IPCA
0,83 Mai.2024
Topo

Análise: Economia de candidatos se parece, mas é diferente na prática

Miguel Schincariol/AFP
Imagem: Miguel Schincariol/AFP

Silvo Crespo

Do UOL, em São Paulo

27/09/2014 06h00

A julgar pelo que têm declarado sobre a economia, os três candidatos à Presidência com mais chance de ganhar parecem iguais.

O cuidado em não tocar em questões impopulares é tanto que todos acabam defendendo – ao menos publicamente – apenas os objetivos dos quais ninguém discordaria. É como se os três prometessem a mesma omelete, mas sem dizer como quebrar os ovos.

Seja em declarações durante a campanha ou no plano de governo, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) defendem o combate à inflação, o controle dos gastos públicos, a geração de emprego e renda e a política de valorização do salário mínimo.

Porém, apenas em raros momentos alguém menciona medidas que seriam impopulares no curto prazo. Uma das questões que eles menos comentam – que é também uma das mais relevantes no debate econômico hoje – é a dos gastos públicos. Os três defendem um controle rigoroso de despesas, mas nenhum explica onde vão cortar gastos – se na saúde, educação ou em qualquer outra área.

É de se esperar que seja assim, pois, cada vez que um candidato resolve assumir posição, ele abre espaço para receber uma avalanche de críticas dos adversários, que, evidentemente, passam a salientar os pontos negativos de tal proposta.

Semelhanças e diferenças

Apesar de os candidatos evitarem falar ao público sobre medidas polêmicas – e com isso parecerem que defendem as mesmas coisas – quem acompanha o noticiário econômico sabe que existem várias diferenças entre eles.

De um lado, Dilma deixa claro, com suas medidas, que é mais favorável à intervenção estatal na economia.

Por exemplo, seu governo aumentou a quantidade de empréstimos subsidiados para empresas, segurou, enquanto pôde, os preços nos quais consegue pôr a mão (os chamados “preços administrados”, como energia e gasolina), tentou controlar o retorno que os concessionários teriam ao investir na infraestrutura do país, aumentou, em momentos alternados, as barreiras para entrada e saída de dinheiro do país, entre outras medidas intervencionistas.

Ainda, usou uma contabilidade não convencional (que os críticos apelidaram ironicamente de “contabilidade criativa”) para calcular as contas do governo.

Do outro lado, tanto Aécio como Marina mostram ser contra essas intervenções. Ambos defendem, ainda, maior rigor nos três pilares da política econômica criados durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso: câmbio flutuante, metas de inflação e o chamado superavit primário (dinheiro que o governo separa da sua arrecadação para pagar dívida).

Cabe ao leitor, diante disso, decidir como ele acha que a economia funciona melhor, se com mais ou com menos intervenções estatais.

Veja a seguir como foram tratados alguns dos temas pelos presidenciáveis.

Banco Central - Roberto Jayme/UOL - Roberto Jayme/UOL
Imagem: Roberto Jayme/UOL
Independência do Banco Central

Marina defende a independência do Banco Central. Após ela levantar esse ponto, ficou claro que cada candidato tem um ponto de vista diferente sobre o tema.

Em entrevista recente à “Folha”, a coordenadora da campanha de Marina, Maria Alice Setubal, conhecida como Neca, disse que a candidata, até pouco tempo atrás, não era a favor de que a independência do BC fosse garantida por lei, mas passou a aceitar isso recentemente.

A partir daí, os demais resolveram expor sua posição. Dilma disse que é a favor da “autonomia relativa do BC”, embora muitos analistas tenham questionado tal autonomia quando a entidade baixou a taxa de juros, nos primeiros anos do governo, e permitiu que a inflação batesse o teto da meta (6,5% ao ano), quando medida em intervalos de 12 meses.

No caso de Aécio, seu plano de governo defende a “autonomia operacional” do BC, ou seja, ele quer que a instituição execute sua política sem intervenções do restante do governo, mas não menciona a possibilidade de formalizar essa autonomia.

Sobre esse tema, portanto, parece haver um degradé: Dilma quer uma “autonomia relativa”, Aécio prevê uma autonomia operacional, não necessariamente determinada por lei, e Marina quer uma independência formal.

Leia algumas frases sobre o tema:

Dilma: “Sou a favor da autonomia relativa do BC e a pratico. O que estão propondo é independência do BC. Independência é só dos três poderes. O quarto poder, que é a independência do BC, é algo extremamente questionável. ” (No “Valor Econômico”).

Marina: “[É preciso] Assegurar a independência do Banco Central o mais rápido possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária necessária ao controle da inflação.” (No programa de governo).

Aécio: “[Defendemos] autonomia operacional ao Banco Central, que irá levar a taxa de inflação à meta de 4,5% ao ano. Uma vez atingida, a meta será reduzida gradualmente, assim como a banda de flutuação, atualmente em mais ou menos 2%. O Banco Central deverá também suavizar as flutuações do ciclo econômico e zelar pela estabilidade financeira.” (No plano de governo).

Salário mínimo - Thinkstock - Thinkstock
Imagem: Thinkstock
Salário mínimo

Além da questão do BC, outra que gerou polêmica foi a do salário mínimo. Diversos economistas argumentam que a atual política de reajuste é insustentável em longo prazo. Dois deles são diretamente ligados a Marina e a Aécio.

Eduardo Gianetti da Fonseca, espécie de “guru” de Marina para assuntos de economia, afirmou, em entrevista à “Folha” no ano passado, que a atual regra de reajuste, baseada no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e na inflação, “não tem o menor sentido”. Ele acrescentou: “Também é complicado reajustar o benefício previdenciário pelo salário mínimo. Atrelar perpetuamente ao salário mínimo não faz sentido.”

