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Carla Araújo

REPORTAGEM

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Estocar vacinas faz parte do trâmite e da legalidade, diz general da Saúde

4.jan.2018 - General Ridauto Lúcio Fernandes em reunião no RN - Beto Macário/UOL
4.jan.2018 - General Ridauto Lúcio Fernandes em reunião no RN Imagem: Beto Macário/UOL

Do UOL, em Brasília

29/07/2021 12h30Atualizada em 29/07/2021 17h39

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O novo diretor do DLOG (Departamento de Logística) do Ministério da Saúde, general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, admite que em alguns momentos o Brasil teve estoque de vacinas sem distribuição. Nesta semana, pelo menos dez capitais suspenderam a vacinação por falta de imunizante.

Segundo o general, no entanto, estocar as vacinas faz parte do trâmite para que haja segurança jurídica e garantia da eficácia do imunizante.

O "caminho da vacina" até o braço dos brasileiros tem trâmites de documentação, verificação de qualidade do produto, além do mapeamento dos dados durante todo o transporte.

Em média, essa cadeia de autorização faz com que a vacina seja distribuída aos estados em 4 ou 5 dias no caso de imunizantes vindos do exterior. Já no caso de vacinas produzidas no Brasil a média que o ministério trabalha é de 2 a 3 dias. Depois das entregas aos estados, ainda há um prazo de cerca de uma semana para a entrega aos municípios.

"Eu não tenho como fazer (ser mais rápido), seria muita irresponsabilidade. Além de estar infringindo uma série de normativas, regulamentos da Anvisa e de leis brasileiras. Não tem como fazer. Lamento", disse o general em conversa com a coluna.

A secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Dr. Rosana Leite de Melo, diz que, apesar da evolução que o mundo teve em criar imunizantes contra a Covid em um prazo tão curto, qualquer vacina tem critérios estabelecidos para garantir a segurança ao cidadão.

"Quando se fala que estamos estocando, estamos na realidade passando por um processo para levar essa vacina de forma segura e com efetividade para a população", disse à coluna.

Tecnologia que ajuda também atrapalha

Quando os lotes de vacina deixam o laboratório do fabricante eles são acompanhados de uma pequena maquininha chamada datalogger. Ali ficam os dados de monitoramento da temperatura da vacina durante toda a cadeia de transporte.

Os dados existentes nos dataloggers precisam passar por análise de um farmacêutico do Ministério da Saúde, depois precisam ser submetidos à Anvisa para a liberação do Termo de Guarda e Responsabilidade do Produto (TGRP). Além disso, há paralelamente uma análise do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), para que o produto esteja apto para distribuição e uso.

Acontece que se há algum problema tecnológico com o aparelho, que impossibilite o acesso às informações, o ministério precisa esperar que o fabricante envie os dados perdidos, o que acaba aumentando o tempo necessário do procedimento e, consequentemente, de estoque.

O mais recente caso aconteceu com as vacinas enviadas pela farmacêutica Pfizer/BioNTech na semana passada. Das 180 caixas que chegaram com mais de 1 milhão de doses houve falha no sistema de apenas um datalogger, mas que acabou elevando para mais de sete dias o tempo das vacinas em estoque.

Mesmo com o problema em apenas um datalogger todo o processo fica suspenso à espera dos dados, ou seja, as demais caixas que estão com dados disponíveis para iniciarem o processo de documentação e liberação ficam travadas.

"Estamos estudando uma proposta de poder dividir os lotes, mas isso vai exigir o dobro do trabalho de documentação", diz.

Segundo o general, o Ministério da Saúde tem buscado ajustar alguns termos dos contratos com os fabricantes para estipular um prazo de até 24 horas para que os problemas de dados sejam resolvidos.

"Temos tido bons diálogos com todas as empresas farmacêuticas, percebemos que há boa vontade, mas às vezes se a empresa tem dificuldades para agir num prazo estipulado não temos como extorquir esse dado dela. Ela pode pagar uma multa, mas eu continuo tendo que esperar o dado chegar", diz.

O general diz que a pasta está inserindo mudanças em relação a segurança dos dados nas cláusulas dos contratos, mas alegou que a documentação é sigilosa e não poderia dar mais detalhes. "Estamos confiantes que vamos mitigar e diminuir esse problema", afirmou.

Estados "vão suar"

O general reconheceu que há brigas políticas e que muitas vezes alguns governantes tentam fazer marketing com a chegada das vacinas, mas preferiu não falar de política.

O diretor afirmou que os recentes estoques que ficaram parados por mais tempo do que o necessário já são um problema do passado.

Segundo ele, as estimativas para chegadas de vacina em agosto são bastante positivas, o que vai permitir um fluxo contínuo que não resulte em desabastecimento dos estados e municípios.

"Vamos mandar muita (vacina). Os estados vão suar por conta do volume gigante que está chegando", disse.

Segundo ele, o objetivo é trabalhar para garantir que a promessa do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que todos os brasileiros adultos sejam vacinados com pelo menos uma dose até setembro, seja cumprida.

Sem retrovisor

O diretor do departamento de logística não quis comentar as críticas feitas ao ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que era apontado como especialista em logística e acabou investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por sua gestão na pandemia.

Colega de patente de Pazuello, o general Ridauto foi levado pelo ex-ministro para a Saúde em janeiro deste ano e, em junho, assumiu a função de Roberto Dias, que foi exonerado após ser acusado de pedir propina para fechar um contrato para compra de vacina.

Ele negou que a saída de Dias tenha prejudicado as liberações da vacina e afirmou que, como assessor especial do ministro, já acompanhava o trabalho do DLOG. O general, inclusive, foi um dos funcionários da pasta responsáveis pela logística de oxigênio durante a crise de abastecimento.

Destacando que não teve aumento de salário para a nova função, o general afirma que com os trabalhos da CPI da Pandemia havia receio entre os colegas da pasta de assumir a função, assinar documentos e acabar tendo problemas judiciais.

"Quando o ministro me fez a honrosa proposta, olhei pros lados e falei 'não tem outro'. Assumi a missão", diz, usando o jargão militar comum no governo do presidente Jair Bolsonaro.

Defesa militar

O general da reserva diz que conhecia Pazuello da carreira militar, mas nunca serviu ao lado do ex-ministro. Sobre erros da gestão Pazuello, o general disse apenas que "não me cabe comentar".

Ele, porém, afirmou ter certeza que o Exército tem capacidade de preparar bons gestores logísticos.

"Estamos agora em busca de um contrato pesado para uma escolha de logística e estamos indo buscar ajuda no Ministério da Defesa. A logística faz parte do que a gente aprende para levar para a guerra", disse, sem entrar em detalhes sobre a negociação em andamento.

Sem medo da CPI

Sobre os trabalhos da CPI da Covid, que apura possíveis irregularidades no Ministério da Saúde, inclusive com a suposta participação de militares, o general também evitou maiores comentários.

Mas afirmou que está à disposição dos senadores para qualquer esclarecimento. "Problema nenhum".

Os trabalhos da CPI recomeçam na semana que vem. E na caserna há uma certeza: o desgaste da imagem das Forças Armadas tende a continuar.