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Argentina exige desculpas do Brasil, e encontro sobre Mercosul é suspenso

Eleonora Gosman

Correspondente do "Clarín" no Brasil

20/02/2014 14h02

Em reunião com a União Europeia, a delegação argentina exigiu do governo brasileiro uma retratação pública por supostas críticas que o Brasil teria feito à Argentina em relação a um acordo entre Mercosul e Europa.

A delegação argentina, encabeçada pelo secretário de Relações Econômicas Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Bianco, ameaçou o Brasil de que se retiraria imediatamente do encontro onde estavam sendo negociadas as propostas para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

O encontro foi suspenso depois que o secretário argentino exigiu uma retratação pública do governo de Dilma Rousseff, por opiniões ditas pela embaixadora brasileira Vera Machado em uma sessão do Parlamento Europeu. Nessas declarações, a representante brasileira na UE teria supostamente acusado o governo argentino de boicotar a assinatura do tratado.

A exigência de Bianco e sua equipe causou um pesado “mal-estar” na chancelaria brasileira. O Itamaraty recusou-se a publicar a nota ministerial de desagravo exigida pelo funcionário argentino. Mas, para evitar a leitura penosa que o fracasso do encontro em Caracas geraria, aceitou que fosse publicado um comunicado através da embaixada brasileira em Buenos Aires.

O comunicado afirma que “a repercussão das declarações atribuídas à representante do Brasil perante a UE, não corresponde com a avaliação positiva que o Brasil faz do processo de elaboração de uma proposta comum do Mercosul, no contexto das negociações entre os dois blocos”.

A atitude dos negociadores argentinos, de tensionar até o extremo a relação com o Brasil e os outros dois sócios do bloco, Uruguai e Paraguai, foi interpretada em Brasília como “penosa”.

Em uma descrição pormenorizada dos fatos, o correspondente em Genebra do jornal "Valor Econômico", Assis Moreira, relatou que o encontro do Mercosul em Caracas estava sendo realizado normalmente e com perspectivas de encerrar com sucesso um capítulo decisivo na tramitação de um convênio de livre comércio entre o bloco sul-americano e o europeu.

A Argentina, que efetivamente havia levantado diferenças em relação a seus outros parceiros sobre a conveniência do tratado, levou finalmente à capital venezuelana uma “proposta muito próxima” à brasileira. Isso pavimentava o caminho para um encontro final entre os blocos proposto para meados de março.

De repente apareceram na mesa de discussões as apreciações da embaixadora Vera Machado. Parece que a diplomata, que possui uma extensa carreira no Itamaraty, onde ocupou posições de relevância, sugeriu diante dos deputados europeus que a postura da Argentina era a principal dificuldade para chegar a um acordo no projeto de liberalização comercial com a Europa.

Mesmo se essa fosse a visão da diplomata, não existia nela nenhum conteúdo ofensivo nem uma postura de desacreditar o país, interpretaram em Brasília.

A “reação exagerada” do embaixador Bianco pode ter surpreendido os técnicos brasileiros. Mas não é uma metodologia desconhecida entre os argentinos.

O diplomata, designado politicamente (não por carreira), teve uma ascensão meteórica no segundo governo da presidente argentina Cristina Kirchner.

Próximo a La Cámpora, a corrente juvenil do kirchnerismo, passou a ocupar em novembro do ano passado uma posição que é considerada a terceira na hierarquia do Ministério de Relações Exteriores. O cargo tinha ficado vago quando seu antecessor, Augusto Costa, passou a integrar a equipe do ministro da Economia Axel Kicillof, para substituir Guillermo Moreno na secretaria de Comércio Interior.

Ao aceitar essa espécie de “retratação”, embora limitada ao âmbito da embaixada brasileira em Buenos Aires, o Brasil conseguiu contornar uma crise no Mercosul, no momento menos propício para o bloco, que adiou pela terceira vez sua conferência presidencial de fim de ano, e a consequente transferência da presidência pró-tempore da Venezuela para a Argentina.

(Texto originalmente publicado no site do Clarín em português)