Dólar alto veio para ficar

Incertezas sobre economia mundial e juros baixos no Brasil devem manter dólar acima de R$ 4 pelo menos

Márcio Anaya Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images

O Brasil vive um novo ambiente de juros, com a Selic batendo recordes de baixa, no menor patamar da história (4,25% ao ano). Agora o brasileiro tem se acostumar a outra realidade: o real valendo menos, com a cotação do dólar acomodando-se acima de R$ 4, pelo menos. Esse é o consenso de especialistas consultados pelo UOL.

No meio da turbulência do coronavírus, que derrubou o preço de diversas moedas e do petróleo e dificulta projeções econômicas, analistas dizem que o dólar alto veio para ficar. A causa disso é um conjunto de motivos, com forte peso do cenário internacional e dos juros baixos no país.

Confira a seguir os principais fatores que explicam o comportamento do câmbio e o que esperar daqui para frente.

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Investidor compra dólar e acha juro do Brasil baixo

Antes de falar do real, é preciso levar em conta que o dólar é uma referência global e está valorizado no mundo todo há bastante tempo, pois a economia dos EUA é uma das poucas a crescer. Essa realidade é parte essencial da equação do câmbio.

Os investidores vêm comprando dólares para se proteger das incertezas da economia mundial, movimento que já dura cerca de um ano e meio.

José Francisco de Lima Gonçalves, Economista-chefe do Banco Fator

Segundo José Francisco de Lima Gonçalves, do Banco Fator, já era difícil imaginar uma reversão desse quadro, situação que se agravou agora, com o impacto do coronavírus.

Pelo lado do Brasil, com a redução acentuada da Selic, o país já não possui mais um "diferencial" interessante para os aplicadores estrangeiros. Eles aplicavam aqui porque pagávamos juros altos em seus investimentos, em comparação com outros países. Agora deixou de ser tão atraente.

Gonçalves afirma que o novo ambiente se reflete diretamente no fluxo de recursos estrangeiros, que está negativo há mais de um ano. "O estrangeiro saiu da renda fixa e não voltou", disse.

Principais razões para a alta do dólar

  • Real é afetado como outras moedas, mas ambiente econômico local também pesa

  • 1.

    Moeda americana está valorizada no mundo todo, há bastante tempo, beneficiada pelo longo ciclo de crescimento daquele país.

  • 2.

    Aumento de casos de coronavírus no mundo aumenta incertezas sobre crescimento global e acentua procura pelo dólar, puxando ainda mais as cotações.

  • 3.

    Queda nos preços de commodities metálicas e agrícolas, como minério de ferro e soja, pressionam a balança comercial brasileira.

  • 4.

    Novo ambiente de juros baixos no Brasil não atrai mais capital externo especulativo.

  • 5.

    Crescimento econômico do país ainda é lento e não tem seduzido investidores.

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Dólar não aumentou inflação porque economia está fraca

Até o fim de fevereiro, a alta do dólar não havia influenciado na inflação brasileira, chamando a atenção do mercado. Um dos efeitos esperados do dólar alto é aumento de preços dentro do país porque os importados ficam mais caros ou mais raros, e os similares nacionais acabam mais valorizados, por exemplo. Também as empresas têm custos em dólar (financiamentos, equipamentos etc.) e isso pressiona os preços.

Mauro Schneider, economista da MCM Consultores, diz que isso não aconteceu por causa do baixo ritmo de crescimento econômico, que não permite grandes aumentos nos produtos e serviços. As pessoas não têm dinheiro para pagar mais, e os preços não sobem.

Ele afirma que, com a recuperação da atividade ainda bastante lenta e um elevado grau de ociosidade na indústria, as empresas não estavam conseguindo repassar o impacto do dólar para os preços finais.

O ritmo de crescimento será ainda mais prejudicado agora, com os efeitos do coronavírus, e será preciso monitorar até quando as companhias conseguirão absorver os aumentos de custos.

Crises no passado eram diferentes

Essa nova realidade ajuda a entender outros momentos de tensão vividos pelo país. Nos anos 1990, os principais instrumentos de ajuste eram subir os juros e exercer um controle cambial, lembra o economista-chefe da Western Asset Brasil, Adauto Lima.

Em linhas gerais, a estratégia era a seguinte: ao elevar as taxas, haveria uma atração maior de capital estrangeiro e uma desaceleração adicional da economia, para ajustar as contas externas.

Entre 2015 e 2016 (segundo governo Dilma), houve forte peso de questões políticas e do aspecto fiscal, com déficits cada vez maiores. Isso fazia com que o câmbio se desvalorizasse por fatores internos.

Agora, diz Lima, o país passa por mudanças estruturais, sendo a principal delas o novo ambiente de juros, com taxas muito menores.

