'Que futuro queremos?': as lições que as empresas podem aprender do SXSW
Renato Pezzotti
Colaboração para o UOL, de Piracicaba (SP)
15/03/2024 08h01
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Cerca de 3.500 profissionais brasileiros estiveram no SXSW 2024.
O evento, que pode ser considerado o maior festival de inovação do mundo, mistura palestras de educação com as de tecnologia, reúne artistas, músicos, fala de publicidade, de saúde mental e de psicodélicos, entre outros assuntos.
Com nada menos do que 24 trilhas de conteúdo, é quase impossível acompanhar tudo que se fala (e se ouve) do evento.
Para aterrissar alguns dos temas mais falados deste ano, a reportagem de UOL Mídia e Marketing perguntou a 11 dos profissionais de publicidade que estiveram em Austin, no Texas, o que o realmente fica do SXSW para o dia a dia de cada um —e que pode ser efetivamente usado neste ano, pelas suas empresas.
Confira:
André Kassu, chefe de criação e sócio da agência CP+B
"A maior lição que levo veio da conversa do jornalista Josh Constine com um dos vice-presidentes da Open AI e diretamente responsável pelo Chat GPT, Peter Deng. Constine deu aula ao lembrar da importância de se fazer as questões certas, de trazer e apontar os incômodos com precisão, sem perder a elegância. Se, na era da inteligência artificial, fazer as perguntas ganha ainda mais importância, Josh deu uma lição de questionamento. E a maior prova disso é que em uma das perguntas feitas ("Os criativos serão recompensados na era da IA?"), Peter Deng, mesmo com todo o media training que já fez, não soube como responder. "Question the question". É isso é o que levo para as equipes."
Camila Costa, CEO e sócia da agência iD\TBWA
"Trilhei uma rota de palestras e discussões muito interessante sobre diversidade e inclusão, também na perspectiva da inteligência artificial nesse contexto. Nossa indústria é muito pautada em serviços, principalmente as agências, o que faz com que uma das nossas principais prioridades seja olhar para as pessoas em nosso ecossistema e o reflexo do nosso trabalho de comunicação e engajamento entre as marcas e seus consumidores. Já existem uma série de possíveis aplicações de IA, mas é fundamental garantir que o padrão histórico não reforce vieses. De prático, pretendo aumentar a conscientização sobre esse tema internamente e com clientes, fortalecer a governança, trazer tecnologias que contribuam nas dinâmicas de Recursos Humanos e propor mais projetos que contribuam para fortalecer o impacto social positivo."
Glaucia Montanha, CEO da agência Artplan
"Levo para casa o valor do tempo. Vivemos numa era em que o tempo é nosso maior recurso. É fundamental fazermos uso de tecnologia, em especial a inteligência artificial, para reduzir o tempo de pesquisa e o tempo de produção para abrir espaço para conversas e pensamento mais profundos. Foram apresentados muitos dados sobre a 'qualidade' do nosso tempo e ferramentas que irão facilitar (e promover) o uso dele. Outra trilha que mexeu comigo foi a de saúde mental. Nunca foi tão discutido aspectos sobre equilíbrio, felicidade e espiritualidade. As empresas precisam fazer sua parte para criar um ambiente seguro —e as pessoas precisam buscar seu equilíbrio. Será cada vez mais necessário buscar recursos e ferramentas que nos conectem realmente com o que importa. Isso impacta em muitas ações de pausa mental e física. As empresas podem (e precisam) ajudar os profissionais a buscarem e desenvolverem isso."
José Saad Neto, head de insights da GoAd
"Cresceram muito as discussões sobre a 'underground economy', que é composta por mercados ainda não regulados. No caso dos psicodélicos, que foi tema de uma trilha temática inteira, a abordagem veio pela ótica da ciência e da saúde, mostrando resultados concretos de pesquisas já realizadas, e também pelo viés econômico. Outro pilar dessa economia é baseado na mobilidade aérea autônoma, cuja tecnologia já está pronta e madura, mas falta ainda regulação com definição, por exemplo, de locais de decolagem e pouso, vias de voo na cidade e órgãos aptos a fiscalizar os eVtols."
Ian Black, CEO da agência New Vegas
"Para a minha empresa, levarei do SxSW três grandes temas em formas práticas: em primeiro lugar, o desenvolvimento da inteligência artificial para capacitar times, aperfeiçoar processos e aumentar e melhorar nossos produtos e serviços. O segundo ponto são as questões relacionadas à gestão de times de forma remota e com foco em alta performance e bem-estar. Por último, mas não menos importante, é como trazemos uma abordagem ainda mais radical de como pessoas da sociedade civil contribuem para aperfeiçoar o que nossos clientes entregam."
