Após decisão de juros, presidente do BC dos EUA se recusa a falar de Trump

O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) Jerome Powell, se recusou a falar as declarações do presidente americano Donald Trump que afirmou que iria "obrigar" o banco diminuir as taxas. Na semana passada, Trump disse que vai exigir redução imediata dos juros e desafiou independência histórica do BC americano.

"Não cabe a mim fazer esses comentários", afirmou Powell, em entrevista após o anúncio de manutenção das taxas de juros dos EUA entre 4,25% e 4,50% ao ano, nesta quarta-feira (29). Essa foi a primeira decisão sobre os juros no ano e durante o segundo governo do presidente Trump. A decisão já era amplamente aguardada pelo mercado.

O que aconteceu?

Na quinta-feira (23), em discurso para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, Trump disse que vai exigir o corte imediato das taxas de juros. Isso foi considerado uma afronta ao Fed, que é historicamente independente.

Powell, em seu pronunciamento nesta quarta, continuou dizendo que não vai diminuir os juros muito rápido ou muito drasticamente, porque isso pode causar inflação. Também afirmou que o contrário, ir devagar demais e manter a taxa alta por muito tempo, pode prejudicar a economia.

Além da inflação e do mercado de trabalho, desta vez um terceiro componente pesou na decisão: o risco de pressão na inflação causada pelas medidas tomadas por Trump. Para Powell, o banco vai tomar uma postura de "esperar para ver o que acontece" antes de se pronunciar. "Com nossa postura política significativamente menos restritiva do que era, e a economia permanecendo forte, não precisamos ter pressa para ajustar nossa postura política", disse ele.

Por que os juros dos EUA importam?

A postura mais cautelosa do Fed em relação aos cortes de juros fortalece a moeda americana. É o que explica Lucas Almeida, especialista em mercado de capitais e sócio da AVG Capital. "A taxa em alto patamar torna ativos de países emergentes menos atrativos. Além disso, a possibilidade de novas medidas protecionistas no governo Trump reforça a busca por segurança, o que penaliza o real", afirma ele.

Essa foi a primeira vez que o Fed não baixou os juros desde setembro. Naquele mês, a autoridade monetária dos EUA começou o ciclo de flexibilização, baixando as taxas. Quanto mais altos e por mais tempo os juros dos EUA permanecem em um alto patamar, pior é para o Brasil. Os investidores tiram dinheiro daqui para investir nos juros dos EUA, o Tesouro Americano, a aplicação mais segura do mundo.

De setembro até agora, os juros americanos sofreram três reduções. Mas não foi o suficiente ainda para controlar a inflação. Nesse tempo, ela arrefeceu, mas não alcançou a meta estabelecida pelo banco. Em 2024, a inflação foi de 2,9%, de acordo com dados divulgados pelo Departamento do Trabalho na quarta-feira (15) — acima do alvo de 2% estabelecido pelo Fed.

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O mercado de trabalho também continuou crescendo. A economia dos EUA criou uma média de 186 mil empregos por mês ao longo do ano passado, de acordo com o Departamento do Trabalho. "A taxa de desemprego se estabilizou em um nível baixo nos últimos meses, e as condições do mercado de trabalho permanecem sólidas. Já a inflação permanece um pouco elevada", publicou o Fed no comunicado que se seguiu ao anúncio.

Foi por conta desses dois fatores que o Fed decidiu manter as taxas sem mudanças agora. Além disso, diante das perspectivas de mais inflação com o novo governo, o banco resolveu esperar para ver os efeitos das medidas tomadas por Trump desde o dia 20, quando tomou posse.

As deportações de imigrantes podem provocar falta de mão de obra no mercado. Isso eleva os salários e acaba pressionando os preços. São quase 1,5 milhão de pessoas com uma sentença de deportação nos Estados Unidos, das quais 38 mil são brasileiras, segundo dados do Serviço de Imigração do país referentes a novembro de 2024, conforme a Folha de S. Paulo.

As tarifas de importação dos EUA também têm peso na inflação. A política de menores impostos de Trump também aumenta o risco fiscal. Por isso, pode ser necessário subir novamente as taxas nos próximos meses para conter essa pressão inflacionária.

Como fica daqui para frente?

No comunicado que seguiu o anúncio, o banco não foi claro sobre o que vai fazer nas reuniões futuras. "O comitê do Federal Reserve estaria preparado para ajustar a postura da política monetária conforme apropriado se surgirem riscos que possam impedir a obtenção das metas do Fed", publicou o banco. Para Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o Fed deverá continuar mantendo as taxas sem cortes. "O Fed deve pausar o ciclo de juros até o segundo trimestre, pelo menos."

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Há muitas incertezas quanto às políticas a serem implementadas pelo novo governo americano. "Esse cenário reforça nossa expectativa de que a autoridade monetária vai reduzir os juros de forma mais lenta em 2025, com o objetivo de levar a inflação para a meta de 2%. Por ora, mantemos nossa visão de que o Fed deve anunciar apenas dois cortes de juros neste ano", diz Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank.

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