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Além do marketing: questões sobre a libra, nova empreitada do Facebook

João Vicente

15/07/2019 09h00

O lançamento da libra, nova empreitada do Facebook ao lado de quase três dezenas de sócios do setor financeiro, foi o assunto do final do semestre. Naturalmente, questionamentos sobre o potencial e a viabilidade dessa ideia começaram a pipocar em todos os lugares.

Toda iniciativa do Facebook tem potencial de escala global. Por isso, além do marketing, as novidades devem sempre ser analisadas por diversos ângulos. Um desses ângulos, e talvez o mais polêmico, tem sido como governos e grandes instituições reguladoras de mercado pretendem atuar.

Eles devem, sim, olhar com atenção para essa iniciativa. Uma nova moeda, com um grande alcance potencial, pode extinguir moedas fracas e instáveis de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Se eu posso comprar absolutamente tudo dentro da minha comunidade via WhatsApp, com uma moeda forte e com lastro em dólar e euro, qual o sentido de carregar valores em real na carteira? Qual o sentido em ter conta num banco?

Se moedas e bancos centrais perderem poder, governos perdem poder. Consequentemente, perdem autoridade e controle. Esta é uma grande barreira para a moeda do Facebook engrenar.

Como a libra não é uma criptomoeda pura --ou seja, tem como sócias grandes empresas reguladas por grandes governos, como Visa e Mastercard --não existe governante no mundo que vá facilitar sua própria perda de poder.

Dados e mais dados

Empresas, CEOs e marqueteiros ganham ainda mais complexidade na gestão de seus ativos. Já não basta ter um volume cavalar de dados atitudinais e comportamentais de seus consumidores na mão das empresas de Mark Zuckerberg (Facebook, Instagram, WhatsApp, Messenger).

Com a libra, ele pode ter acesso aos dados transacionais desses consumidores. Fecha o famoso "funil de compra" de uma forma nunca antes vista.

Isso criaria ainda mais barreiras e custos para essas empresas e profissionais. Eles teriam de seguir quase que cegamente as estratégias e táticas de comércio das plataformas do Facebook.

A granularidade do conceito de multicanalidade ficaria tão complexa que, naturalmente, poderá ser mais fácil terceirizar o trabalho para segmentações e produtos de prateleira de Mark Zuckerberg.

Dirão que o algoritmo resolverá isso de "forma automatizada". A caixa-preta, enfim, ficará ainda mais inacessível do que já é --pensaremos nós, conformados.

Uma solução de valor para as pessoas

É aí que mora a oportunidade (e também o perigo). Uma moeda como essa incluiria milhões (ou bilhões) de pessoas que hoje não estão no sistema bancário formal. Abriria diversas possibilidades de empreendedorismo em pequenas comunidades, por exemplo, gerando um novo formato de renda e crescimento.

Temos diversos exemplos de produtos e serviços que, quando provaram uma proposta de valor real para as pessoas, deslancharam. Alguns, até mesmo, quebraram modelos de negócio por décadas estabelecidos --Blockbuster e Coopertaxi são exemplos.

A genialidade humana pode estragar tudo

Porém, o ser humano é incrível e genial, para o bem e para o mal. Já imaginou o potencial de crescimento dos mercados de lavagem de dinheiro, contrabando, tráfico de drogas e outras coisas que essa nova moeda poderia destravar?

Um número gigantesco de pessoas poderia ter acesso instantâneo a esses mercados do dia para a noite. Afinal, certamente, já tem um login e senha em alguma plataforma do Facebook.

Enfim, ficam as reflexões e a espera até o início de 2020, para quando está previsto o lançamento oficial da libra.

Até lá, teremos ainda muitas quedas de braço entre o "novo clube" do Mark Zuckerberg e governos, bancos mundiais, instituições reguladoras, imprensa e marqueteiros.

O ringue está armado. E a briga é boa, eu diria.