Gabriela Rodrigues, da Soko: 'Marcas podem ser aliadas, nunca ativistas'

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No final do ano passado, a Associação Brasileira dos Anunciantes (ABA) divulgou os resultados do Censo Global de diversidade, equidade e inclusão relativos a 2023. O relatório aponta que o Brasil tem uma pontuação melhor do que a referência no índice de inclusão global (66% contra 63%). Por aqui, 80% dos que responderam à pesquisa concordam que suas empresas estão "ativamente" tomando medidas para ser mais diversificada e inclusiva.

Uma das iniciativas que fomenta tal ampliação dessa diversidade é a Aliança sem Estereótipos, programa vinculado à ONU Mulheres, e que está presente no Brasil desde 2019. No mês passado, a Aliança realizou mais uma edição do seu evento anual "Unstereotype Alliance Global Members Summit", em Nova York, e que contou com representantes de agências de publicidade como Artplan, Soko e VML.

Para entender mais sobre o debate, os resultados efetivos de movimentos como estes e o status atual das iniciativas no Brasil, UOL Mídia e Marketing conversou com Gabriela Rodrigues, vice-presidente de impacto na Soko. A agência acaba de lançar a Walk, um spin-off que pretende unir construção de impacto social e reputação de marca. Confira:

Na prática, o mercado publicitário brasileiro tem evoluído nas questões relativas à diversidade e inclusão? Quais foram os principais ganhos e principais problemas nos últimos anos?

Estamos passando por um amadurecimento. O mercado começou a discutir diversidade quase como uma pressão da sociedade, naquela época que as marcas começaram a entrar no ambiente de redes sociais e passaram a ter mais crises de reputação.

Depois, houve uma segunda onda, em que não bastava contratar equipes mais diversas: essas pessoas teriam que estar em posições de liderança. Por fim, tivemos o momento que de não bastava ter equipes diversas dentro das agências, mas elas teriam que estar também dentro dos clientes e atrás das câmeras.

A mais recente é de que diversidade não é uma pauta de um setor: precisa ser uma pauta do negócio como um todo, porque isso faz a inovação acontecer de uma forma mais forte.

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Esse amadurecimento levou algumas empresas a um caminho de aprendizado e criação de novos departamentos. Outras empresas, que não faziam isso com certa profundidade, foram deixando a pauta de lado. A metade vazia do copo é que percebemos que nem todos querem amadurecer.

Assim, estamos em um momento de atenção para evitar retrocessos. No mínimo, temos uma desaceleração da pauta -e é um momento que pede muita atenção. Mas também é um momento que vai separar quem está fazendo direito de quem estava fazendo só por pressão. Esse é o maior recado

Muito se fala na atuação social das marcas, e que essa atuação passa por agências com times 'mais plurais' -por outro lado, vemos que algumas equipes de marketing dos anunciantes continuam parecidas, basicamente formada por pessoas brancas que estudaram nas melhores faculdades. Basta só mudar a mentalidade nas agências?

Quando chegamos ao evento na ONU, fiquei positivamente surpresa ao ver, em um evento global, o nível de engajamento de outros mercados -e, muitas vezes, são esses mercados que decidem os caminhos a serem seguidos aqui no Brasil. Há uma pressão dos clientes para a indústria.

Além disso, a gente normalmente tende a achar que a discussão é binária: algo como 'marcas que não fazem' e as 'que são exemplo'.

De fato, existem esses dois lugares, mas no meio disso existe um monte de situações: marcas que estão iniciando no tema, marcas que já acertaram e não sabem o próximo passo, marcas que estavam à frente, mas reduziram verba e perderam espaço.

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O que acho mais interessante é entender que a discussão sobre impacto está se tornando mais científica. Estão surgindo mais dados, um pouco mais de ciência na discussão, que acaba dando mais embasamento para a discussão de diversidade e inclusão. Isso era o que faltava no debate.

E foi nesse momento que a Soko resolveu criar a Walk, uma iniciativa que pretende oferecer mais soluções nessas questões?

A Soko nasceu com o propósito de provar que é possível produzir um trabalho criativo, relevante e plural, enquanto combate as práticas tóxicas do mercado de comunicação. Como consequência disso, em médio prazo, começamos a ter mais campanhas envolvendo questões sociais.

Com o tempo, percebemos que o 'impacto' de uma campanha é traduzido pelo número de views, de impressões, deixando o impacto social de lado. Ou seja, chamamos duas coisas que são completamente diferentes da mesma forma. Sendo assim, chamamos um matemático para desenhar uma fórmula, que chamamos de 'impacto ponderado' e se trata de uma métrica que aborda os impactos de impressão e o impacto social.

Quando realizamos uma ação com um impacto social de verdade, ela vai continuar ali, existindo. Por exemplo, se você criou empregos com uma campanha e a ação de marketing acabou, o emprego das pessoas continua lá. Elas vão levar sua mensagem de marca para mais anos, com uma profundidade que nenhum espaço de mídia consegue comprar.

Com isso, também resolvemos outro incômodo que tínhamos: de não ter ciência, não ter comprovação do que foi feito. Deixa o achismo de lado. Tentamos trazer uma ciência para tirar um pouco do aspecto emocional da decisão.

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A Walk tem quatro entregas principais, que começam com algo como um diagnóstico de maturidade. Muita marca chega para a gente e fala: "eu quero ser ativista, como eu faço?".

A primeira resposta é que nenhuma marca pode ser ativista. Ela pode ser aliada, mas nunca ativista. Isso porque o interesse principal de uma empresa é gerar lucro -e o interesse principal do ativismo é mudar o ponteiro social, e não vender.

Se o cenário financeiro mudar, ela não vai priorizar o cenário social: ela vai congelar investimentos, ela vai mudar a rota. Por mais importante que seja a pauta social, por mais clareza que ela tenha de construção de marca, de atuação em território, não é naturalmente o desenho do negócio.

Outra coisa que a gente fez foi olhar para reputação: não adianta a marca fazer as coisas mais incríveis do mundo e não gerar nenhuma reputação com isso. Precisamos também gerar relevância para tudo que a gente faz.

Relevância ajuda a você a disputar a atenção. Para a maior parte da população, a vida não está boa. No mundo atual, com crises múltiplas, em um cenário complexo em várias esferas, acreditamos que impacto social é uma das formas mais diretas de uma marca construir relevância.

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A partir de hoje, o UOL publica reportagens diárias, diretamente de Austin (EUA), sobre as tendências que serão apresentadas no SXSW. Confira na página de Tilt.

Cadeiras e carreiras
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Backlash
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