não só para mim, mas para muitas pessoas que trabalham nesta temática e que tentam explicar porque é que persistem grandes desigualdades", apesar de "avanços importantes", disse ela à AFP.
O que diz a pesquisa
Goldin apresentou o primeiro estudo abrangente sobre os rendimentos das mulheres e a participação no mercado de trabalho ao longo dos séculos. A sua investigação revela as causas da mudança, bem como as principais fontes de disparidades de gênero.
São mais de 200 anos de dados sobre mercado de trabalho nos Estados Unidos. Isso lhe permitiu demonstrar como e por que as diferenças de gênero nos rendimentos e nas taxas de emprego mudaram ao longo do tempo.
Goldin aborda a força de trabalho feminina, os rendimentos dos gêneros, desigualdade de rendimentos, mudança tecnológica, educação e imigração. Os dados refletem o que influencia a participação da mulher no mercado de trabalho, e as diferenças de remuneração entre homens e mulheres e entre mulheres em diferentes fases da vida.
Ela demonstra que a disparidade salarial entre gêneros ocorre agora entre mulheres após a maternidade. Goldin demonstrou que a disparidade salarial entre homens e mulheres pode ser observada agora entre mulheres que exercem a mesma profissão — o que surge em grande parte com o nascimento do primeiro filho.
Disparidades aumentam com 'trabalho voraz' que exige cada vez mais horas dedicadas. No seu último trabalho publicado em 2021 nos Estados Unidos, "Career and family: women's century-long journey towards equity" (Carreira e família: a jornada centenária das mulheres rumo à equidade, em português), Claudia Goldin explica a persistência destas disparidades e como elas se alimentam através do "trabalho voraz", ou seja, o fato de muitas profissões pagarem mais pela disponibilidade dos funcionários, longas horas de atividade e trabalho aos fins de semana. "A igualdade no casal custa dinheiro, e quanto mais voraz o trabalho, mais custosa é essa busca pela igualdade", enfatiza.
Compreender o papel da mulher no trabalho é importante para a sociedade. Graças à investigação inovadora de Claudia Goldin, sabemos agora muito mais sobre os fatores subjacentes e quais as barreiras que poderão ter de ser abordadas no futuro.
Jakob Svensson, presidente do Comitê do Prêmio em Ciências Econômicas
Educação e avanços econômicos
A educação das mulheres aumentou de forma contínua no século 20. Goldin demonstrou que o acesso à pílula contraceptiva desempenhou um papel importante nessa mudança, oferecendo novas oportunidades para a vida das mulheres.
Apesar das mudanças, do crescimento econômico e do aumento da proporção de mulheres empregadas no século 20, a disparidade salarial entre mulheres e homens perdurou. Segundo Goldin, parte da explicação é que as decisões educativas, que têm impacto numa vida inteira de oportunidades de carreira, são tomadas numa idade relativamente jovem. "Se as expectativas das mulheres jovens forem formadas pelas experiências das gerações anteriores, como o das suas mães que não voltaram a trabalhar até os filhos crescerem, então o desenvolvimento será lento", explica a nota da Academia.
A participação feminina no mercado de trabalho não teve uma tendência ascendente, mas sim em uma curva em U. A participação das mulheres casadas diminuiu com a transição de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial no início do século 19, mas depois começou a aumentar com o crescimento do setor dos serviços no início do século 20.
Claudia Goldin identifica cinco períodos:
- 1900-1920: Um pequeno número de mulheres qualificadas escolhe entre o trabalho e a família. Menos de um terço das que trabalhavam tinham filhos naquela época
- 1920-1940: A Grande Depressão tirou mulheres do trabalho. Elas saíram de seus empregos para começar uma família.
- 1940-1960: As mulheres foram pressionadas a ter filhos e só regressaram ao trabalho depois de tê-los criados. As perspectivas eram limitadas.
- 1970 e 1980: Graças à invenção da pílula anticoncepcional, as mulheres nascidas nestas décadas começaram a priorizar suas carreiras e mais de um quarto nunca tiveram filhos.
- 1980 em diante: A última geração tentou conciliar carreira e família, ajudada pelos avanços na procriação medicamente assistida, mas sem conseguir igualdade salarial ou igualdade na relação.
Quem é Claudia Goldin
Claudia Goldin é co-diretora do NBER (Grupo de Estudos sobre Gêneros na Economia do National Bureau of Economic Research) e professora em Harvard. Antes, ela foi diretora do programa de Desenvolvimento da Economia Americana deste mesmo grupo, de 1989 a 2017. Em 1990, ela se tornou a primeira mulher titular no departamento de economia da Universidade Harvard.
Ela nasceu no Bronx, em 14 de maio de 1946. Tem 77 anos.
Claudia Goldin é apaixonada por arqueologia. Ela diz que isso aconteceu graças às tardes passadas entre as múmias do Museu de História Natural para fugir do calor dos verões nova-iorquinos.
Ela gosta de se definir como uma "detetive". A pesquisa combina abordagem histórica e teoria econômica.
Também escreveu sobre escravidão, corrupção e educação, mas interessou-se primeiro pela economia da família. "Este trabalho me ocupou durante algum tempo, mas por volta de 1980 percebi que faltava alguma coisa. Estava negligenciando o membro da família que iria experimentar a mudança mais profunda a longo prazo - a esposa e a mãe. Negligenciei-o porque as fontes fizeram isso", confidencia em um breve ensaio autobiográfico, publicado em 1998.
Outras paixões são ornitologia, caminhadas e cães. Seu golden retriever Pika tem página própria em seu site em Harvard.
É casada com o economista Larry Katz. Em 2014, ela fundou um programa destinado a incentivar mais jovens ao estudo de Economia.
*Com agências