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Hidrelétrica de Belo Monte descumpre termos de outorga para uso da água, diz ANA

Usina hidrelétrica de Belo Monte localizada as margens da rodovia Transamazonica proximo a Altamira - Lalo de Almeida/Folhapress
Usina hidrelétrica de Belo Monte localizada as margens da rodovia Transamazonica proximo a Altamira Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

12/12/2019 16h22

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) — A hidrelétrica de Belo Monte, uma das maiores do mundo, descumpriu termos da outorga que assegura direitos de uso dos recursos hídricos no Pará, ao reduzir a vazão de um de seus reservatórios, o que pode sujeitar o empreendimento a penalidades caso não haja medidas de adequação, disse a Agência Nacional de Águas (ANA) em documento visto pela Reuters.

As atuais condições de operação da usina, que tem entre os principais sócios empresas como Eletrobras, Cemig e Neoenergia, são vistas como fator de risco para a qualidade da água no rio Xingu e poderiam ter impacto até sobre o licenciamento ambiental do projeto, de acordo com especialistas.

Isso porque o descumprimento dos termos da outorga de direito de uso de recursos hídricos (DRDH) pode levar à suspensão parcial ou total da autorização, de acordo com a lei.

O alerta da ANA veio após a Norte Energia, que reúne os acionistas, ter informado em meados de outubro que passaria a operar o reservatório intermediário de Belo Monte com vazão de 100 metros cúbicos por segundo (m³/s), ao invés dos 300 m³/s estabelecidos na outorga hídrica.

A medida acaba limitando a geração de energia na usina, mas foi colocada pela empresa como necessária devido a um período de estiagem "bastante crítico", com vazões afluentes baixas no Xingu, e por questões relacionadas à estrutura de sua barragem.

"A justificativa apresentada para operação em desconformidade com a outorga não encontra amparo, visto que a execução do projeto deveria obedecer à sua própria concepção, que previa, desde os estudos de viabilidade, a manutenção das vazões mínimas no reservatório intermediário e no trecho de vazão reduzida", apontou a ANA em ofício à Norte Energia.

"Casos de repetição futura de operação em desconformidade do empreendimento estarão sujeitos à aplicação de penalidades previstas em lei", ressaltou a agência. No documento, com data de 22 de novembro, a ANA deu prazo de 30 dias para "proposição de medidas que adequem a operação" às definições da DRDH.

O advogado Terence Trennepohl, sócio do escritório Trennepohl Advogados, especialista em direito ambiental, disse à Reuters que uma eventual suspensão da outorga para uso da água por Belo Monte poderia obrigar a usina a parar de gerar energia.

"Sem a outorga, a usina não pode operar", afirmou ele, ao destacar que a outorga é uma condicionante da licença ambiental de operação do empreendimento (LO). "Se operar em desconformidade com condicionante da LO, pode sofrer a responsabilidade administrativa e penal", acrescentou.

QUESTÃO AMBIENTAL

A vazão mínima de 300 m³/s no reservatório intermediário prevista na outorga de Belo Monte é uma condição que foi definida a partir de estudos para garantir a manutenção de níveis mínimos de qualidade nas águas ali, explicou o professor associado do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, André Sawakuchi.

"O reservatório intermediário é artificial e alimentado por água desviada do rio Xingu... só que essa água depois é devolvida para o rio. Então se você gerar uma água de qualidade ruim ali, ela volta para o rio. E ali tem ecossistemas aquáticos, tem algumas cidades e populações ribeirinhas que usam (a água)", afirmou.

As justificativas técnicas da Norte Energia para a operação com vazão inferior também são questionáveis porque a seca na região da usina não é das mais severas, o que levanta preocupações sobre as condições da usina para operar em casos de possível agravamento da situação hídrica, adicionou Sawakuchi.

O mesmo argumento foi apontado pela ANA, que lembrou que há registro de 16 anos com vazões às registradas em 2019 no Xingu. "A estiagem de 2019 pode ser considerada seca, mas não histórica", destacou, em nota técnica vista pela Reuters.

A Norte Energia contratou estudo segundo o qual não haveria perda de qualidade da água no reservatório intermediário, escreveram técnicos da ANA, mas segundo eles o Ibama apontou em parecer que o material tem diversas "controvérsias" em suas premissas e "o modelo apresentado para se chegar a tal conclusão apresenta problemas".

Procurado, o Ibama não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre o ofício da ANA.

A Norte Energia disse em nota que o documento da ANA "trata-se de uma comunicação de caráter técnico" e que "se manifestará no prazo estabelecido no documento".

A ANA afirmou que "observa a situação e acompanha a qualidade da água no rio Xingu". A autarquia disse ainda que "está em contato com o empreendedor e avalia conjuntamente alternativas a serem adotadas caso essa situação, já controlada, se repita".

BARRAGEM

Em respostas à ANA, vistas pela Reuters, a Norte Energia argumentou ainda que a redução da vazão no reservatório intermediário seria necessária para manter a cota mínima do reservatório da usina no nível de 95,2 metros mesmo em meio à seca.

A empresa alegou que a operação abaixo dessa cota poderia, em casos de vento no reservatório, gerar uma "onda negativa" que atingiria áreas da barragem não protegidas por rochas, o que poderia "resultar danos estruturais à principal barragem do rio Xingu, que é Pimental".

Em nota, porém, a Norte Energia afirmou que "não há absolutamente nenhum risco ou erro do projeto" na hidrelétrica, e nem incerteza "sobre a segurança das estruturas".

Ao avaliar pontos abordados pela companhia no comentário sobre a cota operativa, técnicos da ANA afirmaram que o argumento "chama a atenção", uma vez que a concepção do projeto previa possibilidade de redução desse nível até mínimo de 87,8 metros, para atender definições ambientais.

"A conclusão é que a execução da proteção do barramento não observou a concepção do projeto, notadamente quanto às suas condições operativas", afirmou a reguladora na nota técnica.