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Dólar não deve ir abaixo de R$ 5 tão cedo, dizem especialistas

A crise econômica mundial gerada pela pandemiaé um dos fatores externos que influenciam a deprenciando do real frente ao dólar - Getty Images
A crise econômica mundial gerada pela pandemiaé um dos fatores externos que influenciam a deprenciando do real frente ao dólar Imagem: Getty Images

14/10/2020 13h52

O real foi a terceira moeda que mais se desvalorizou no mundo em 2020, ficando atrás apenas das dívidas da Zâmbia e Venezuela. Na opinião de especialistas ouvidos pela RFI, o dólar caro veio para ficar e não deve baixar tão cedo a barreira de R$ 5.

A crise econômica mundial gerada pela pandemia, a queda da demanda internacional e as incertezas em relação às eleições americanas são alguns dos fatores externos que influenciam na fuga do capital estrangeiro do Brasil, deprenciando a moeda nacional. O professor de Economia da Unicamp Francisco Lopreato não vê razões para uma mudança do panorama a médio prazo.

"Hoje, olhando para um futuro mais próximo, não vejo um câmbio muito abaixo de R$ 5 por dólar. Pode cair ou aumentar um pouco, mas é bom se acostumar com o câmbio a R$ 5", indica Lopreato.

A crise afeta profundamente a atividade econômica dos principais compradores do Brasil - em especial o seu maior parceiro comercial, a China. O marasmo gerado pela pandemia paralisou os investimentos diretos e levou os investidores a buscar refúgios em moedas mais seguras, explica Julimar Bichara, professor de integração monetária e desenvolvimento econômico da América Latina na Universidade Autônoma de Madri, na Espanha.

"Todos esses fatores são muito preocupantes e fazem com que a gente, quando olha o futuro, não perceba nenhum ponto de inflexão. Esse ponto depende muito do fator exterior: se a pandemia for solucionada rápido, a China voltar a crescer a 10% - e não ficar a 2%, como agora -, e a União Europeia e os Estados Unidos também retomarem", pontua Bichara.

Pior desvalorização entre emergentes

Um levantamento da agência de riscos brasileira Austin Rating indicou que, entre os países emergentes, o real foi o que mais caiu de janeiro a setembro, com uma desvalorização acumulada de 28,5%, atrás da lira turca (23,1%) e o rublo russo (19,9%). E essa queda não surpreende os analistas.

A economista ligada à Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) Daniela Magalhães Prates nota que o alto grau de abertura financeira do país deixa o Brasil vulnerável a saídas súbitas de capital, que impactam no câmbio. Os juros historicamente baixos, a 2% ao ano, favorecem ainda mais esse cenário.

"Você está com um diferencial de juros muito baixo, e ele é um fator importante não só para a entrada de capitais em títulos públicos, mas para as apostas na apreciação do real. O patamar atual dos juros pode, realmente, estar tendo um papel em o Brasil continuar nessas posições recordes de depreciação", afirma a especialista em fluxo de capitais e sistema monetário e financeiro internacional.

Daniela avalia que a política expansionista do Banco Central tende a permanecer, ao mesmo tempo em que não visualiza um plano para estimular o crescimento econômico do país. Neste contexto, a curto prazo, a economista tende a apostar mais num dólar a R$ 6 do que em R$ 4,90, como esperam os analistas mais otimistas.

"A taxa de câmbio, essa depreciação, vai acabar batendo na inflação e eles vão ter que acabar aumentando a taxa de juros. Tendo um aumento que eleva o diferencial do Brasil em relação aos outros países, também influencia perspectiva de alta das ações, já que a Bovespa também se desvalorizou muito neste período", destaca a especialista. "É muito difícil fazer projeção de câmbio, mas eu acho que não dá para dizer que não haverá outra apreciação - exatamente porque o Brasil é muito aberto e está vulnerável a apostas favoráveis."

Instabilidade interna também contribui

O Brasil se tornou dependente demais da conjuntura externa, mas para Julimar Bichara, os fatores internos também devem continuar abalando a confiança em relação ao país. As reformas prometidas para equilibrar as contas públicas não saíram, em meio a uma relação desgastada entre o governo federal e o poder Legislativo.

"Há quase uma década, o quadro político é de instabilidade, que não contribui a gerar confiança e certeza na atividade econômica. Não tem perspectiva de os fatores internos mudarem: apenas a esperança de que os externos melhorem", resume o professor da Universidade Autônoma de Madri. "Temos um quadro fiscal preocupante. A dívida interna e do governo cresceu muito nos últimos anos e demanda uma série de reformas que não foram feitas. Ninguém quer emprestar para um país que se acha que não vai poder pagar."

A perspectiva de dólar caro não traz só más notícias: o setor exportador e a indústria nacional se beneficiam, ressalta Lopreato. "Nós tivemos um sério problema de câmbio desde o Fernando Henrique, passando por Lula: foram mais de 20 anos de um câmbio bastante valorizado, que teve consequências significativas para o setor industrial", analisa. "A indústria brasileira perdeu muito, com vários setores fechando ou passando a ser fortemente importadores", relembra. "Certamente, o câmbio lá de trás estava muito errado, e agora está desvalorizado demais - mas eu prefiro assim do que antes. Entre R$ 3,5 e R$ 4 seria o mais razoável", sublinha o professor da Unicamp.

A queda acentuada do real brasileiro começou junto com a pandemia. Em janeiro, o dólar valia R$ 4,20. Agora, oscila em torno de R$ 5,55.