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Ajuda do governo a pequena empresa é 7 vezes maior nos EUA do que no Brasil

Paulo Ribeiro

20/04/2020 10h14

  • Programas de suporte às pequenas e médias empresas durante crise do coronavírus nos EUA representam 4,43% do PIB, enquanto no Brasil são 0,62% do PIB

Ao longo dos últimos dois meses, temos acompanhado uma avalanche de medidas econômicas sendo adotadas por diversos países como forma de combater os impactos negativos da covid-19. Em especial, governos têm anunciado linhas de financiamento e auxílio aos pequenos negócios. Micro, pequenas e médias empresas, que são notadamente as maiores empregadoras da economia, são as mais vulneráveis em momentos de crise.

O governo americano anunciou dois programas de suporte aos pequenos empreendedores, o Main Street Lending Program (Main Street) e o Paycheck Protection Program (PPP). O primeiro está injetando, via novos empréstimos ou ampliação de empréstimos existentes, US$ 600 bilhões para empresas de pequeno e médio porte.

O segundo já disponibilizou US$ 349 bilhões em empréstimos perdoáveis para micro e pequenas empresas manterem em dia a folha de pagamentos. Somados, os programas representam um socorro de US$ 949 bilhões, isto é, 4,43% do Produto Interno Bruto (PIB) americano em 2019.

No Brasil, o governo federal lançou dois pacotes de apoio às empresas pequenas. Em março, a expansão em R$ 5 bilhões dos recursos destinados à linha de financiamento BNDES Crédito Pequenas Empresas, com o respectivo aumento do limite financiável para R$ 70 milhões.

Em abril, iniciou-se o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), um crédito emergencial de R$ 40 bilhões para financiar dois meses de folha de pagamentos de pequenas e médias empresas. A assistência total no Brasil ao pequeno negócio representa 0,62% do PIB brasileiro, totalizando R$ 46 bilhões em desembolsos.

O auxílio brasileiro ao pequeno empresário, em proporção ao PIB, é sete vezes menor que o proposto pelo governo americano. Além do tamanho, há outras diferenças de formatação entre os modelos elaborados pelo Brasil e pelos EUA. A tabela comparativa abaixo apresenta as características de ambos os pacotes, brasileiro e americano.

A parcela de risco incorrido por credores privados é nula ou limitada a 5% nos EUA. Essa estratégia mitiga, ao menos em parte, a seleção adversa inerente à política de crédito, tornando viável a chegada de recursos a empresas que estão com maiores dificuldades financeiras. Isto é, evita que a seleção de crédito dos bancos dê preferência a empresas maiores e com mais liquidez, justamente as menos necessitadas.

Aqui, optamos por duas vias: (i) dar a liquidez aos bancos, via BNDES, em linhas que eles incorrem na totalidade do risco de inadimplência, ou (ii) requerer um "risk sharing" em empréstimos com participação do governo três vezes maior que o observado nos EUA. A consequência das vias adotadas no Brasil será um volume menor de concessões aos pequenos negócios e maior morosidade e rigidez na liberação do crédito.

Especificamente na linha com compartilhamento de risco, a viabilizamos utilizando um banco público como operador, excluindo empresas que não processem folha de pagamento em bancos, restringindo que os credores sejam somente instituições financeiras, impondo spread bancário zero, proibindo a cobrança de qualquer tarifa e limitando a atuação das empresas no quadro de funcionários. Todas essas exigências vão na linha de limitar o alcance dos empréstimos.

Nos EUA, na linha com risk sharing, o banco central americano criará uma sociedade de propósito específico, que adquirirá dos bancos 95% da carteira de empréstimos que forem elegíveis ao programa. Os bancos ficam com os 5% de risco remanescente em seus balanços. O Tesouro americano aportará US$ 75 bilhões para se tornar acionista da SPE, reforçando a estrutura. Todo o processo de originação e implementação do crédito é feito pelos bancos.

Ainda, a taxa de juros na terra do Tio Sam não será a taxa básica de juros da economia americana. A taxa de juros incluirá spread bancário, de forma a gerar os estímulos de mercado adequados para que os bancos tenham apetite pelo crédito. Nossa tentativa no Brasil de limitar o spread de crédito no Pese tem efeitos perversos sobre a potência da ajuda às empresas.

Além disso, na linha Main Street, há três camadas de tarifas pagas: 1% ao banco central americano pela disponibilização da linha, 1% ao banco credor devido à originação e 0,25% ao ano ao banco credor para operacionalizar o empréstimo durante a vigência deste. Na linha PPP, as tarifas variam de 1% (para empréstimos maiores que US$ 2 milhões) a 5% (para empréstimos inferiores a US$ 350 mil). As tarifas são maiores quanto menores forem os empréstimos, criando incentivos para que os credores queiram emprestar para os negócios menores.

A linha PPP é 100% garantida pelo governo americano e possui um instrumento interessante para manutenção do emprego sem renunciar à eficiência econômica dos pequenos negócios. Os empréstimos do PPP serão integralmente perdoados desde que destinados, ao menos 75%, para pagamento de salários e se as empresas tomadoras mantiverem seus empregados e respectivos salários por dois meses. Os outros 25% podem ser utilizados para pagamento de custos fixos, tais como aluguel e contas de consumo da empresa.

Uma combinação engenhosa de eficácia e eficiência estabeleceu-se ao deixar que a empresa escolha entre (i) demitir (ou cortar salário) e ter que repagar o empréstimo, (ii) ou manter a folha de pagamento e ficar isenta do reembolso dos recursos tomados. Por aqui, as empresas beneficiárias do Pese não poderão demitir sem justa causa empregados durante dois meses.

Essas empresas deverão ter as respectivas folhas de pagamento processadas em algum banco e os recursos tomados serão depositados diretamente nas contas dos funcionários. Tais características tornam a gama de empresas elegíveis menor, a operacionalização mais complexa e o programa menos eficiente.

Quando o governo assume a totalidade do risco, imposições lógicas podem ser feitas de forma a gerar benefícios sociais. O empréstimo PPP não pode ser usado para repagar ou refinanciar nenhuma dívida existente. Fica também proibido pelo prazo de um ano até a quitação do empréstimo a distribuição de dividendos ou recompra de ações. Nenhuma garantia será exigida, nem mesmo aval. As condições serão as mesmas para todos os tomadores.

Bancos, empresas e quaisquer outros envolvidos nas linhas de financiamento dos EUA podem ainda fazer sugestões online de melhorias para tornar o programa mais eficiente e efetivo. Ao tornar o debate amplo e aberto, o governo americano reduz a probabilidade de cometer falhas na estruturação. O governo passou a incluir, por exemplo, outras instituições que não só os bancos no PPP, explorando a capilaridade de credores não tradicionais, como as fintechs.

A consequência de uma estruturação bem feita se torna visível rapidamente. A linha PPP se esgotou em 2 semanas. O congresso americano discute ampliar a linha em mais US$ 250 bilhões. As medidas econômicas contra o choque atual precisam ser céleres e amplas no Brasil também. Não faltam exemplos internacionais para aprimorarmos nossas frentes de ataque e atingirmos esse objetivo.