Pandemia, juros altos e dólar explicam dívida bilionária da Gol
A Gol pode pedir recuperação judicial nos Estados Unidos em um mês devido ao volume de dívidas da empresa. A pandemia, a alta taxa de juros e o dólar são alguns dos motivos que fizeram a dívida da empresa aumentar e chegar perto de R$ 20 bilhões.
Dívida da Gol
A Gol estaria cogitando um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos em, no máximo, um mês. A informação foi divulgada nesta segunda-feira (15) pela Folha de S.Paulo. As ações da companhia caíram na Bolsa de Valores.
Em 30 de setembro de 2023, a dívida da aérea era de R$ 18,5 bilhões, um crescimento de 15,9% na comparação com a mesma etapa de 2022. O indicador de alavancagem financeira — medido pela dívida líquida ajustada versus o ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) dos últimos 12 meses — ficou em 5,5 vezes em setembro do ano passado. Isso quer dizer que a empresa levaria quase seis meses para pagar o que deve se usasse tudo o que ganha na quitação da dívida.
A Fitch Ratings, empresa de classificação de risco, rebaixou a Gol no começo de dezembro. A Gol tinha classificação CCC+ e desceu para CCC-. A Fitch justificou a decisão dizendo que havia chances crescentes de uma reestruturação de dívida da Gol como resultado de riscos elevados de refinanciamento.
Dívida de curto prazo é maior preocupação. Samuel Barros, doutor em administração e reitor do Ibmec Rio de Janeiro, afirma que a dívida de R$ 3 bilhões, com vencimento em menos de 12 meses, aumenta o risco da empresa no mercado. "Avaliando comportamentos anteriores do caixa da Gol e as expectativas para o ano de 2024, ela tenderá a ter dificuldades para arcar com esses vencimentos de R$ 3 bilhões, o que eleva bastante o risco da empresa no mercado, afirma Barros.
A Gol afirma, em nota, está focada em "melhorar a lucratividade e fortalecer" o balanço da empresa. A companhia aérea afirma que o foco está na " confiabilidade de suas operações e em proporcionar a melhor experiência de viagem aos seus clientes".
"A Gol está em discussões com seus stakeholders financeiros sobre diversas opções que
Gol, em nota
De onde veio a dívida
Os consumidores reclamam que o preço das passagens nunca foi tão alto. Os preços das passagens aéreas subiram 47,24% nos últimos 12 meses. Os aviões estão voando cheios, com ocupação acima de 80% dos assentos e, mesmo assim, a Gol acumula dívidas.
A situação da Gol é "desafiadora" em diversos indicadores. Esta é a opinião de João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research. Tonello afirma que dados da empresa indicam dificuldades para cumprir obrigações no curto prazo e que a estrutura de capital está desequilibrada.
A pandemia trouxe dificuldades para a empresa. É o que explica Virgilio Lage, especialista da Valor Investimentos. Sem voar, as companhias aéreas acumularam dívidas entre 2020 e 2021. Boa parte dessas dívidas foi renegociada no final de 2022 e começo de 2023. As empresas conseguiram postergar o pagamento para ter fôlego e recuperar o movimento, mas assumiram juros mais elevados (até 100% maiores do que os anteriores).
Depois de chegar a 2% ao ano, a Selic subiu até chegar a 13,75% ao ano, impactando o custo de empréstimos. A Selic ficou em 2% de agosto de 2020 até março de 2021. O BC começou um movimento de alta, até chegar ao patamar de 13,75% em agosto de 2022. Hoje, o BC está promovendo cortes na Selic, que está em 11,75%. "Os gastos com amortizações e pagamento de juros é muito grande e acabam com o caixa positivo da empresa", afirma Tonello.
A alta do petróleo e a variação do dólar também prejudicaram o setor. Desde a pandemia, a moeda americana subiu mais de 17% em relação ao real. O petróleo, do tipo Brent, no início de 2020, custava cerca de US$ 50 o barril. Agora, está na casa dos US$ 78.
A Gol não está sendo capaz de gerar caixa, o que a obriga a se endividar para pagar os fornecedores. No caso dos combustíveis e outros itens, o preço é dolarizado, o que piora ainda mais a necessidade de recursos.
Samuel Barros, do Ibmec Rio de Janeiro
A idade da frota de aviões da empresa é um desafio adicional, para Tonello. O especialista diz que as aeronaves da empresa são antigas, o que aumenta os custos de manutenção. No balanço do terceiro trimestre de 2023, a Gol afirmava que tinha 141 aeronaves e 106 pedidos para compra de aeronaves Boeing 737-Max. A Gol também afirmou que sofria com "atrasos e incertezas" no cronograma de entregas de aeronaves.
Recuperação judicial fora do Brasil
A recuperação judicial nos Estados Unidos tende a ser mais vantajosa para a Gol. Tonello diz que em 2020, a Latam fez o mesmo movimento. O possível pedido de recuperação judicial não foi confirmado pela empresa.
A recuperação judicial pode ser uma boa saída para a empresa, diz Barros. Apesar de investidores não verem esse tipo de situação com bons olhos, o processo de recuperação pode trazer "novos horizontes" para a empresa e tornar a Gol uma empresa mais saudável.
O que mais deixa o mercado preocupado, no caso da Gol, é que ela no passado já havia negociado e renegociado com diversos stakeholders [acionistas] e não conseguiu cumprir com parte desses acordos, isso aumenta o risco no processo.
Samuel Barros, do Ibmec Rio de Janeiro
[A empresa] Tem mais possibilidade de financiamento por lá e tem mais certezas para os credores do que se feito no Brasil. Caso seja confirmada, a recuperação judicial tem grandes chances de ser bem-sucedida e a empresa continuar operando normalmente.
João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research