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Guerra política no Brasil e economia mundial devem manter preço da gasolina nas alturas

A expectativa é de que o preço dos combustíveis não deem dar trégua a curto e médio prazo - iStock
A expectativa é de que o preço dos combustíveis não deem dar trégua a curto e médio prazo Imagem: iStock

Raquel Miura

Correspondente da RFI em Brasília

16/09/2021 08h04

Economistas dizem que toda vez que o discurso golpista avança, desconfiança cresce e dólar sobe, elevando o preço dos combustíveis. Motoristas de aplicativo dizem que serviço já não compensa diante dos custos.

A instabilidade política no Brasil e a retomada das atividades mundo afora com o avanço da vacinação contra a covid-19 trazem uma perspectiva pessimista para o brasileiro, ainda em choque com a gasolina, que supera R$ 7 o litro em várias cidades. A expectativa é de que o preço dos combustíveis não deem dar trégua a curto e médio prazo.

"O preço do petróleo vem se recuperando nos últimos tempo e está chegando ao patamar de US$ 70 o barril, que é um patamar de equilíbrio entre oferta e demanda mais de longo prazo. Conforme os países avançam na vacinação e recuperam o dinamismo e a mobilidade na economia, a tendência é de recuperação. Para a taxa de câmbio, as incertezas são muito fortes, tanto do lado político como econômico. Por isso não vejo muito espaço para queda do preço da gasolina", disse à RFI Brasil Luciano Losekan, economista e coordenador do Grupo de Energia e Regulação da Universidade Federal Fluminense.

O câmbio é peça chave nessa história, já que o petróleo, sendo uma commoditie, tem preço definido em dólar pelo vai e vem do mercado internacional. Só que a crise institucional interna, protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), interfere na credibilidade do país e, na ponta, no valor da moeda brasileira. Assim, quanto mais quente a guerra entre os poderes, mais sobe o dólar e mais cara fica a gasolina. Outro fator que pesa no preço dos combustíveis é a demanda e, nesse caso, as projeções também apontam para alta nos preços, já que, após meses de estagnação por conta do coronavírus, a imunização em vários países gerou aquecimento dos negócios.

Diante disso, o professor de economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Energia da PUC/Rio, Edmar Almeida, acredita que "no curto e médio prazo não há uma indicação de que o preço do petróleo possa cair de forma muito significativa. Pelo contrário. O que nós estamos vendo é que o preço do petróleo tem sido pressionado pela recuperação da economia mundial no pós-covid. Existe muito espaço ainda para a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo) aumentar a produção para evitar uma escalada dos preços, mas a verdade é que o cenário não é de preços deprimidos".

O analisa econômico ainda cita a proximidade das eleições para reafirmar o cenário de incertezas, que joga contra o consumidor. "Também não vejo o câmbio com muito espaço para quedas significativas em função da aproximação das eleições, que é um período em geral de maior instabilidade no câmbio, de maneira que as perspectivas são de preços de gasolina elevados, se mantendo no patamar atual", disse Almeida à RFI.

Motoristas por aplicativo preferem não correr

O preço da gasolina pela hora da morte atinge não apenas quem têm carro ou empresas que bancam o transporte de funcionários, mas uma cadeia de produção que depende do combustível, com impacto no valor de diversos produtos, e também na vida de milhares de brasileiros que nos últimos anos conseguiram se manter graças ao serviço de transporte por aplicativo.

"Os clientes já vem sofrendo isso. Eu ouço muitos relatos de pessoas dizendo que demoram uma, duas horas para conseguir fazer o seu deslocamento porque muitos motoristas desistiram, não compensa. E baixou também a qualidade do serviço. Quando você não é bem pago, é óbvio que o serviço não vai ser muito de qualidade", afirmou à RFI Thaís Braga Melo, que coordena em Brasília um grupo de motoristas. Recentemente as duas empresas que operam no país, Uber e 99, elevaram o valor das corridas para amenizar as perdas dos motoristas. A categoria disse que a medida, que veio depois de anos de preços congelados ou mesmo reduzidos, foi importante, mas não resolve a situação diante dos custos elevados.

"O aumento do combustível impactou bastante no ganho líquido do motorista, mas não é só o combustível que reduziu os ganhos. Normalmente o motorista que trabalha exclusivamente com transporte por aplicativo faz troca de óleo a cada 20 dias. E a troca de óleo veicular praticamente dobrou nesses últimos dois anos. O valor dos pneus, que são trocados uma vez por ano por esses motoristas, também aumentou. Com alta do dólar, tudo subiu nesse setor", lamentou Melo, que afirmou também que "hoje só continuam nesse ramo quem não tem outra fonte de renda, quem tem, já saiu fora".

Intervenção na Petrobras?

A pergunta que muitos brasileiros fazem é o que o governo Bolsonaro poderia fazer diante dessa escalada no preço dos combustíveis. Os dois analistas ouvidos pela reportagem não acreditam que o melhor caminho seja interferir na política de preços da Petrobras. "Na minha visão, qualquer intervenção econômica tem que ser muito cuidadosa. A gente tem experiências de controle de preços no passado que foram muito danosas, principalmente para a Petrobras", afirmou Luciano Losekan.

O analista da UFF lamenta que ideias que poderiam ajudar a reduzir a volatilidade do câmbio e as incertezas tributárias acabam perdendo espaço diante do tom de guerra adotado por autoridades. "Umas das políticas que vejo com bons olhos seria a definição de um ICMS fixo, que ao invés de ser uma alíquota, seria um valor fixo. Acho que isso poderia reduzir a volatilidade dos preços dos combustíveis, porque quando o preço sobe no mercado internacional, sobe na refinaria, o ICMS não alimentaria essa variação. Acho que seria uma solução, que até para o estado seria interessante, porque dá uma estabilidade de receitas. Mas em função da situação política e toda a disputa, uma solução que poderia ser atrativa para todos não sai", lamentou Losekan.

Esta semana o presidente Bolsonaro, questionado sobre a gasolina batendo os sete reais, mais uma vez jogou a responsabilidade no colo dos governadores, alegando que o principal imposto sobre o setor é o ICMS estadual. Os estados rebateram dizendo que há anos esse modelo é o mesmo, inclusive quando a gasolina esteve com preço mais baixo, e não foi isso que determinou agora a escalada de preços. Também lembraram do papel do chefe do Executivo em garantir estabilidade política para arrefecer a pressão cambial, que eleva o valor do petróleo.

O professor Edmar Almeida avalia que esse tipo de embate só atrapalha na busca de soluções. "Eu acho que não basta propor uma mudança nos impostos no Congresso, jogar isso lá e dizer que agora é responsabilidade dos estados. A gente sabe que assim não vai funcionar. Então eu acho que tem espaço sim para aprimorar a forma de taxação dos combustíveis. Pode melhorar muito a transparência, a comparabilidade dos preços entre os estados. Hoje em dia a gente sai de um estado para outro, os preços são muito diferentes por causa da diferença na carga tributária. Existe muito contrabando de combustível de um estado para outro. Então eu acho que o governo deveria escolher uma agenda e trabalhar nessa agenda para demonstrar para a sociedade que ele não está parado nesse tema".