Empresas exigem ida de funcionários no RS: 'Trabalhamos até a água chegar'
"Se não fôssemos trabalhar, ficaríamos com banco de horas negativo". Com Porto Alegre enfrentando alagamentos, frota de ônibus reduzidas e vias interditadas, muitos funcionários de empresas privadas passaram a ter dificuldades para chegar ao trabalho - o que não é visto com bons olhos pelos empregadores.
Um trabalhador que não quis se identificar contou que o seu local de trabalho ficava em uma área muito afetada pelas enchentes, e nem assim foi liberado das suas funções. Pelo contrário: os empregadores disseram que descontarão as horas de quem não aparecer para cumprir expediente.
As Forças Armadas estão no estado para dar apoio às vítimas e grandes empresas não entenderam a situação. Estão abrindo suas lojas em regiões condenadas para evitar saques,
Funcionário que não quis se identificar, ao UOL
Segundo o relato do mesmo funcionário, a Defesa Civil alertou sobre os riscos da área de seu trabalho, pois havia a possibilidade do rompimento de um dique - o que alagaria as empresas da região próximo às avenidas Assis Brasil e Sertório, no bairro São João. A prefeitura precisou, por exemplo, desligar a Estação de Tratamento de Água do local por 3 dias (entre 4 e 7 de maio) por risco de choque elétrico.
A reportagem conversou com a pessoa que fez esta denúncia no dia 6 de maio, um dia antes do religamento da estação. "Por aqui, só estão passando veículos de resgate e da polícia, para ajudar as pessoas. Duas ruas abaixo de onde estamos, tem gente ilhada", afirmou ela.
Em meio ao caos, há mais denúncias de trabalhadores obrigados a dar expediente. O funcionário de uma rede de academias famosa na cidade contou à reportagem que precisou ir trabalhar sem que o local tivesse energia e nem água.
"Meu local de trabalho, por um momento, estava fora da área de risco. Mas está muito difícil se locomover na cidade: temos menos ônibus, não temos carros de aplicativo o suficiente, não sabemos se vai faltar combustível", contou.
Sem água e sem luz, ele alegou que tanto funcionários quanto alunos estavam vivendo uma situação insalubre no local: sem ter o que beber e nem como usar o banheiro.
"Funcionamos normalmente até a água começar a subir a rua da academia e se aproximar da nossa porta. Aí sim, a unidade foi fechada", afirmou a fonte.
Ajuda do poder público
A prefeitura de Porto Alegre disponibilizou em seu site um atestado, fornecido pela Defesa Civil, que trabalhadores podem preencher e enviar para os empregadores, mostrando que não têm como retornarem ao trabalho.
"Ao preencher o formulário, o site gera uma versão em PDF e manda uma cópia para o sistema do município. Assim, teremos a compreensão do trabalho de quantas pessoas foram afetados pelas cheias", explica Karen Santos, vereadora do PSOL em Porto Alegre.
Segundo Karen, quem teve a ideia de criar esse formulário foi uma amiga, que é advogada de seu mandato. Ela tenta agora implementar uma versão para Canoas, onde 70% do município está embaixo d 'água.
Conversamos com o procurador do município. Todos estão sendo impactados de alguma forma. Quem não mora em área de risco está com problemas para se deslocar porque toda a cidade está com frota de ônibus reduzida
Karen Santos
Segundo ela, servidores públicos podem ser realocados - existe uma médica que não consegue chegar a seu hospital trabalhando direto nos abrigos. Mas o mesmo não se aplica às empresas privadas.
"Por isso pensamos, para Canoas, criar um documento de autodeclaração. O indivíduo explica sua situação e, por boa fé, a gente emite o atestado dizendo que ele está impossibilitado de dar expediente", diz.
A vereadora diz que ela e sua equipe estão acolhendo aqueles que são vítimas de assédio moral dos chefes para comparecer a empresas presencialmente em meio a calamidade.
"Vamos fazer uma representação ao Ministério Público do Trabalho. Recebemos denúncias de trabalhadores da limpeza urbana de Porto Alegre e de uma cooperativa. Algumas empresas já foram notificadas."