Além disso, o choque derivado do coronavírus mexe ainda mais com as perspectivas de crescimento global e, em relação ao Brasil, um dos maiores impactos está relacionado aos preços das commodities (matérias-primas), que pressionam o real.

O segundo ponto é a dependência da China, grande compradora de metais e produtos agrícolas do Brasil, o que leva ao horizonte de desequilíbrio nas contas externas e, para se ajustar a isso, há uma alta do dólar. "Tais fatores, combinados, deslocaram o câmbio para a casa dos R$ 4", afirma Lima.

Essa é a ideia do câmbio flutuante. Não são os juros que fazem o ajuste, é o câmbio.

Adauto Lima, Economista-chefe da Western Asset Brasil

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Especulador saiu, e é difícil prever se outros investidores virão

Ettore Marchetti, sócio responsável pelas estratégias de gestão de renda fixa e câmbio da Trafalgar Investimentos, também acha que juros baixos e dólar alto vão durar, e isso afasta os especuladores.

"A consequência de um juro mais baixo, inicialmente, é a atratividade menor do capital especulativo", diz. De acordo com ele, quando as coisas se estabilizarem e houver clareza sobre o crescimento, existe a chance de o país atrair capital estrangeiro de longo prazo.

O especialista diz, no entanto, que é difícil avançar nessa análise em um momento tão turbulento.

Gonçalves, do Fator, avalia que o ambiente externo é bem mais delicado do que em outros momentos para explicar a desvalorização do real. Segundo ele, em crises passadas, houve uma piora na percepção de risco, de um lado, mas, de outro, havia a expectativa de que mudanças específicas (no governo ou na política econômica, por exemplo) fariam o dólar recuar.

Agora, no entanto, mesmo antes do furacão causado pelo coronavírus, o investidor estrangeiro já não estava animado com o Brasil, lembra o economista.

O principal termômetro para se medir a credibilidade e eficiência econômica de um país chama-se câmbio.

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Nathan Blanche, Sócio fundador da Tendências Consultoria Integrada

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Quem ganha e quem perde

De maneira simplificada, todos os negócios que têm receitas em dólares se beneficiam dessa nova realidade cambial. É o caso de exportadores de bens e serviços. Do lado oposto, perdem as empresas que importam produtos, sobretudo bens de capital, e todas as que têm dívidas em dólar.

A questão, no entanto, é muito mais complexa. Gonçalves, do Fator, avalia que não se pode olhar o câmbio elevado e deduzir que as exportações vão naturalmente crescer, que o país ganhará competitividade e que as importações vão diminuir. Isso porque já houve uma mudança estrutural no Brasil, de dependência maior de produtos vindos do exterior.

"De um lado, já se substituiu uma parte importante da produção doméstica (por importados) e, de outro, a economia global não está favorável para se exportar", diz o economista.

Lima, da Western Asset, é ainda mais contundente. Para ele, o cenário atual não é de um jogo de soma zero, no qual um ganha e outro perde, mas sim de resultado negativo. "Pode até ter um ou outro que consiga lucrar de forma pontual, mas de maneira geral o valor das empresas diminui."

O economista destaca que a principal dificuldade hoje é mensurar a duração dessa crise. Não se sabe, por exemplo, como a cadeia de suprimentos estará funcionando no segundo trimestre - preocupação já admitida pelo governo - e qual será o comportamento da demanda.

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Como ficam as viagens ao exterior?

Schneider, da MCM, afirma que a disparada do dólar afetará o fluxo de viagens de turismo ao exterior. Não apenas porque fica mais caro comprar moeda estrangeira para os gastos com hospedagem, alimentação e passeios, mas sobretudo pelo peso das passagens de avião no planejamento.

Como as companhias aéreas têm grande parte do seu custo atrelado ao dólar, movimentos bruscos na cotação internacional geram aumentos quase imediatos.

As agências de viagem se dizem preparadas para a turbulência. Magda Nassar, presidente nacional da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), afirma que as empresas já vinham trabalhando com um horizonte de câmbio elevado.

Segundo ela, a saída tem sido instruir o consumidor a reunir o máximo de produtos (passagem aérea, estadia, deslocamentos, alimentação e passeios) em uma única cesta, para travar um preço em reais e conseguir parcelar. "O ano passado inteiro já foi assim. Não é o mercado ideal, mas atende o cliente."

Magda prevê muito mais mudanças de destinos e alteração de datas do que cancelamentos de viagens.

Em relação às chances de uma procura maior pelo turismo nacional, ela afirma que já existe essa liderança (na proporção de 60% contra 40% de viagens ao exterior) e espera que a fatia internacional se mantenha. "Historicamente, é o que tem acontecido, mesmo com o dólar alto."

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