Armínio Fraga, apontado como provável futuro ministro da Fazenda caso Aécio vença, afirmou, em entrevista ao portal de "O Estado de São Paulo”: "O salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos. [...] Mesmo as lideranças sindicais reconhecem que, no que diz respeito ao salário em geral, não só o mínimo, é preciso guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de engessar o mercado de trabalho”.

A declaração mostra que Fraga defende modificar a atual política de reajuste, que não leva em conta a produtividade. Adversários, então, aproveitaram para faturar em cima do tema, ao interpretar que Fraga seria contra aumentos reais do mínimo.

Os economistas ligados a Aécio e Marina, portanto, vão na linha de modificar a política de aumento do mínimo, enquanto os dois candidatos preferem não dizer isso diretamente. Nos seus planos de governo, o tucano defende “a continuidade dos ganhos reais do salário mínimo”, enquanto Marina promete “valorizar o salário mínimo”.

Dilma, por sua vez, disse não concordar com a ideia de que o aumento do salário mínimo seja “a raiz da inflação”. Para Guido Mantega (Fazenda), “a ideia equivocada do passado de que aumentar muito o salário mínimo vai causar desemprego foi negada pelos fatos”.

Confira algumas frases sobre o assunto:

Dilma: “Nós vamos continuar focados em emprego e garantia de salário para a população. [...] Eu não concordo... que a raiz da inflação é a política de valorização do salário mínimo.” (Na agência  de notícias Reuters).

Marina: “A coligação Unidos pelo Brasil vai [...] valorizar o salário mínimo. [...] É inegável a redução da pobreza absoluta no país e, em muito menor escala, da desigualdade medida a partir dos rendimentos do trabalho. Esse cenário decorreu não exclusivamente de programas sociais. Contaram, e muito, a aceleração do crescimento econômico entre 2004 e 2008, a dinâmica do mercado de trabalho e as transferências sociais (Programa Bolsa Família, Previdência Social atrelada ao salário mínimo e Benefício de Prestação Continuada).” (No programa de governo).

Aécio: “Ela [Dilma] disse, dirigindo-se claramente a nós, que não íamos garantir reajuste real do salário mínimo. Mentiu a senhora candidata a presidente da República. Mentiu, pois fomos nós, ao lado do Solidariedade e do Paulinho da Força, que apresentamos projeto que garante reajuste real do salário mínimo nas bases atuais até 2019.” (Na “Folha”).

Inflação - Shutterstock - Shutterstock
Imagem: Shutterstock
Inflação

O aumento de preços é outro tema importante para estas eleições. Veja a seguir o que disseram oficialmente os presidenciáveis:

Dilma: “O controle da inflação foi mantido, sempre, como prioridade de nossos governos, e assim continua. [...] Um dos alicerces desse novo ciclo é o fortalecimento de uma política macroeconômica sólida, intransigente no combate à inflação e que proporcione um crescimento econômico e social robusto e sustentável.” (No programa de governo).

Marina: “Trabalhar com metas de inflação críveis, sem recorrer a controle de preços que possam gerar resultados artificiais, e criar um cronograma de convergência da inflação para o centro da meta atual; gerar o superávit fiscal necessário para assegurar o controle da inflação; manter a taxa de câmbio livre, sem intervenção do Banco Central, salvo as ocasionalmente necessárias para eliminar excessos pontuais de volatilidade.” (No programa de governo)

Aécio: “Iremos adotar o cumprimento inequívoco dos compromissos do tripé macro: inflação na meta, ou seja, no centro da meta, superávit primário obtido sem artifícios contábeis e câmbio flutuante. [...] Uma vez atingida, a meta [de inflação]será reduzida gradualmente, assim como a banda de flutuação, atualmente em mais ou menos 2%.” (No plano de governo)

Emprego e renda - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
Emprego e renda
Geração de trabalho e aumento do ganho dos profissionais também mobiliza eleitores. Confira as principais declarações dos candidatos:

Dilma: “Em todo o período Lula-Dilma, até maio de 2014, o país gerou 20,4 milhões de novos empregos. Enquanto, em todo o mundo, a crise eliminou 60 milhões de empregos, de 2008 até hoje, no Brasil 11 milhões de postos de trabalho com carteira assinada foram criados. No governo Dilma, até maio de 2014, foram gerados 5,05 milhões de empregos formais. Desde 2003, a taxa de desemprego declinou até chegar a 4,9% em abril de 2014, considerada uma situação de pleno emprego. De 2003 até hoje, a renda do trabalhador cresceu 70% acima da inflação.” (No programa de governo)

Marina: “[Uma] medida com o propósito de aumentar o emprego [...] é a expansão dos setores com direito a beneficiar-se das mudanças do regime de contribuição para a Previdência Social, passando do regime de contribuição de 22% sobre a folha de pagamento para o regime de 2% sobre o faturamento. [...] Países com sistemas financeiros mais desenvolvidos tendem a crescer mais, pois um mercado de crédito eficiente [...] gera possibilidades de financiamento para empresas e indivíduos. [...] Tudo isso gera emprego e eleva o potencial de crescimento da economia.” (No programa de governo)

Aécio: “A redução da rotatividade da mão de obra no Brasil e o aumento da sua produtividade são elementos fundamentais para uma nova política de emprego e renda. [Nossas] Diretrizes [são]: Fomento à criação de empregos formais de qualidade, com a garantia de todos os direitos trabalhistas; continuidade dos ganhos reais do salário mínimo; implementação de políticas visando à diminuição da rotatividade no emprego; incentivo às empresas que mantiverem os contratos de trabalho por períodos superiores às médias do seu setor; [...] estruturação de programas de estímulo ao aumento da escolaridade do trabalhador; [...] combate permanente ao trabalho escravo e degradante, bem como ao trabalho infantil.”