Igor Puga, ex-CMO do Santander
"A coisa mais rica que vi aqui, e que possui um paralelo com o Brasil, foi um painel específico sobre os Estados Unidos estarem divididos político e ideologicamente, entre republicanos e democratas. Heather Malenshek, CMO da cooperativa agrícola Land O'Lakes, usou isso como exemplo para falar que existiria uma 'potencial união' entre o mundo rural (e agro) e o povo cosmopolita (e urbano). Aquilo era um gancho muito positivo para a marca dela, que poderia mostrar o quanto existe uma interconexão entre as partes. Achei um insight muito bom de como será, de fato, preciso construir comunicações que, em vez de fugirem dessas situações, demonstrem que elas são transversais. A gente sempre trata esse assunto cheio de dedos no Brasil. Em vez de contornar, dividir ou fazer coisas perigosas no âmbito da comunicação, o ideal é construir campanhas, linguagem e comunicação que absorvam os dois lados. E, sim: eles podem conviver em um material publicitário, em uma estratégia de produto."
Lucas Reis, CEO da Zygon
"Me chamou muita atenção a oportunidade (ou o desafio) que existe em 'localizar' a inteligência artificial para o contexto brasileiro. É claro que o ChatGPT e outras ferramentas populares se saem bem na produção e análise de textos e áudios em português formal, bem como de vídeos e imagens de estereótipos mais comuns de um brasileiro. Mas, para termos aplicações de massa (imagine uma IA que consiga entender áudios enviados por WhatsApp pelos 21 milhões de beneficiários do Bolsa Família, por exemplo), é preciso capturar nuances fonéticas e contextos semânticos específicos de determinadas regiões (até de bairros, às vezes) e essa é uma barreira a ser vencida para a plenitude do uso da IA no nosso país. Um diagnóstico sobre este desafio foi apresentado pelo engenheiro Marcellus Amadeus, único brasileiro na trilha de IA do SXSW 2024. Sua apresentação mostrou que faltam bases de dados, modelos de indexação e capacidade de processamento para treinar uma IA plenamente contextualizada para o Brasil. E, infelizmente, a falta destes recursos tendem a limitar bastante as aplicações de inteligência artificial em nosso país."
Marcelo Rizério, cofundador e chefe de criação da agência Euphoria Creative
"A inteligência artificial já faz parte do dia a dia das marcas e agências, seja no processo de criação, estratégia, desenvolvimento ou produção. Independente do segmento de atuação, ela instiga a curiosidade e incentiva as pessoas a testarem cada vez mais hipóteses, abrindo assim novos caminhos para soluções inovadoras. Precisamos parar de pensar na IA como uma fonte de respostas corretas e começar a ver mais como uma fonte de troca. Essa é a beleza da IA: a capacidade de interagir com uma fonte infinita de respostas e conhecimento, combinando tudo isso com incertezas, possibilidades e questionamentos não óbvios. A troca entre as dúvidas e anseios de uma pessoa com a exatidão das respostas de uma tecnologia, assim, sem radicalismo se será tudo de um jeito ou de outro, pode ser o equilíbrio que precisamos trabalhar daqui para frente."
Potyra Lavor, CEO da ID Works
"Para mim, o que fica de grande reforço é que a tecnologia é apenas ferramenta. As grandes inovações seguem sendo resultado da união de diversas perspectivas. Esse é (e sempre foi) o grande lance! A virada está em ampliar o olhar, ter escuta atenta e agir no coletivo para realizar as grandes mudanças".
Regina Augusto, diretora executiva do CENP
"Embora o pano de fundo deste momento da história seja o que Amy Webb chama de 'superciclo tecnológico', há um elemento central em tudo: o fator humano. Um dos convites para olharmos para nós mesmos veio do escritor Simran Jeet Singh, a partir do que ele chama de '3 Cs': curiosidade, coragem e compaixão. "Se conseguirmos construir estes três pilares, se tivermos mais compaixão, seremos mais resilientes. Criaremos confiança, grupos de apoio e perspectivas", afirmou. Querendo ou não, isso tem uma tremenda ligação com outra boa parte dos painéis do SXSW, que teve como foco discutir o futuro do trabalho. Para Amy Gallo, da Harvard Business Review, saber lidar com conflitos nas relações de trabalho, com tensões, ressentimentos e opiniões não ditas, estimula conflitos saudáveis, que agregam aprendizados para a equipe e que impulsionam todos em prol de um objetivo maior."
Ricardo Sales, CEO da consultoria Mais Diversidade
"Parece que há uma mudança no perfil de quem vai a Austin. Criativos e descolados parecem dar espaço aos executivos mais 'tradicionais'. Porém, tanto um grupo quanto o outro segue bastante homogêneo: a delegação brasileira do SXSW ainda é quase que exclusivamente branca, heterossexual e do eixo Rio-SP. Isso preocupa porque, sem diversidade, esse grupo provavelmente terá dificuldade de traduzir tudo que se aprende aqui para o contexto brasileiro. Inteligência artificial foi o grande tema deste ano, mas, em países como o nosso, a única certeza é a do aprofundamento das desigualdades —internas e na nossa comparação com países desenvolvidos. Para quem é esse 'futuro' que vimos aqui? Seria fundamental que os brasileiros voltassem para casa com esse tipo de questionamento. Meu sonho seria um evento desses, de tecnologia, pensado a partir de outras perspectivas, que não apenas aos dos norte-americanos. Um festival apontando o olhar do Sul Global, mostrando como nossas populações constroem tanto e são tão criativas mesmo em contextos adversos e de alta instabilidade."