Até o fim de fevereiro, a alta do dólar não havia influenciado na inflação brasileira, chamando a atenção do mercado. Um dos efeitos esperados do dólar alto é aumento de preços dentro do país porque os importados ficam mais caros ou mais raros, e os similares nacionais acabam mais valorizados, por exemplo. Também as empresas têm custos em dólar (financiamentos, equipamentos etc.) e isso pressiona os preços.
Mauro Schneider, economista da MCM Consultores, diz que isso não aconteceu por causa do baixo ritmo de crescimento econômico, que não permite grandes aumentos nos produtos e serviços. As pessoas não têm dinheiro para pagar mais, e os preços não sobem.
Ele afirma que, com a recuperação da atividade ainda bastante lenta e um elevado grau de ociosidade na indústria, as empresas não estavam conseguindo repassar o impacto do dólar para os preços finais.
O ritmo de crescimento será ainda mais prejudicado agora, com os efeitos do coronavírus, e será preciso monitorar até quando as companhias conseguirão absorver os aumentos de custos.
Crises no passado eram diferentes
Essa nova realidade ajuda a entender outros momentos de tensão vividos pelo país. Nos anos 1990, os principais instrumentos de ajuste eram subir os juros e exercer um controle cambial, lembra o economista-chefe da Western Asset Brasil, Adauto Lima.
Em linhas gerais, a estratégia era a seguinte: ao elevar as taxas, haveria uma atração maior de capital estrangeiro e uma desaceleração adicional da economia, para ajustar as contas externas.
Entre 2015 e 2016 (segundo governo Dilma), houve forte peso de questões políticas e do aspecto fiscal, com déficits cada vez maiores. Isso fazia com que o câmbio se desvalorizasse por fatores internos.
Agora, diz Lima, o país passa por mudanças estruturais, sendo a principal delas o novo ambiente de juros, com taxas muito menores.
Além disso, o choque derivado do coronavírus mexe ainda mais com as perspectivas de crescimento global e, em relação ao Brasil, um dos maiores impactos está relacionado aos preços das commodities (matérias-primas), que pressionam o real.
O segundo ponto é a dependência da China, grande compradora de metais e produtos agrícolas do Brasil, o que leva ao horizonte de desequilíbrio nas contas externas e, para se ajustar a isso, há uma alta do dólar. "Tais fatores, combinados, deslocaram o câmbio para a casa dos R$ 4", afirma Lima.