Limitar parcelado sem juros pode reduzir consumo e afetar famílias, diz CNC
Restringir o parcelamento sem juros ou o número de parcelas pode fazer com que famílias, principalmente de menor renda deixem de comprar bens mais caros, como eletrodomésticos, diz Izis Ferreira, economista da CNC (Conferedação Nacional do Comércio). Para ela, se o parcelamento sem juros for restringido, esses bens deixarão de ser consumidos, e o varejo vai sentir essa queda. A entidade não acredita que o parcelamento tenha relação com o endividamento dos brasileiros, e que o ideal seria focar em educação financeira.
O que diz o comércio sobre o parcelamento sem juros
A CNC diz ver o debate sobre o fim do crédito rotativo ou mesmo a limitação do parcelado sem juros com preocupação. Dados levantados pela entidade mostram que 90% do varejo brasileiro tem suas vendas parceladas sem juros no cartão de crédito.
A modalidade é muito usada no varejo. Para 47% dos estabelecimentos, metade do faturamento vem das vendas parceladas. Para 29,3% dos varejistas, o parcelado sem juros representa entre 50% e 80% do faturamento. Para outros 13,2%, a fatia de vendas parceladas é superior a 80%. O restante não informou. As informações são de uma pesquisa realizada com 6.000 empresas do setor, em todas as capitais do Brasil, divulgada no início do mês.
Limitar a utilização do parcelamento pode comprometer a atividade do comércio, diz a confederação. Além disso, o consumidor seria o mais atingido. Para Izis Ferreira, economista da CNC responsável pelo levantamento, a cultura do parcelamento já está muito arraigada no país e é essencial para as famílias.
A gente está falando da impossibilidade de parcelar ou da tentativa de redução no volume de parcelas. Isso muito provavelmente vai impedir que famílias consumam bens de maior valor agregado, como eletrodomésticos, eletroeletrônicos, que têm um tíquete médio mais alto. Esse tipo de produto vai deixar de ser consumido. O varejo vai sentir no faturamento. Em linhas gerais é o que a gente pode ver: segregar o consumo via crédito vai impedir que a pessoas de menor renda possam consumir produtos.
Izis Ferreira, economista da CNC
Crédito do rotativo não gera inadimplência, diz entidade
O BC alertou, em agosto, para a inadimplência com o uso do cartão. O levantamento mais recente do Serasa mostra que as dívidas de cartão de crédito respondem por boa parte da inadimplência no país. Das 71,4 milhões de pessoas que estavam em situação de inadimplência em agosto de 2023, 29,29% tinham dívidas com cartão de crédito e bancos.
Os juros do rotativo são os mais caros do mercado. Em agosto, a taxa de juros do crédito rotativo ficou em 445,7%. A alta foi de 4,4 pontos percentuais em relação ao mês de julho. Os clientes entram no rotativo quando não pagam a fatura do cartão integralmente.
A proposta de limitar o parcelamento está relacionada às discussões sobre esses juros. O setor precisa propor até o final deste ano uma autorregulação que reduza os juros da modalidade. Se não, passa a valer um teto de 100% do valor original da dívida, aprovado pelo Congresso. Funciona mais ou menos assim: o indivíduo tem uma dívida de R$ 1.000 no cartão de crédito, o banco só pode aplicar até R$ 1.000 em juros e encargos financeiros. Neste caso, o valor total da dívida não pode superar R$ 2.000.
A CNC não acredita, no entanto, que o número de parcelas das compras têm relação com o endividamento dos brasileiros. Para a economista, não há dados que corroborem a tese de que mais parcelas geram mais endividamento.
A Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) tem o mesmo argumento. A entidade enviou uma manifestação ao CMN (Conselho Monetário Nacional) na semana passada contra uma possível limitação no número de parcelas. No documento, foram anexados dados de um levantamento feito pelo Instituo Locomotiva, que mostram que 80% da população diz que teria mais dívidas sem o parcelado sem juros.
Parcelar mais vezes dá uma certa margem de você planejar o seu orçamento. No ano passado a gente tinha uma inflação em dois dígitos, o consumidor estava sufocando, com a renda baixa. Parcelar foi a saída para manutenção do nível e consumo mínimo. Dizer que o parcelamento é responsável pela inadimplência é temerário. O comprometimento da renda é um indicador melhor para [identificar o] superendividamento.
Izis Ferreira, economista da CNC
Cartão de crédito tem benefícios para o consumidor, diz CNC
O país tem hoje 200 milhões de cartões de crédito. É uma média de dois para cada cidadão economicamente ativo. O presidente do Banco Central afirmou que o mercado de CDC (Crédito Direto ao Consumidor) cresce pouco porque o parcelado sem juros cresceu muito.
A CNC discorda, e vê o aumento do uso do cartão de crédito como um movimento natural. A economista destaca que a popularização do uso do cartão de crédito veio muito acompanhada da ascensão das fintechs, e trata-se de um caminho sem volta.
Newsletter
POR DENTRO DA BOLSA
Receba diariamente análises exclusivas da equipe do PagBank e saiba tudo que movimenta o mercado de ações.
Quero receberO consumidor usa o cartão também por causa dos benefícios adicionais que pode receber. Ela cita como exemplo o cashback e as milhas de viagem, que mudam a experiência do cliente. O cartão de crédito se tornou um produto para a fidelização dos clientes, diz a entidade.
A especialista afirma que não faz sentido forçar uma redução no uso dessa modalidade de crédito. O ideal seria focar em campanhas de educação financeira para que o consumidor saiba que pode usar diferentes tipos de crédito, como é o caso do crediário para compras que demandam maior prazo de pagamento.
A gente tem que ter iniciativas que mostrem para o consumidor como buscar esse tipo de informação. Esse é um movimento que tem que ser muito cuidadoso e paulatino. Juntar todo mundo: o banco, o varejo, os serviços, o governo com seu poder de comunicação, [para explicar] que o crediário é um bom meio. Dificilmente, de forma impositiva, a gente vai mudar a realidade.
Izis Ferreira, economista da CNC
Parcelado sem juros vai acabar?
A discussão em torno do parcelamento sem juros é longa. O presidente do BC mencionou a possibilidade de mudança no parcelado sem juros pela primeira vez em agosto. Na ocasião, Campos Neto disse que a modalidade é um dos principais fatores que levam o consumidor ao juro rotativo e, consequentemente, à inadimplência.
No último dia 16, a instituição sugeriu limitar a 12 o número de parcelas sem juros em compras no cartão de crédito. Na ocasião, Campos Neto estava reunido com representantes do comércio, maquininhas e bancos, mas a reunião acabou sem consenso.
Na segunda-feira (23), ele voltou a falar sobre o tema. Em evento promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, Campos Neto afirmou que o mercado precisa ceder de alguma forma para encontrar "uma solução para que as pessoas possam continuar comprando com o parcelado sem juros e não tenhamos uma bola de neve no efeito do rotativo".
Começamos a achar que não fazer nada, achar que o mercado ia achar uma solução e se reequilibrar, poderia não acontecer de forma organizada. A solução que foi proposta era ter algum tipo de autorregulação, mas é muito difícil, porque são setores diferentes.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Deixe seu comentário