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A PEC 33 e as relações entre os três Poderes

29/04/2013 16h28

A proposta 33 de emenda à Constituição Federal de 1988 promete, e muito, modificar a forma como se configuram as relações entre os três poderes republicanos no Brasil. Proposta pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), a PEC 33 modificará dois instrumentos institucionais pelos quais o controle judicial da constitucionalidade é realizado no Brasil, quais sejam, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e as súmulas vinculantes.

As ações diretas de inconstitucionalidade e as súmulas vinculantes são instrumentos institucionais pelos quais o Supremo Tribunal Federal controla a constitucionalidade dos atos administrativos e das leis proferidas pelos poderes Executivo e Legislativo. As ações diretas de inconstitucionalidade representam o meio pelo qual diferentes atores são legitimados como possíveis intérpretes da Constituição de 1988 e podem provocar o Supremo a proferir decisão que considere ou não que determinado ato administrativo ou lei como constitucionais. Pela súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal profere decisão que estabelece o entendimento da Constituição em matérias fluidas ou que a legislação estabeleça ambivalências normativas.

Em ambos os casos, entra em discussão a atuação política do Judiciário, mediante estes instrumentos institucionais. O controle de constitucionalidade é um instrumento democrático importante, por meio do qual a sociedade pode recorrer ao Poder Judiciário para fixar a interpretação da Constituição e fortalecer os princípios e direitos fundamentais. A politização da Corte Constitucional é assegurada à medida que os princípios e direitos fundamentais são submetidos a debate e a interpretação da Carta Magna incorre em decisão que interfere e influencia políticas públicas e o processo legislativo.

No caso brasileiro, em particular, é fato que o Supremo Tribunal Federal assumiu enorme notoriedade e centralidade no cenário político. O instituto das ações diretas de inconstitucionalidade e a súmula vinculante estabeleceram o Supremo como um fórum importante e local de embate político. Seja na forma como as ADI's são interpretadas e interferem nas políticas públicas implementadas pelo Poder Executivo, seja no processo legislativo. Uma vez que tem o poder de decisão, inevitavelmente o Supremo Tribunal Federal torna-se uma instituição de natureza política e não propriamente judicial.

Pode-se dizer que existem duas posições a respeito do papel político das Cortes Constitucionais nas democracias. Esse debate gira, sobretudo, em torno da questão da soberania. A primeira posição reconhece que as Cortes Constitucionais têm a última palavra na interpretação da Constituição. Se a Constituição é o texto fundamental, ao qual as decisões políticas devem estar referidas, colocando-se no papel de intérprete, as Cortes Constitucionais têm a última palavra. Se têm a última palavra em matéria de leis e atos administrativos do Estado, a conclusão é que as Cortes Constitucionais são soberanas, nas democracias. Essa primeira posição decorre de diferentes teorias a respeito da Constituição e das democracias. John Hart Ely, auxiliar do ministro Earl Warren, da Suprema Corte norte-americana, defende que o papel das Cortes Constitucionais é ser um corretivo para a representação política, à medida que a própria Corte exerce uma forma indireta de representação.

Por outro lado, há aqueles que defendem que os processos de politização e judicialização da política decorrente da atuação das Cortes Constitucionais implicam um novo tipo de aristocracia, na qual uma elite togada apresenta-se como paladina do interesse público. Como, na democracia, o soberano é o Parlamento, por meio da representação política, não cabe às Cortes Constitucionais a última palavra. Uma aristocracia de toga representaria uma forma de usurpação do poder democrático.

No caso brasileiro, parece que a PEC 33 introduz esse debate. De fato, da forma como hoje se encontram os institutos das ADI's e das súmulas vinculantes, cabe ao Supremo Tribunal Federal legislar em diversas matérias. No contexto de um presidencialismo de coalizão em que o Legislativo já se vê combalido pela presença das medidas provisórias, o crescente protagonismo do Supremo arrefece ainda mais o poder do Congresso Nacional no contexto da democracia brasileira.

A PEC 33 inevitavelmente é uma reação do Congresso contra o Supremo, reduzindo a sua margem de manobra para legislar. As mudanças previstas trarão maiores dificuldades para o Supremo tornar um ato administrativo ou lei inconstitucional, uma vez que passará a requerer quatro quintos do quórum. No caso das ADI's, se o Congresso manifestar-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter essa decisão à consulta popular. Além disso, a PEC 33 impõe que as súmulas vinculantes dependam de decisão de quatro quintos dos ministros do Supremo e que sejam aprovadas pelo Congresso Nacional.

Se aprovada, a PEC 33 modificará substancialmente a relação entre os três poderes. Permitirá ao Congresso estabelecer algum tipo de controle sobre a ação do Supremo Tribunal Federal, dando ele, Congresso, a última palavra sobre a interpretação da Constituição. No caso da democracia brasileira, será positivo que essas decisões da Suprema Corte estejam referidas e coerentes com as decisões do Congresso. Não por conta do controle do Congresso sobre o Supremo em si, mas porque estabelece uma equiparação entre estes dois poderes, no contexto da representação política que ambos exercem. A Suprema Corte, sendo uma instituição política, deve estar submetida aos controles sobre a representação, ou seja, a palavra final cabe ao povo.

* Fernando Filgueiras é do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)