Crise da Enel: quem é responsável por apagão e qual governo pode resolver?
O apagão que já dura quase 72 horas em São Paulo virou um jogo de empurra. A italiana Enel, que é a distribuidora de eletricidade na cidade desde 2018, o governo municipal, do candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB), e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estão trocando acusações sobre a culpa pela mais recente crise de falta de luz. Em meio à disputa pela prefeitura da cidade mais rica do país, a equipe de Nunes, apoiada pelo governo estadual, de Tarcisio de Freitas (Republicanos), e a administração Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também tentam se apresentar como protagonistas na solução do problema.
No sistema de concessão de serviços públicos a empresas privadas, como é o caso do fornecimento de energia elétrica, essas responsabilidades são compartilhadas. Entenda a seguir os papeis que cabem a cada ente, segundo especialistas consultados pelo UOL.
Quem é o culpado pelo apagão?
A concessionária Enel tem responsabilidade direta pela falta de luz. Porém, o contrato de concessão da empresa não prevê prazo para restabelecimento do serviço em caso de um evento climático que provoque a falta de luz, como a tempestade da última sexta-feira (11). A resolução regulatória que trata do tema fala somente em prazo para restabelecimento em caso de corte por falta de pagamento. Nesse caso, o prazo é de até 24 horas em regiões urbanas e 48 horas em áreas rurais.
Ações preventivas são de responsabilidade da Enel e da prefeitura. É a administração municipal quem cuida das árvores na cidade, mas as distribuidoras de energia devem realizar a poda nos casos em que houver risco para o sistema elétrico. Em São Paulo, a prefeitura firmou um convênio com a Enel para a poda de árvores. Em abril de 2024, a empresa se propôs a dobrar o número de podas para 600 mil por ano na área de concessão.
Infelizmente estamos tratando de forma separada coisas que deveriam ser tratadas conjuntamente. A Enel vai dizer que não é responsável por uma árvore mal plantada e a prefeitura vai dizer que não é responsável pela transmissão de energia. A solução é reunir as instâncias envolvidas.
Roberto Pereira de Araújo, consultor e membro do Instituto Ilumina
A Enel precisa ter número mínimo de funcionários?
O contrato de concessão da Enel não estabelece número de funcionários para a concessionária. A regra define parâmetros de qualidade na prestação de serviço, que devem ser atingidos pela concessionária.
Em abril, a empresa se comprometeu a contratar até 1.200 colaboradores em 12 meses. Com isso, a empresa previa assegurar "uma resposta de melhor qualidade às solicitações dos clientes". Foram feitas 174 contratações. No segundo trimestre de 2024, a empresa tinha apenas 174 funcionários a mais do que no mesmo período de 2023. Os dados do terceiro trimestre ainda não foram divulgados. O prazo de 12 meses termina em março de 2025.
O número de funcionários terceirizados aumentou na Enel. A rotatividade, também: era de 2,4% no segundo trimestre de 2023, e passou a ser de 4,4% no segundo trimestre de 2024, segundo dados da própria empresa.
Quem fiscaliza se a Enel está prestando um bom serviço?
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), uma autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia, tem o objetivo de fiscalizar as concessionárias de energia. Cabe à agência reguladora a missão de controlar os contratos de concessão celebrados. Fica também a critério da Aneel eventuais punições.
A diretoria colegiada da Aneel é composta por um diretor-geral e quatro diretores. Esses diretores são nomeados pelo presidente da República, após aprovação do Senado Federal, para mandatos não coincidentes de quatro anos. No momento, está vaga uma posição na diretoria.
O governo paulista também tem uma agência reguladora estadual. É a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), que fiscaliza todas as concessionárias do estado, sendo que a Enel tem 37% de todos os clientes paulistas.
Fiscalização das agências reguladoras resulta em diferentes cobranças quando falhas são identificadas. O artigo 37 da Constituição Federal diz que as empresas prestadoras de serviços públicos "responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
As reguladoras federal e estadual podem aplicar penalidades às concessionárias. Mas uma eventual rescisão do contrato só pode ser determinada pela Aneel.
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Quero receberA concessão da Enel pode ser rescindida?
Análises da Aneel são o início do processo para uma eventual rescisão contratual. A Agência é responsável por fiscalizar e entender o que levou ao apagão. Em nota, a Aneel afirma que pediu no sábado (12) à área de fiscalização que intimasse a Enel para apresentar justificativas e proposta de adequação imediata do serviço. Caso as respostas não sejam satisfatórias, a Aneel afirma que vai instaurar um processo de recomendação de caducidade da concessão junto ao Ministério de Minas e Energia. Isso significa que o regulador vai recomendar o fim do contrato de concessão.
O governo federal não consegue mudar essas regras. A lei que instituiu a agência determina que é sua função cuidar da concessão.
Caso a concessão seja encerrada, o contrato determina que o governo assuma os serviços. O objetivo é garantir a sua continuidade e regularidade.
Instauração de processo não é simples. A Aneel precisa notificar a Enel e dar um prazo para que situação seja resolvida. "O processo administrativo acima mencionado não será instaurado até que à concessionária tenha sido dado inteiro conhecimento, em detalhes, de tais infrações contratuais, bem como tempo suficiente para providenciar as correções de acordo com os termos deste contrato", afirma trecho do contrato de concessão.
Eventos climáticos diminuem a responsabilidade da Enel nos apagões?
Em junho de 2024, o governo federal publicou um decreto com regras mais rígidas para os contratos com distribuidoras de energia. Entre as regras estão metas obrigatórias para a retomada de serviços em caso de eventos climáticos extremos. O objetivo é evitar justamente que consumidores fiquem sem energia elétrica por longos períodos em razão de chuvas e quedas de árvores nas redes.
Quando o contrato de concessão [da Enel] foi feito, as mudanças climáticas não eram tão impactantes como agora. O decreto de junho estabelece uma coisa que não havia no passado, que são investimentos em prevenção em função das mudanças climáticas.
Guilherme Vinhas, advogado
As novas regras não valem para o contrato da Enel. Elas valem somente para o caso de prorrogação da concessão ou novas concessões. A concessão da Enel vai até 2028.
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